Responsabilidade Civil: Panorama Geral

A Responsabilidade Civil é frequentemente suscitada nos processos judiciais, principalmente porque se relaciona com a reparação civil e indenização a título de dano material e moral.

Mas você sabe o que é a responsabilidade civil e quais suas finalidades? Compreenda este importante instituto do Direito Civil.

ORIGEM DO TERMO

A etimologia do termo “responsabilidade”, derivada do latim responder e, remete à ideia de garantir algo, no sentido de que as atividades humanas geram consequências de cunho obrigacional.

O QUE É RESPONSABILIDADE CIVIL

Logo, a responsabilidade civil, enquanto dever pessoal de reparar o dano, compõe o direito das obrigações[1].

De forma sintetizada, o instituto da responsabilidade civil é o sistema lógico jurídico mediante o qual se visa constatar a existência de danos e, dessa forma, imputar àquele que agiu contrariamente ao ordenamento jurídico o dever de reparação/indenização – seja por força da lei ou do contrato – da vítima do evento danoso[2].

Em outras palavras: “A ninguém se permite lesar outra pessoa sem a consequente imposição de sanção[3].  Nesse sentido, pode-se afirmar que:

No âmbito civil o dever de reparar assegura que o lesado, enquanto pessoa individualizada, tenha o seu patrimônio – material ou moral – reconstituído ao statu quo ante, mediante a restituiu in integrum[4].
FINALIDADE DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Parafraseando Fábio Ulhoa Coelho, que conceitua a responsabilidade civil pelo viés do direito obrigacional, trata-se de modalidade de obrigação não contratual, pois não deriva de manifestação de vontade das partes, mas sim de ato ilícito ou fato jurídico, em que um dos polos (ativo) pode exigir do outro (passivo) a reparação dos danos sofridos[5].

Para o autor, a precípua função desse instituto é possibilitar a compensação dos prejuízos sofridos pelo sujeito ativo, sejam de caráter patrimonial, hipótese em que a indenização deverá ser proporcional à extensão do dano, seja de viés extrapatrimonial/moral, caso em que a parte credora findará locupletada[6].

Certo, portanto, que a finalidade principal do instituto em questão é a indenização da vítima.

REQUISITOS PARA RESPONSABILIDADE CIVIL SER APLICADA

Para que se tenha sucesso em seu pleito de responsabilizar civilmente alguém (pessoa física ou jurídica), é necessário o cumprimento dos pressupostos legais e processuais da responsabilidade civil, quais sejam: a) provar a autoria do ato ilícito; b) demonstrar o efetivo dano sofrido; e c) relacionar o ato com o dano, ou seja, explicitar o nexo causal entre eles[7].

RESPONSABILIDADE CIVIL: SUBJETIVA X OBJETIVA

 O Código Civil brasileiro de 2002 adota, em linhas gerais, dois modelos de responsabilidade civil, quais sejam a subjetiva e a objetiva.

A regra geral é a subjetiva, ou seja, calcada na ideia de culpa, tendo por requisitos: (i) a existência do dano; (ii) nexo de causalidade entre o dano e a conduta do agente; (iii) aferição de culpa em seu amplo sentido, tanto como dolo (ou intenção) de agir, quanto por imprudência, negligência ou imperícia[8].

A hipótese acima está consignada nos artigos 186 e 927, caput, do Código Civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Por outro lado, a responsabilidade civil objetiva, calcada na teoria do risco, tem aplicação subsidiária no ordenamento jurídico pátrio.

Para caracterizá-la, é suficiente a ocorrência do dano e do nexo causal entre fato e dano, independentemente de culpa lato sensu daquele que o praticou[9].

As principais hipóteses acerca da responsabilização objetiva estão previstas no artigo 933 e artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, que expressam:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente[10], ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.
RESPONSABILIDADE CIVIL: CONTRATUAL X EXTRACONTRATUAL

Para além da classificação em objetiva e subjetiva, pode-se, ainda, categorizar a responsabilidade civil em contratual e extracontratual, quando a obrigação de indenizar advenha de negócio jurídico entre as partes, ou tão somente decorra de uma conduta passível de gerar danos a terceiros, respectivamente.

Acerca da responsabilidade civil contratual, elucida Cavalieri Filho:

Em apertada síntese, responsabilidade civil contratual é o dever de reparar o dano decorrente do descumprimento de uma obrigação prevista no contrato. É a infração a um dever estabelecido pela vontade dos contraentes, por isso decorrente de relação obrigacional preexistente[12].

Nas hipóteses de responsabilidade contratual, portanto, uma das partes descumpre com aquilo que fora anteriormente avençado, incorrendo em inadimplência[13].

