Responsabilidade Civil nos Contratos de Locação

É possível pleitear a responsabilidade civil em contratos de locação, da administradora perante o locatário? Há o dever de indenizar? E as disposições do Código de Defesa do Consumidor, se aplicam aos contratos de locação?

Abaixo, considerações e reflexões sobre o tema da aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e da responsabilidade civil nos contratos de locação urbana, regulamentados pela Lei nº. 8.245/1991 (“Lei do Inquilinato” ou “Lei de Locações”).

O QUE É CONTRATO DE LOCAÇÃO?

Na dicção de Silvio Venosa, o contrato de locação é[1] “o contrato pelo qual um sujeito se compromete, mediante remuneração, a facultar a outro, por certo tempo, o uso e gozo de uma coisa; a prestação de serviços; ou a executar uma obra”

Em outras palavras, é o negócio jurídico mediante o qual uma das partes se obriga a tornar disponível um determinado bem infungível ao outro contratante, para uso e gozo deste último por certo período de tempo, aceitando em troca uma remuneração, denominada “aluguel”[2].

LOCADOR E LOCATÁRIO

A parte que disponibiliza o bem é chamada de “locadora”, enquanto que àquele que a possui e utiliza pelo tempo acordado, mediante o pagamento da contraprestação devida, denomina-se “locatário”[3].

FIADOR

Especificamente nos contratos de locação de imóvel urbano, para além do locador e do locatário, muitas vezes existe um terceiro sujeito denominado “fiador”, que se obriga em relação aos compromissos assumidos por este em face daquele[4].

NEGÓCIO JURÍDICO

A transmissão do direito de uso e gozo do bem implica em transferência da posse direta do locador ao locatário, por isso, pode-se dizer que a locação é “negócio jurídico contratual de cessão temporária e onerosa da posse direta de bem infungível[5].

CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO DE LOCAÇÃO

Trata-se de modalidade contratual dotada das seguintes características: é onerosa, pois envolve um dispêndio patrimonial por uma das partes; é informal, porquanto não possui forma predeterminada em lei; é consensual, formalizando-se com a manifestação de vontade das partes; de execução continuada, já que as prestações devidas pelo uso da coisa vão sendo pagas periódica e sucessivamente; e, finalmente, é bilateral, em razão de gerar direitos e deveres a ambos os contratantes[6].

OBRIGAÇÕES DO CONTRATO DE LOCAÇÃO NO CÓDIGO CIVIL

Nos contratos de locação em sentido amplo, pela perspectiva dos locadores, existem as seguintes obrigações:

a) entregar ao locatário a coisa alugada, com suas pertenças, em estado de servir ao uso a que se destina, e a mantê-la nesse estado, pelo tempo do contrato, salvo cláusula expressa em contrário (art. 566, I, CC);

b) garantir-lhe, durante o tempo do contrato, o uso pacífico da coisa (art. 566, II, CC);

c) resguardar o locatário dos embaraços e turbações de terceiros, que tenham ou pretendam ter direitos sobre a coisa alugada (art. 568, CC); d) responder pelos vícios da coisa, ou defeitos, anteriores à locação (art. 568, CC);

e) havendo prazo ajustado no contrato, não exigir a coisa do locatário antes do seu término, sob pena de indenizá-lo por perdas e danos. Nesse caso, inclusive, surge para o locatário o direito de reter a coisa enquanto não devidamente indenizado (art. 571, CC)[7].

LEI DE LOCAÇÕES OU LEI DO INQUILINATO

Especificamente quanto às relações jurídicas de locação de imóveis urbanos, no direito brasileiro são reguladas primordialmente pela Lei nº. 8.245/1991, também conhecida como “Lei de Locações” ou “Lei do Inquilinato”.

Nela estão previstas diversas esferas do negócio jurídico em questão, a exemplo: as hipóteses de desfazimento da locação, os deveres e direitos de locadores e locatários (inclusive perante a administradora do imóvel), direito de preferência, modalidades de garantia do contrato e espécies de ações para retomada da posse do imóvel e cobrança de locativos, entre outros.

