Estruturação Jurídica e LGPD para Startup

Criar uma Startup não é algo fácil, pois depende do desenvolvimento exponencial e de testes extensivos para provar a validade de uma ideia e, depois, arcar ou gerenciar de forma adequada com os custos e o trabalho de colocar o produto/serviço em escala. Para quem não tem afinidade com a área jurídica, a estruturação documental e contábil da fase inicial de uma startup (incluindo LGPD) pode se tornar uma verdadeira dor de cabeça. Entenda no artigo abaixo, de forma simplificada, o que o(a) empreendedor(a) precisa saber para estruturar sua startup de forma adequada.

1. O que são Startups

Já falamos em artigos anteriores sobre o tema, todavia, em suma, uma Startup é uma empresa em estágio inicial e em desenvolvimento que esteja baseada em um modelo de negócios inovador, repetível e escalável.

2. Estruturação da ideia, validação e MVP

Antes de preocupar-se com a questão contábil, jurídica e financeira, é muito importante que a ideia do(a) empreendedor(a) seja devidamente validada no mercado.

Ou seja, é necessário, antes de tudo, verificar se aquele produto ou serviço de fato é uma necessidade da sociedade e se eventuais investimentos de tempo e dinheiro na ideia terão algum retorno.

Para validação da ideia inovadora, é necessário questionar os possíveis consumidores/clientes do produto ou serviço, por meio de questionários e pesquisas de opinião. Isso porque muitas vezes o(a) empreendedor(a) pode ter uma opinião de que aquele produto é algo relevante, e no fim não ser, o que pode ser evitado por meio destas pesquisas de mercado e feedbacks do público. Ou seja, a inovação da Startup deve atender um problema ou dor da sociedade, que deve ser constatado por meio de pesquisa de mercado.

Após validada a ideia na pesquisa de mercado, é necessário desenvolver a ideia de negócio, criando um modelo de negócio. Para essa fase de planejamento estratégico, é necessário estabelecer as metas, valores e identificação de que forma o produto/serviço gerará valor para o cliente – que é o real destinatário do desenvolvimento da Startup.

Criado o modelo de negócio, é importante criar o MVP (Mínimo Produto Viável) que é um protótipo do serviço/produto em suas condições mínimas para que seja testado com potenciais clientes. Nesta fase, não há a necessidade de o produto/serviço estar perfeito, de forma que o MVP serve justamente para verificar se na prática a ideia realmente funciona e traz benefícios/facilidades/inovações para o(s) cliente(s).

Estas fases são necessárias para que o(a) empreendedor(a) consiga validar a importância, utilidade e expressividade da sua ideia e projeto de empresa, traduzidos na Startup. Assim, poderá validar se suas ideias – que muitas vezes podem ser idealizadas como perfeitas, mas que na prática não funcionam – serão de fato úteis ao seu público-alvo, realizando melhorias e aperfeiçoando-a antes do lançamento no mercado.

Nesta fase, há programas de incubação de Startups que auxiliam os(as) empreendedores(as) a colocarem em prática suas ideias de Startups de forma organizada e estruturada, podendo haver inclusive a atuação de um investidor-anjo ou mentor na fase pré-aceleração.

3. Enquadramento Contábil e Tipo Societário

Ao criar um CNPJ para a Startup, sendo validada a ideia inicial e havendo um plano de negócio minimamente definido, é necessário pensar em qual tipo societário a e regime de tributação a empresa se enquadrará.

Esta escolha deve se basear não somente na situação atual da empresa – que geralmente conta com pouco patrimônio -, mas também calcada nos possíveis cenários futuros, como recebimento de investimentos, por exemplo.

Ou seja, o(a) empreendedor(a), ao criar um CNPJ para sua Startup, deve escolher o regime de tributação com auxílio de advogado e de preferência de um(a) contador(a) de confiança, devendo prever qual melhor alternativa considerando os próximos passos. Se a Startup pretende participar de rodadas de investimento em um futuro próximo, por exemplo, deverá escolher o tipo societário e regime de tributação que mais se adequa à esta realidade.

Para tanto, destacam-se abaixo os tipos societários mais comuns:

– Microempreendedor individual (MEI): essa modalidade pode ser uma opção se a Startup é composta de uma pessoa autônoma e ainda estiver em seu estágio primário, pois o regime simplificado (Simples Nacional) e os tributos unificados fazem desse porte uma possibilidade vantajosa para iniciar-se no empreendedorismo. Possui limite de faturamento anual de R$ 81 mil e pode ter até 01 (um) funcionário, bem como possui lista de CNAEs limitada.

– Sociedade Limitada (LTDA): é uma sociedade entre duas ou mais pessoas para quando as operações já são um pouco mais robustas. Pode se enquadrar como MicroEmpresa (ME), com limite de faturamento anual de R$ 360 mil e 09 (nove) funcionários para comércio e serviços e 19 (dezenove) para indústria. Essa modalidade se chama LIMITADA justamente porque limita as dívidas da empresa para a personalidade jurídica, e não atinge os sócios. Dessa forma, traz mais segurança para os sócios da Startup, pois caso porventura ela ‘quebre’, seus patrimônios pessoais estarão resguardados.

– Sociedade Limitada Unipessoal (SLU): é uma opção para quem deseja abrir uma empresa sozinho, mas não quer ter sua responsabilidade ilimitada como ocorre no caso de um empresário individual ou MEI. É a mesma coisa que a LTDA. só que de apenas um sócio (previsão no § 1º, art. 1.052, CC – incluída em 2019). Esse tipo societário adveio da ideia de EIRELI, tipo societário que foi extinto pelo art. 41 da Lei nº. 14.195/2021.

