Compliance é um termo que ganhou força nos últimos anos no mundo dos negócios e se refere ao conjunto de medidas que uma empresa adota para estar em conformidade com a legislação e evitar riscos. Isso é ainda mais crítico no setor imobiliário, que lida com questões legais complexas, especialmente no que diz respeito à incorporação imobiliária. Neste artigo, exploraremos o conceito de Compliance e sua importância nas incorporações imobiliárias.
O que é Compliance?
Compliance é a capacidade de uma empresa seguir suas próprias normas internas e as normas legais, éticas e regulatórias, a fim de evitar riscos financeiros, legais e de reputação. A palavra “Compliance” vem do verbo “to comply”, que significa “estar de acordo com”, de forma que o objetivo do Compliance é proteger a empresa e seus stakeholders, incluindo os acionistas, clientes, funcionários e fornecedores.
Partindo para questões práticas, o Compliance tem a ver com prevenir, detectar e corrigir condutas em desconformidade, trazendo mais segurança ao negócio.
O que é incorporação imobiliária?
Em artigo anteriormente publicado, foi tratado com maior abrangência o instituto das incorporações imobiliárias. Em suma, o art. 28 da Lei 4.591/1964 define incorporações imobiliárias como “a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas”.
Como aplicar o Compliance no ramo das incorporações imobiliárias?
O Compliance pode ser aplicável para qualquer área. No ramo imobiliário, contudo, considerando inclusive os escândalos recentes de corrupção, lavagem de de dinheiro e outros crimes cometidos por grandes construtoras e incorporadoras do país, importante ressaltar alguns aspectos importantes nesse contexto. A situação merece ainda mais atenção quando envolve dinheiro público, como é o caso das licitações.
A incorporação imobiliária é uma atividade que requer cuidados especiais em relação ao Compliance, uma vez que envolve diversas áreas, com várias leis e regulamentos a serem cumpridos. A conformidade é essencial para garantir a transparência e segurança das transações imobiliárias, que envolvem grandes investimentos financeiros e afetam diretamente a vida das pessoas.
Além disso, a aderência às práticas de Compliance demonstra a credibilidade e a responsabilidade da empresa, gerando confiança em seus investidores, clientes e fornecedores.
Em resumo, o Compliance é crucial para o sucesso de qualquer incorporação imobiliária, especialmente em tempos de alta competitividade e grande pressão regulatória.
Compliance no ramo imobiliário
O ramo imobiliário no Brasil é um setor que está sujeito a diversas leis e regulamentações, que variam desde as normas de construção até as obrigações dos incorporadores em relação aos compradores das unidades imobiliárias. Um exemplo importante é a Lei nº 4.591/64, que regulamenta a incorporação imobiliária.
Além disso, o Código de Defesa do Consumidor também se aplica às relações comerciais entre o incorporador e o comprador do imóvel, protegendo os direitos do consumidor na relação comercial.
Outro desafio do Compliance no ramo imobiliário é o cumprimento das obrigações ambientais e o respeito às leis trabalhistas. A atividade de incorporação imobiliária pode gerar impactos significativos no meio ambiente, exigindo a adoção de medidas para minimizá-los. Também é necessário que as empresas se preocupem com a saúde e segurança dos trabalhadores envolvidos na construção do empreendimento, envolvendo a Compliance no Direito Trabalhista.
A Lei Anticorrupção (Lei nº. 12.846/2013), por sua vez, também passou a ser aplicável a empresas do ramo imobiliário, prevendo a responsabilização da pessoa jurídica por atos praticados por seus funcionários ou agentes em benefício dela.
Quais as principais normas a serem seguidas nas incorporações imobiliárias?
Algumas das principais normas que devem ser seguidas nas incorporações imobiliárias estão relacionadas à proteção do consumidor, à gestão ambiental e à proteção contra fraudes e lavagem de dinheiro.
Veja abaixo alguns pontos específicos que necessitam atenção da incorporadora quando do planejamento e execução de um empreendimento imobiliário.
Documentação necessária para incorporação imobiliária
Inicialmente, quando falamos em incorporação imobiliária, um dos principais aspectos necessários para a efetivação do negócio é o atendimento à documentação exigida pelo art. 32 da Lei nº. 4.591/1964.
Um advogado especialista em Direito Imobiliário, nesse contexto, é essencial para assegurar a incorporadora que todas as exigências da Lei de Incorporação Imobiliária estão sendo atendidas.
Incorporador, proprietário e construtor
É responsabilidade do incorporador, e não do proprietário, acerca das incorporações imobiliárias, segundo art. 31 da Lei nº. 4.591/64.
A construtora é a empresa contratada pela incorporadora para a execução da obra, seguindo o projeto aprovado pela Prefeitura do município onde será erigido, as especificações técnicas e o prazo pactuado para a entrega do empreendimento.