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E SUA APLICAÇÃO NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO

A relação locatícia intermediada por administradoras de imóveis é complexa e envolve no mínimo três sujeitos – locador, imobiliária e locatário -, de modo que alguns aspectos serão regulados, também, pelo Código Civil e pela legislação consumerista (Lei nº. 8.078/1990), especialmente no que toca às hipóteses de responsabilização civil.

Notadamente, nestas relações as precípuas obrigações do proprietário/locador são de entregar, manter e garantir: “entregar” significa, nos termos contratados, transferir a posse direta do imóvel ao locatário; “manter” se refere ao dispêndio de valores ou esforços necessários à manutenção do imóvel em boas condições de uso; e “garantir” no sentido de possibilitar o uso pacífico do bem pelo locatário, não apenas respeitando sua posse, mas, também, responsabilizando-se a protegê-la contra o esbulho por terceiros.[8]

Nessa seara, cabe explicitar adiante quais são as responsabilidades da administradora diante de ambos os sujeitos desta relação jurídica que se perfaz através do contrato de locação.

RESPONSABILIDADE CIVIL PERANTE O LOCADOR

Especificamente quanto à responsabilidade civil das administradoras de imóveis (destacando-se as Imobiliárias) sob a ótica do locador/proprietário, suas obrigações são de cunho contratual, decorrentes do contrato de administração assinado entre as partes.

No entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1380084/PR, publicado em 15/05/2018, de relatoria do Min. Luis Felipe Salomão, tal contrato se caracteriza como de mandato, vez que uma das partes outorga poderes à outra para administração do bem imóvel, estando regulado pelo art. 653 e seguintes do Código Civil de 2002[9].

O mandatário se obriga a cumprir o objetivo para o qual recebeu poderes de forma íntegra e diligente, tal qual estivesse administrando seu próprio patrimônio, e responderá por culpa em caso de prejuízos advindos de seus atos ou de eventual substabelecido, exceto se expressamente autorizado a substabelecer por força do contrato[10].

Embora haja semelhanças, tal contrato não deve ser confundido com o contrato de comissão: em ambos os casos, praticam-se atos por conta do fornecedor (mandante ou comitente), mas o comissário o faz em nome próprio, enquanto que o mandatário em nome do outorgante[11].

A comissão é considerada uma representação imperfeita, pois o comissário realiza as operações em seu próprio nome. Ele não é gestor de negócios do comitente, nem seu procurador, mas realiza os negócios no seu interesse[12].

Inclusive, por força do artigo 709 do novo Código Civil, aplicam-se subsidiariamente aos contratos de comissão as normas relativas ao mandato. Sobre os contratos de mandato, o artigo 667 do Códex civilista assim dispõe:

 

Art. 667. O mandatário é obrigado a aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, poderes que devia exercer pessoalmente.

Do texto legal, depreende-se que a responsabilidade in casu é subjetiva, pois atrelada à noção de culpa lato sensu. Portanto, apenas em caso de descumprimento contratual eivado de culpa a imobiliária deverá responder ao proprietário do imóvel (outorgante) pelos prejuízos que seus atos – praticados em virtude do contrato – venham a causá-lo.

Vale ressaltar, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento sobre a matéria, considerando aplicável o Código de Defesa do Consumidor ao contrato de administração de imóveis, conforme se depreende do julgamento do REsp 509.304-PR, de relatoria do Min. Villas Bôas Cueva, julgado em 16/05/2013[13].

Nessa sessão de julgamento, restou consignado que “É possível a aplicação do CDC à relação entre proprietário de imóvel e a imobiliária contratada por ele para administrar o bem. Isso porque o proprietário do imóvel é, de fato, destinatário final fático e também econômico do serviço prestado”.

Para chegar a tal conclusão, os Ministros consideraram, inclusive, que na maior parte das vezes tem-se um contrato de adesão[14].