– Sociedade Anônima (S.A.): esse tipo de sociedade se destina a empresas de grande porte, podendo ter ‘capital aberto’ ou ‘capital fechado’, de estrutura complexa e cuja a responsabilidade dos sócios é limitada ao valor de suas ações. Pode ser escolhido esse tipo societário para empresas que querem se internacionalizar, por exemplo.

3.1. Reestruturação Societária

Já falamos em artigo anterior acerca da importância da assessoria jurídica para reestruturação societária. Quando a Startup chega a um nível de crescimento, pode haver propostas ou negociação para fusão ou incorporação da empresa.

Para esta fase o(a) empreendedor(a) também deve estar preparado(a), de forma que um advogado ou escritório de advocacia especializado em M&A auxiliará expressivamente nas operações empresariais.

4. Contratos

Os contratos são instrumentos fundamentais na estruturação jurídica de uma Startup, como: a) Contrato Social, que deve contemplar capital social, responsabilidade dos sócios, forma de distribuição dos lucros e previsão de saída de sócios; b) Acordo de Sócios, a fim de definir os deveres e direitos dos sócios, entre outros termos como solução de conflitos; c) Contratos de Vesting, que poderá ser firmado com os primeiros colaboradores da Startups; d) Contrato de Investimento, para definir as condições de entrada de investidores na empresa, como percentual de participação e forma de pagamento; ou d) Contratos de Prestação de Serviços, que define a relação entre a startup e seus clientes, estabelecendo as regras de prestação de serviços e responsabilidades envolvidas nos projetos.

5. Proteção de propriedade intelectual

Uma startup sempre estará em busca de inovação e, por isso, uma prévia pesquisa por marcas e patentes deve ser realizada para evitar que haja a ofensa a tais direitos. Após, em sendo negativa a pesquisa, é necessário assessoria jurídica para que seja realizada a proteção da propriedade intelectual, que é um aspecto muito importante na estruturação jurídica da empresa.

Dentre as formas de proteção, destaca-se: a) Registro de Marca: que define a identidade da startup e garante a exclusividade do uso em território nacional; b) Registro de Patente: proteção legal de invenções e produtos, garantindo ao inventor o direito exclusivo de uso e comercialização do produto; e c) Registro de Software: é a proteção do código-fonte do software, garantindo ao desenvolvedor direitos autorais e o direito exclusivo de copiar e distribuir o software. O registro deve ser feito diretamente no site do INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial).

6. LGPD para Startups

Com o avanço das tecnologias e o crescente interesse do mercado em soluções inovadoras, as startups têm ganhado cada vez mais espaço no mundo corporativo. Entretanto, muitos empreendedores ainda desconhecem a complexidade da estruturação jurídica que envolve uma startup e a importância da adequação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Em artigo anterior já tratamos sobre a aplicabilidade da LGPD para agentes de pequeno porte, pois a a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), aprovada em 2018, estabelece regras para o tratamento e proteção de dados pessoais no Brasil para todas as empresas, inclusive para as startups.

A LGPD entrou em vigor em agosto de 2020 e prevê sanções para as empresas que não se adequarem às normas. Para uma startup, é importante que a adequação à LGPD seja feita desde o início, já que o tratamento de dados pessoais é uma atividade comum para empresas tecnológicas.

Com a aplicação da LGPD, as startups precisam estar atentas a pontos como:

6.1 Consentimento

Para coletar dados pessoais, a startup precisa ter o consentimento do titular destes dados. Este consentimento é direito fundamental e deve ser livre, informado e inequívoco, ou seja, só pode ser dado após a pessoa ter conhecimento de como seus dados serão tratados e quais os fins a que se destinam. O consentimento pode ser dado, por exemplo, em um aceite de termos e condições, caso se trate de uma plataforma digital.

6.2 Transparência

A LGPD prevê que a startup deve garantir aos titulares dos dados informações claras, precisas e acessíveis sobre os dados coletados, de forma transparente. Isso significa que a startup precisa informar de forma clara e simples qual a finalidade da coleta de dados e como serão utilizados.

6.3 Segurança

Para garantir a segurança dos dados coletados, a LGPD prevê que a startup deve adotar medidas técnicas e administrativas para proteção dos dados pessoais, evitando alteração, destruição, divulgação ou acesso não autorizado.

6.4 Vazamento de Dados

Caso ocorra um vazamento de dados, a LGPD determina que a startup deve notificar o titular o mais rápido possível, além de tomar medidas para minimizar os danos causados ao titular dos dados. Sobre o assunto, inclusive, o Poder Judiciário já decidiu por reconhecer justa causa quando o vazamento de dados foi cometido pelo empregado.

Conclusão

A estruturação jurídica adequada para uma startup é fundamental para garantir o sucesso do negócio.

A escolha do tipo societário, a elaboração de contratos e a proteção da propriedade intelectual são alguns dos aspectos a serem observados.

Além disso, a adequação à LGPD desde o início é fundamental, pois o tratamento de dados pessoais é uma atividade essencial para a maioria das startups.

Para uma Startup, estar em conformidade com a as normas legais significa não apenas evitar sanções, como também ganhar a confiança dos usuários e investidores, gerando maior valor para o negócio, pelo que é importante, desde o início, da mesma forma, que a Startup se preocupe com a Governança Corporativa.

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AUTORA

Clarice de Camargo Ibañez. Advogada (OAB/PR sob o nº. 110.008). Mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

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