Havendo tal distinção, o incorporador pode ser responsável não apenas pela incorporação, mas também pela execução da obra, bem como pode custear diretamente a construção ou financiar a aquisição da unidade autônoma, pelo comprador.
Due diligence imobiliária
Uma das primeiras medidas a serem tomadas pela incorporadora, a fim de que se faça uma boa preparação para a incorporação imobiliária, é a contratação de um escritório de advocacia especializado para a realização de due diligence imobiliária.
Cuidados em face do consumidor
A Lei nº 4.591/64, que regula a incorporação imobiliária, conforme já exposto, prevê várias obrigações do incorporador em relação aos compradores dos imóveis, como a entrega de documentações, a devolução de valores pagos em caso de rescisão do contrato, a responsabilidade pela construção e adequação da obra às normas técnicas e a obrigação de entrega das unidades dentro dos prazos estabelecidos.
Dessa forma, o Código de Defesa do Consumidor garante os direitos dos compradores e estabelece sanções para as empresas que infringirem as normas, de forma que há alguns cuidados que devem ser tomados em face do consumidor no âmbito das Incorporações Imobiliárias, com fulcro na referida Lei nº. 8.078/1990 (CDC).
Atendimento às normas ambientais e urbanas
As incorporações imobiliárias estão sujeitas a diversas normas ambientais, como o Licenciamento Ambiental e o Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), que visam minimizar os impactos ambientais das obras e garantir a sustentabilidade do empreendimento.
Além disso, também deve haver um cuidado no atendimento às normas urbanas, de zoneamento, geralmente determinadas pela legislação municipal pertinente.
SCP ou SPE para incorporação imobiliária
Já tratou-se em artigo anterior sobre a utilização dos institutos da SPE (Sociedade de Propósito Especifico) ou da SPC (Sociedade em Conta de Participação) para incorporações imobiliárias.
Em sendo escolhida alguma das referidas modalidades, o auxílio de um advogado especialista em Direito Empresarial é essencial.
Inclusive, se faltar planejamento para a incorporadora e ocorrer a necessidade de paralisação de obras, é possível a destituição do incorporador, com fulcro no inciso VI do artigo 43 da Lei de Incorporações, sem prejuízo de buscarem a devida reparação por perdas e danos, o que demonstra, mais uma vez, a necessidade do cuidado nessa etapa.
Proteção contra fraudes e lavagem de dinheiro
O combate à fraude e à lavagem de dinheiro é uma parte importante do Compliance nas incorporações imobiliárias. A empresa deve estar atenta a possíveis atividades suspeitas, como transferências bancárias sem justificativa plausível, movimentações financeiras incomuns e transações com empresas offshore.
Além das legislações pertinentes, há também diversas resoluções da COAF, CVM, CNJ, COFECI, CGU, ABNT, Receita Federal e outros órgãos que devem ser observadas por parte da incorporadora imobiliária, em conjunto com uma assessoria jurídica especializada, para a devida adequação.
Identificação e avaliação de riscos
A empresa precisa identificar os riscos (risk assessment) específicos do setor imobiliário, como a possibilidade de atrasos na entrega das unidades, desrespeito às normas trabalhistas ou fraudes contábeis.
A avaliação de riscos é uma parte da gestão de riscos, considerando que a gestão de riscos emsi envolve uma série de atividades integradas, incluindo identificar riscos, analisá-los e tomar medidas para gerenciar os riscos de forma contínua[1].
Para a identificação e gestão de riscos, há metodologias bastante utilizadas no mercado como a ISO 31.000:2009[2] e o padrão de análise Entreprise Risk Management Framework (ERM) definido pelo COSO[3] que auxiliam as empresas, mas que exigem a expertise de bons profissionais que possam utilizar as ferramentas de acordo com seu arcabouço intelectual e prático.
Código de ética e conduta e Regimento Interno
A empresa deve elaborar um código de ética e conduta que guie os comportamentos de seus funcionários e gestores em relação aos negócios da empresa.
Para tanto, é necessário compreender a cultura da empresa e ter ciência das normas vigentes para elaboração de um documento real e assertivo, que combata as desconformidades de modo eficaz.
Canal de denúncias
É importante criar um canal de denúncias, que permita aos funcionários, clientes ou fornecedores informar possíveis violações das regras de Compliance.
O profissional – seja ele cliente ou colaborador – poderá, com o canal de denúncias, reportar de forma anônima o ocorrido, de maneira a não se expor e auxiliar a empresa a identificar os riscos e desconformidades que eventualmente esteja inserida.
Capacitação e treinamento da equipe e colaboradores
Além do apoio da alta administração da incorporadora, todos os funcionários e colaboradores devem estar cientes das normas de Compliance e receber treinamentos para se manter atualizados e conscientes de suas responsabilidades, bem como acerca das regras da corporação.