Em Acórdão paradigma sobre a matéria, o Ministro Luis Felipe Salomão do Superior Tribunal de Justiça foi elucidativo ao dispor que a mandatária tem o dever de ser diligente na execução do mandato, cumprindo o contrato e indenizando o outorgante-proprietário nos danos que decorrerem de sua culpa ou dolo:

 

DIREITO CIVIL. RESPONSABILIZAÇÃO DE IMOBILIÁRIA POR PERDAS E DANOS EM DECORRÊNCIA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. A imobiliária deve indenizar o proprietário pelas perdas e danos decorrentes da frustração de execução de alugueres e débitos relativos às cotas condominiais e tributos inadimplidos na hipótese em que a referida frustração tenha sido ocasionada pela aprovação deficitária dos cadastros do locatário e do seu respectivo fiador. Tem-se que, nos termos do art. 653 do CC, essa sociedade figura como mandatária do proprietário do imóvel para, em nome dele, realizar e administrar a locação. Assim, em consideração ao art. 677 do CC, a sociedade imobiliária (mandatária) é obrigada a aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato e a indenizar quaisquer prejuízos sofridos pelo locador na hipótese em que ela não tenha cumprido os deveres oriundos da sua relação contratual[15].
[Grifos acrescidos]

Destarte, conclui-se que a responsabilidade civil da imobiliária perante o locador decorre da própria natureza do contrato firmado com ele, qual seja o instrumento de mandato, e terá que arcar, para além do que disposto no documento, com o que fora regulamentado no artigo 667 e seguintes do Código Civil.

É cediço, ainda, que em casos de descumprimento do contrato, existência de cláusulas abusivas, ou qualquer outro motivo que dê origem a um litígio, será aplicado em favor do proprietário/locador o regramento do Código de Defesa do Consumidor, inclusive quanto à presunção de hipossuficiência e vulnerabilidade.

RESPONSABILIDADE CIVIL EM FACE DO LOCATÁRIO

O artigo 22 da Lei nº. 8.245/1991[16] dispõe sobre os inúmeros deveres do locador nos contratos de locação, dentre elas, em sendo o caso, a de pagar as taxas de administração imobiliária e intermediações, nas quais estão compreendidas as despesas necessárias à averiguação da idoneidade do pretenso locatário ou de seu fiador.

Porém, a lei não expressa quais seriam as responsabilidades da administradora perante o locatário. Diante disso, poderiam surgir questionamentos acerca da aplicabilidade de Código de Defesa do Consumidor a tal relação, que surge por intermédio do contrato de locação.

A própria Lei do Inquilinato, em seu artigo 79, prevê que no que for omissa a lei, aplicar-se-á a normativa do Código Civil e do Código de Processo Civil. Logo, mister analisar o que dispõe tal legislação acerca da administração de imóveis.

O artigo 422 do Código Civil estabelece, no que tange aos contratos em geral, que “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Nessa seara, o artigo 723 do mesmo diploma legal prevê o seguinte:

 

Art. 723. O corretor é obrigado a executar a mediação com diligência e prudência, e a prestar ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento do negócio.

Por analogia, é possível se depreender que tal previsão também se refere às imobiliárias, o que evidencia seu dever de agir de forma prudente durante o cumprimento do mandato que lhe é outorgado, agindo com lisura, boa-fé e prestando as devidas informações.

Por conseguinte, é evidente que quaisquer responsabilidades perante o locatário só podem ser imputadas à imobiliária se esta comprovadamente cometer infrações contratuais ou abusos decorrentes do exercício das atividades de administração do bem imóvel. É o que se extrai do próprio manual de práticas disponibilizado pelo SECOVI/SP (Sindicato de Habitação de São Paulo)[17].

Todas as demais questões que englobam, por exemplo, as condições do imóvel locado, estipulação de valores locatícios, pagamentos, prazos de locação e taxas, são de responsabilidade exclusiva do proprietário do imóvel, por força do artigo 22 da Lei do Inquilinato.