 Por outro lado, na responsabilidade civil extracontratual (ou aquiliana), não há vínculo jurídico entre o autor do dano e a vítima, sendo que o direito à indenização surge através da violação de um dever legal geral por aquele, nos termos delineados pelo já transcrito artigo 186 do Código Civil de 2002[14].

RESPONSABILIZAÇÃO DE PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO

A Constituição Federal de 1988, ao versar sobre o tema, consignou no artigo 37, §6º que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado que prestam serviços públicos respondem de forma objetiva por danos que seus agentes venham causar a terceiros, sendo-lhes garantido o direito de regresso em caso de ocorrência de culpa ou dolo[11].

 Em outras palavras, em caso de dano a terceiro, o ente público ou prestadora de serviços públicos responde de forma objetiva, enquanto que ao funcionário é imputada a responsabilidade subjetiva, vinculada a culpa ou dolo.

CRÍTICAS À RESPONSABILIDADE CIVIL

A despeito de toda a conceituação doutrinária e legal sobre o tema, são cabíveis críticas ao modelo de responsabilidade na normativa civilista brasileira, especialmente por seu viés patrimonialista e que pressupõe a existência de dano, aparentando privilegiar as relações mercantilistas em detrimento das relações interpessoais, estas últimas, sim, calcadas nos direitos constitucionalmente garantidos[15].

Por essa razão, suscita FACHIN:

Mesmo assim, sob a utopia da certeza do direito, a responsabilidade civil, tal como Dante, continua à procura de preencher a falta insuprível, e o faz sempre com boas intenções, ainda que superlativando, no direito, o valor jurídico do espanto, da emoção, da aflição. Paradoxalmente, a base da dignidade da pessoa humana, conquista civilizatória fundamental, poderá ser mitigada para operar por meio de uma racionalidade economicista do direito ou mesmo banalizando-se por ausência de uma adequada metodologia de investigação jurídica que seja feita, isso sim, na medida do sujeito concreto, pessoa que é portadora de necessidades reais e efetivas, e não apenas como conjunto de conceitos seqüestrados por uma racionalidade formal e abstrata, descompromissada com o seu espaço e com o seu tempo[16].

Portanto, cabe a reflexão acerca da patrimonialização dos direitos em face dos anseios da civilização contemporânea e da proposta da constitucionalização do Direito Civil brasileiro, em especial no que tange à responsabilização civil.

Acerca do tema, o mencionado doutrinador sugere dez desafios para uma interpretação mais justa da normativa civilista, dentre os quais destacam-se:

  • Entender que doutrina e jurisprudência são fontes do Direito, tanto quanto a letra da lei;
  • Compreender que as codificações (inclusive o Código Civil) são produtos ideológicos e culturais e que necessitam de uma frequente reinterpretação baseada no conjunto de princípios e regras constitucionais, em seus mais amplos espectros;
  • Libertar o país da ideia de codificação oriunda do direito europeu continental, voltando-se ao respeito da diversidade cultural e social brasileira, em detrimento da legislação positivada, que não guarda compromisso com as transmutações sociais[17].
CONCLUSÃO

Diante do exposto, conclui-se que será possível adotar uma visão constitucional do Direito Civil “(…) a partir do pluralismo de fontes, avançando mais nas dúvidas que nas certezas, e pondo em questão a ordem mundial da nova negotia e da lex mercatoria[18].


AUTORES

Antonio Neiva de Macedo Neto. Advogado (OAB/PR sob nº. 55.082) e sócio do Barioni & Macedo Sociedade de Advogados. Pós-graduado em Direito Processual Civil Contemporâneo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).

Gabriela Gusmão Canedo da Silva. Advogada (OAB/PR nº. 75.294). Advogada (OAB/PR nº. 75.294). Pós-graduada lato sensu em Direito Contemporâneo Luiz Carlos Centro de Estudos Jurídicos.


[1] MACEIRA, Irma Pereira. A Responsabilidade Civil no Comércio Eletrônico. São Paulo: RCS Editora, 2007, p. 51.

[2] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Instituições de direito civil: direito das obrigações, vol. II. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 401.

[3] STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 8 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 135

[4] Idem, ibidem.

[5] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, volume II: Obrigações. Responsabilidade civil. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 509 (Versão e-book).

[6] COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de Direito Civil, volume II: Obrigações. Responsabilidade civil. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 546/547 (Versão e-book).