A capacitação é essencial pois as pessoas são peça fundamental para aplicação adequada do programa de integridade.
Planejamento, monitoramento e auditoria
A empresa deve monitorar e auditar seus processos internos regularmente, a fim de identificar possíveis desvios e corrigi-los o mais rápido possível.
Nesse sentido, o planejamento e o acompanhamento da execução dos trabalhos na incorporação imobiliária é muito importante, devendo a incorporadora, na etapa do planejamento, definir mapa de riscos, diretrizes para especificações, fluxograma de processo do projeto, procedimentos de contratação, checklist de recebimento dos projetos, acompanhamento das atividades, ensaios necessários, entre outros[4].
Aplicabilidade da LGPD
A LGPD (Lei nº. 13.709/2018) é aplicável a todas as empresas, sejam elas de pequeno, médio ou grande porte. Assim sendo, a Lei Geral de Proteção aos Dados também deve ser aplicada pelas Incorporadoras Imobiliárias.
O tema da LGPD foi explicado em artigo anteriormente publicado, mas é necessária a avaliação de advogado especializado para prestar assessoria jurídica adequada que auxilie nas ações da empresa incorporadora nesse âmbito.
Como implementar a Compliance no ramo imobiliário das incorporações imobiliárias
Para implementar as práticas de Compliance no ramo imobiliário, é importante seguir diversos passos que vão desde a implementação de um programa de ética e conduta até a adoção de políticas internas de monitoramento e cumprimento de leis e regulamentações, conforme exposto acima.
Em suma, veja-se algumas principais etapas para implementar o Compliance no ramo das incorporações imobiliárias:
- Avaliação dos riscos específicos do ramo imobiliário, incluindo as normas técnicas e ambientais, as obrigações regulatórias e as normas trabalhistas;
- Desenvolvimento de um programa de ética e conduta que estabeleça as normas e os valores da empresa;
- Treinamento dos funcionários para garantir a compreensão e o cumprimento das práticas de Compliance;
- Criação de um canal de denúncias para permitir que os funcionários denunciem possíveis violações das práticas de Compliance;
- Planejamento, monitoramento e auditoria das atividades empresariais para garantir a conformidade com as leis e regulamentos aplicáveis e prevenção de possíveis fraudes e atos de corrupção.
Para tanto, conforme já mencionado, é essencial ter auxílio de equipe de advogados especializados em Compliance e em Direito Imobiliário, que trará uma amplitude de legislação e prática diferenciadas para auxiliar a incorporadora imobiliária a melhor desenvolver sua atividade empresarial.
Conclusão
Em resumo, a adoção de práticas de Compliance é fundamental para o sucesso e a credibilidade das incorporações imobiliárias. Isso porque existem vários riscos aos quais as organizações do Setor da Construção Civil se expõem quando não adotam uma forma de atuação preventiva ou quando não direcionam uma parcela do orçamento para a conformidade com as leis e pela ausência de normas internas pra reger a atuação dos colaboradores[5].
A empresa que investe em Compliance evidencia sua disposição em atuar de forma ética e responsável, aumenta a confiança dos investidores, clientes e fornecedores, evita possíveis sanções e cria um ambiente de negócios sustentável e seguro, de forma que é um aspecto fundamental para incorporadoras imobiliárias.
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AUTORA
Clarice de Camargo Ibañez. Advogada (OAB/PR sob o nº. 110.008). Mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Referências
[1] STEINBERG, Richard M. Governance, risk management, and compliance: it can’t happen to us – avoid
corporate disaster while driving success. Hoboken, New Jersey, USA: John Wiley & Sons, 2011. P. 13.
[2] Norma elaborada pelo ISO Technical Management Board Working Group on risk management (ISO/TMB/WG).
[3] O Enterprise Risk Management Framework (ERM) criado pelo COSO, é um processo executado pela Diretoria Executiva, gerência, e outras pessoas e aplicado na determinação de estratégias por toda a empresa. ERM também pode ser descrito como uma abordagem baseada no risco para a gestão de uma empresa, integrando conceitos de controle interno, a Lei Sarbanes-Oxley, e planejamento estratégico.
[4] COTTA, A. C. Contribuição ao Estudo dos Impactos da NBR 15575:2013 no Processo de Gestão de Projetos em Empresas Construtoras de Pequeno e Médio Porte. Belo Horizonte, 2017. 196 f. Dissertação (Mestrado em Construção Civil) – Escola de Engenharia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017.
[5] CARMO, I. M. Estruturas de Governança no Setor da Construção Civil: Compliance na Gestão de Projetos. Volta Redonda/RJ. Trabalho de Conclusão de curso. Universidade Federal Fluminense (UFF). Instituto de Ciências Humanas e Sociais. 2021. P. 46