O Colendo Superior Tribunal de Justiça, em julgado de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi a seguir ementado, já consignou que a imobiliária, enquanto mera mandatária, não responde ao locatário por danos relativos à estrutura do imóvel:

 

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO DE IMÓVEL E RESPONSABILIDADE CIVIL. OMISSÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA IMOBILIÁRIA. QUESTÕES INERENTES AO PRÓPRIO CONTRATO LOCATÍCIO. Questões ligadas à cobrança realizada pela recorrida. Diferenciação. Danos morais. Quantificação. Redução do quantum. – Inexiste a alegada omissão com relação ao art. 186 do Código Civil, uma vez que o Tribunal local expressamente afastou a prática de ato ilícito por parte da recorrida; – A imobiliária não possui legitimidade passiva para responder por questões atinentes diretamente à estrutura do imóvel locado, atuando como mera administradora do bem; – No que toca ao modo de cobrança, responde a imobiliária por sua atuação, que culminou por causar danos morais aos recorrentes, conforme reconhecido pela sentença; – Na espécie, a indenização mostra-se exagerada, devendo ser reduzida aos parâmetros comumente fixados pelo STJ. Danos morais fixados em seis mil reais. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido. Ônus sucumbenciais redistribuídos.[18]
[Grifos acrescidos]

No voto, a Ministra ANDRIGHI esclarece que o contrato de locação é sinalagmático, impondo direitos e deveres a ambas as partes, locador e locatário, e que há muito vêm-se contando com a figura da intermediária, – por exemplo uma imobiliária – que atua em questões burocráticas, tais como acordando valores, forma de pagamento, trâmites de vistoria e entrega das chaves do imóvel. Ainda assim, afirma que:

Tal participação, entretanto, não é ampla a ponto de colocar o intermediário no lugar do próprio locador, que é quem responde pelas obrigações e deveres previstos na referida lei. Isso, mesmo que a intermediação contratual se dê apenas e tão-somente com a imobiliária, sem que as partes sequer tenham contato pessoal.

Diante disso, vê-se que a responsabilidade da administradora é restrita, limitada e não se confunde com os múltiplos deveres do proprietário, especialmente quanto às condições do imóvel locado.

CÓDIGO DE DEFESA AO CONSUMIDOR (CDC) É APLICAVEL NA RELAÇÃO LOCATÁRIO-IMOBILIÁRIA?

Outra questão crucial sobre a matéria, diz respeito à aplicabilidade ou inaplicabilidade do Direito do Consumidor na relação administradora-locatário.

Conforme explicitou-se no tópico anterior, é cediça a aplicação da legislação consumerista aos dissídios que envolvam o proprietário (outorgante) e a imobiliária (outorgada), contudo, o mesmo não se pode afirmar quando o litígio envolva o locatário de imóvel urbano.

A jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça já está sedimentada quanto ao entendimento de que prevalece nas relações locatícias a legislação específica (Lei nº. 8.245/91) sobre o Código de Defesa Consumidor. A esse respeito[19]:

 

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO CÍVEL. INAPLICABILIDADE DO CDC A CONTRATOS DE LOCAÇÃO. SHOPPING E EXPOSITOR DE FEIRA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Está cristalizado na jurisprudência desta eg. Corte Superior que o Código de Defesa do Consumidor não pode ser aplicado a relações jurídicas estabelecidas com base em contratos de locação, para as quais há legislação específica, qual seja a Lei 8.245/91. 2. No caso dos autos, foi constatada a relação regida pela Lei 8.245/91, portanto, o Codex consumerista torna-se inaplicável à espécie, o que afasta a responsabilidade solidária do shopping locador pelos danos causados a consumidor. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.
[Grifos acrescidos]

Demonstrando que tal entendimento já é solidificado há muito, têm-se o esclarecimento da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, no voto proferido no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº. 922763, de 19 de dezembro de 2007, no sentido de que, a despeito dos posicionamentos doutrinários em contrário, a Corte pacificou o entendimento pela inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações locatícias, uma vez que existe regramento específico a regular tal relação jurídica, bem como em razão de que a locação possui características inerentes que a diferenciam da relação de consumo, qualificada na legislação consumerista[20]

E é evidente que este seja o entendimento unânime, posto que a Lei do Inquilinato é mais atual e mais específica que o Código de Defesa do Consumidor para tratar das questões em análise, isso sem olvidar do que dispõe o artigo 79 da Lei nº. 8.245/91, acima citado, manifestando expressamente a opção do legislador pela aplicação subsidiária do Código Civil e do Código de Processo Civil aos casos de lacuna da lei, em detrimento da legislação consumerista.