[7] MEZZETTI, Rafaela Braga Ribeiro. FLEXIBILIZAÇÃO DOS PILARES DA RESPONSABILIDADE CIVIL E AS SUAS NOVAS TEORIAS. Disponível em . Acesso em 06 jun. 2018. Artigo científico publicado nos Anais do XXIII Congresso Nacional CONPEDI UFPB. Nov. 2014

[8] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. op. cit., 2015, p. 403.

[9] Idem, Ibidem.

[10] Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia

[11] § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

[12] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 305.

[13] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 4: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 43. (Versão e-book). Disponível em . Acesso em 06 jun. 2018.

[14] Idem, p. 43/44.

[15] FACHIN, Luiz Edson. Responsabilidade civil contemporânea no Brasil: notas para uma aproximação, p. 7 Disponível em: . Acesso em 16 mai. 2018.

[16] FACHIN, Luiz Edson, Idem, p. 8

[17] FACHIN, Luiz Edson. A “Reconstitucionalização” do Direito Civil brasileiro. In: FACHIN, Luiz Edson. Questões do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 12/13.

[18] FACHIN, Luiz Edson, op. cit., 2008, p. 14.

Compartilhar

Outras postagens

embargos de declaração

Embargos de declaração e sua amplitude do efeito interruptivo para pagamento espontâneo ou impugnação

O recurso de  embargos de declaração é uma ferramenta essencial no processo civil brasileiro, destinada a esclarecer pontos omissos, contraditórios ou obscuros de uma decisão judicial.

No entanto, a extensão dos efeitos desse recurso, especialmente quanto ao seu efeito interruptivo, é um tema que suscita debates entre os operadores do direito.

Este artigo explora o papel dos embargos de declaração, com ênfase na sua capacidade de interromper prazos processuais exclusivamente para a interposição de recursos, sem se estender a outros meios de defesa, como a impugnação ao cumprimento de sentença, ou ao cumprimento espontâneo da obrigação de pagamento.

tokenização

Tokenização e o Mercado Imobiliário

Tokenização, uma prática inovadora e em ascensão no campo tecnológico, tem sido cada vez mais reconhecida por suas promessas de revolucionar diversos setores, com destaque especial para o mercado imobiliário. Nesse cenário, o presente artigo se propõe a aprofundar e elucidar os diversos aspectos que envolvem a tokenização. Além de definir e contextualizar o conceito em questão, serão destacadas suas aplicações práticas e os impactos que vem gerando no mercado imobiliário. Ao mesmo tempo, serão minuciosamente examinadas as vantagens e desafios inerentes a essa inovação disruptiva.
Os debates no Brasil tomam destaque a partir de provimento publicado pela corregedoria do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) sobre o registro de tokens representativos de propriedade imobiliária nos cartórios de registro de imóveis daquela região. A controvérsia, abordada no provimento do Tribunal, surgiu quando diversos cartórios no Rio Grande do Sul receberam solicitações para lavrar e registrar (…)

valuation

Liquidação de Quotas Sociais de Sociedades Empresárias: Critérios para a Adequada e Justa Valoração da Empresa (“valuation”).

Este artigo abordará os aspectos jurídicos, práticos e de “valuation” para a liquidação de quotas sociais em sociedades empresárias no Brasil, com base, principalmente, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e nos critérios práticos recomendados para a valoração das empresas.

A liquidação de quotas sociais em sociedades empresárias é um processo complexo que envolve aspectos jurídicos, contábeis, financeiros, operacionais, entre outros critérios técnicos para o devido “valuation”.
Este artigo buscará aprofundar o entendimento sobre o tema, considerando, sobretudo, os parâmetros básicos a partir da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e os métodos específicos de levantamento do valor real de mercado das empresas.

reequilíbrio contratual

Contratos de Apoio à Produção da Caixa Econômica Federal e o Direito ao Reequilíbrio

A legislação, como se percebe, oferece algumas saídas em caso de eventos imprevisíveis que afetem as condições contratuais. Por um lado, é possível a resolução do contrato por onerosidade excessiva, mas se pode pleitear a modificação equitativa das cláusulas contratuais. O mercado imobiliário, após dois anos de severas dificuldades, dá sinais de que pode retomar seu crescimento. Por outro lado, a insegurança jurídica decorrente de situações que se alastram desde a pandemia é um repelente de potenciais clientes e investidores. A legislação brasileira oferece mecanismos suficientes para rever contratos firmados anteriormente e que tenham sido afetados pela alta dos insumos da construção civil. Por isso, a elaboração de uma estratégia jurídica sólida é fundamental para a manutenção dos investimentos e continuidade de empreendimentos.

Enviar mensagem
Precisa de ajuda?
Barioni e Macedo Advogados
Seja bem-vindo(a)!
Como podemos auxiliá-lo(a)?