 As consequências disso para a responsabilidade civil das administradoras de imóveis perante o locatário são inúmeras, a exemplo:

  • não se aplica a responsabilidade civil objetiva, prevista no artigo 14 do CDC42, devendo qualquer hipótese de apuração de responsabilidade levar em conta, para além da existência do dano e nexo causal, a verificação da culpa ou dolo;
  • a administradora de imóveis não responde solidariamente com o locador por eventuais danos causados ao locatário, conforme preceitua o artigo 18 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor
  • não se aplicam as normas da legislação consumerista relativamente à proteção contratual e expurgo das cláusulas ditas abusivas, previstas no artigo 46 e seguintes da Lei nº. 8.078/90, especialmente no tocante ao artigo 51, XVI, que versa sobre a nulidade de cláusulas que possibilitem a renúncia ao direito de indenização por benfeitorias necessárias, prática que se configura usual nos contratos de locação. dano e nexo causal, a verificação da culpa ou dolo;

CONCLUSÃO

Diante do exposto, conclui-se que o contrato de locação de imóveis urbanos na contemporaneidade, regulamentado especialmente pela Lei nº. 8.245/1991, é complexo, pois envolve, via de regra, no mínimo três sujeitos: o locador, a imobiliária e o locatário, podendo contar, ainda, com a figura do fiador.

Partindo desse pressuposto, demonstrou-se que a relação que se perfaz entre imobiliária e locador (proprietário) é de mandato ou outorga de poderes, prevista no artigo 653 e seguintes do Código Civil, em que a imobiliária, por força da lei, se responsabiliza a executar o mandato e os poderes a ela concedidos de forma diligente, atuando no melhor interesse do mandatário.

Quanto à hipótese de responsabilização prevista no artigo 667 do Código Civil, vale dizer que a administradora deverá ressarcir o outorgante por prejuízos que decorram do contrato de outorga de poderes, porém, condicionada à demonstração de culpa.

Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça já consolidou entendimento acerca da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à relação em questão, o que pode vir a relativizar a necessidade de comprovação da culpa/dolo em determinadas hipóteses.

No que tange à responsabilidade civil da administradora perante o locatário, o dever de indenizar só deverá surgir se o dano decorrer de alguma atividade precipuamente burocrática, propriamente de administração, como envio de boletos, entrega de chaves, agendamento de vistoria, entre outros.

Isso porque a responsabilidade quanto à conservação do imóvel, suas condições de uso, transferência da propriedade direta do bem, garantia da posse direta pacífica, sem turbações, não é precipuamente da imobiliária, mas sim do proprietário que lhe outorga o mandato.

Por essas e outras razões, atualmente resta consolidado o entendimento jurisprudencial dos tribunais brasileiros, com destaque para o Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que não se aplicam as disposições do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de locação.

Há diversos fundamentos para tanto, dentre os quais se destaca: a relação locatícia não se caracteriza como típica relação de consumo; a locação possui normativa própria (Lei nº. 8.245/1991 – “Lei do Inquilinato”), mais específica e mais recente que o Código de Defesa do Consumidor; o artigo 79 da Lei nº. 8.245/1991 prevê que em casos de lacuna da lei, serão aplicados subsidiariamente o Código Civil e o Código de Processo Civil; os atos praticados pela imobiliária mandatária são feitos em nome do proprietário, e não em nome próprio.

Por consequência dessa inaplicabilidade da legislação consumerista, não se opera a ideia de responsabilidade civil objetiva das administradoras em face dos locatários, sendo imprescindível a apuração do dano, do nexo causal e da culpa lato sensu.

Ressalta-se, ainda, ser incabível uma eventual condenação solidária entre imobiliária e proprietário nos litígios que envolvam o bem objeto da relação locatícia, uma vez que não se aplicará em face da imobiliária o artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor.

Por fim, a inaplicabilidade da legislação consumerista no que tange ao expurgo contratual de cláusulas consideradas abusivas, autoriza que o contrato de locação contenha diretrizes peculiares, a exemplo da previsão de renúncia ao direito de indenização por benfeitorias necessárias, sem que disso decorra qualquer responsabilidade civil para o proprietário ou para a imobiliária.


AUTORES

Antonio Neiva de Macedo Neto. Advogado (OAB/PR sob nº. 55.082) e sócio do Barioni & Macedo Sociedade de Advogados. Pós-graduado em Direito Processual Civil Contemporâneo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).

Gabriela Gusmão Canedo da Silva. Advogada (OAB/PR nº. 75.294). Pós-graduada lato sensu em Direito Contemporâneo Luiz Carlos Centro de Estudos Jurídicos.

 


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[1] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2009. Vol. 3, p. 121.

[2] Em outras palavras, é o negócio jurídico mediante o qual uma das partes se obriga a tornar disponível um determinado bem infungível ao outro contratante, para uso e gozo deste último por certo período de tempo, aceitando em troca uma remuneração, denominada “aluguel”.

[3] QUEIROZ, Mônica. op. cit., 2012, p. 69

[4] COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de direito civil, 3: contratos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 354. (Versão e-book). Disponível em . Acesso em 07 jun. 2018.

[5] Idem, p. 369.

[6] QUEIROZ, Mônica. op. cit, 2012, p. 69.

[7] QUEIROZ, Mônica. op. cit., 2012, p. 69. Acesso em 06 jun. 2018.

[8] COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de direito civil, 3: contratos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 369. (Versão e-book). Disponível em . Acesso em 07 jun. 2018

[9] Disponível em: . Acesso em 23 mai. 2018. 29 DINIZ, Maria Helena (Coord.). Novo Código Civil Comentado: (Lei n. 10.406, de 10-1-2002), p. 358/359. (Versão e-book). Disponível em: . Acesso em 25 mai. 2018. 30 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 105. v. 3.

[10] DINIZ, Maria Helena (Coord.). Novo Código Civil Comentado: (Lei n. 10.406, de 10-1-2002), p. 358/359. (Versão e-book). Disponível em: . Acesso em 25 mai. 2018.

[11] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 105. v. 3.

[12] FACHIN, Luiz Edson. Contrato de comissão: caracterização no estatuto mercantil e a guarida da matéria na codificação introduzida pela Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. In: FACHIN, Luiz Edson. Questões do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 12/13.

[13] Informativo jurisprudencial disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&livre=CONTRATO+ADMINISTRA%C7%C3O+IMOVEL+CDC&operador=e&b=INFJ&thesaurus=JURIDICO>. Acesso em 24 mai.2018

[14] Idem.

[15] Informativo jurisprudencial: REsp 1.103.658-RN, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 4/4/2013. Disponível em . Acesso em 05 jun. 2018

[16] Art. 22. O locador é obrigado a: I – entregar ao locatário o imóvel alugado em estado de servir ao uso a que se destina; II – garantir, durante o tempo da locação, o uso pacífico do imóvel locado; III – manter, durante a locação, a forma e o destino do imóvel; IV – responder pelos vícios ou defeitos anteriores à locação; V – fornecer ao locatário, caso este solicite, descrição minuciosa do estado do imóvel, quando de sua entrega, com expressa referência aos eventuais defeitos existentes; VI – fornecer ao locatário recibo discriminado das importâncias por este pagas, vedada a quitação genérica; VII – pagar as taxas de administração imobiliária, se houver, e de intermediações, nestas compreendidas as despesas necessárias à aferição da idoneidade do pretendente ou de seu fiador; VIII – pagar os impostos e taxas, e ainda o prêmio de seguro complementar contra fogo, que incidam ou venham a incidir sobre o imóvel, salvo disposição expressa em contrário no contrato; IX – exibir ao locatário, quando solicitado, os comprovantes relativos às parcelas que estejam sendo exigidas; X – pagar as despesas extraordinárias de condomínio.

[17] Disponível em , p. 63. Acesso em 29 mai. 2018.

[18] REsp 864.794/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/09/2008, DJe 03/10/2008. Disponível em . Acesso em 04 jun. 2018

[19] AgInt no REsp 1285546/RJ, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 20/03/2018, DJe 27/03/2018. Disponível em . Acesso em 04 jun. 2018.

[20] Disponível em: <https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=3593181>. Acesso em 05 jun. 2018.

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