SPE ou SCP para Empreendimentos Imobiliários: Entenda as Modalidades

spc e spe

A SPE (Sociedade de Propósito Especifico) e a SCP (Sociedade em Conta de Participação) são opções societárias muito utilizadas no mercado imobiliário e bastante apreciadas por investidores para realização de empreendimentos imobiliários.

A escolha da melhor modalidade vai depender muito do tamanho da empresa e do investimento a ser feito, devendo ser consideradas as distinções de cada tipo de sociedade, conforme exposto adiante.

SPE (Sociedade de Propósito Específico)

A SPE é um tipo de sociedade personificada (‘Sociedade Empresária’, ‘Sociedade Simples’ e ‘Cooperativas’), ou seja, que possui personalidade jurídica (CNPJ), obtida mediante registro de seus atos constitutivos no órgão competente.

Conceito de SPE

Sociedade de Propósito Específico (SPE) é um modelo de organização empresarial pelo qual se constitui uma nova empresa, limitada ou sociedade anônima, com um objetivo específico. No âmbito imobiliário, a SPE é utilizada para construção de empreendimentos imobiliários, conforme adiante exposto.

Como funciona a SPE

O funcionamento de uma SPE segue as normas e exigências para as sociedades limitadas em geral, como designação do administrador, poderes e obrigações dos sócios, quórum para votações, retirada de sócios, distribuição dos lucros etc. A SPE possui CNPJ e deve seguir regime de tributação adequado.

Finalidade da SPE

Por se tratar de uma modalidade de joint venture (equity ou corporate joint venture), as SPE são utilizadas para grandes projetos de engenharia, com ou sem a participação do Estado, como, na construção de usinas hidrelétricas, redes de transmissão e projetos de Parceria Público-Privada (PPP). Não obstante, a modalidade de SPE pode ser aplicada nos empreendimentos coletivos de pequenos negócios[1].

Previsão legal da SPE

A SPE é prevista no art. 981 do Código Civil, que dispõe:

Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.

A SPE é, portanto, uma estrutura negocial que visa reunir interesses e recursos de duas ou mais pessoas (sócios – pessoas físicas ou jurídicas) com um objetivo específico e determinado, através da constituição da referida sociedade com personalidade jurídica própria e distinta da de seus sócios.

Como se trata de uma empresa com CNPJ, ela deve ser formalizada na Junta Comercial do estado. No contrato social, por sua vez, deve constar seu objetivo, que deve ser claro e determinado, tendo em vista que sua finalidade  é unir os sócios para exercer uma ou mais atividades por tempo definido.

Muito utilizadas por incorporadoras, as SPEs são comumente manejadas por conta de sua independência administrativa, obrigacional e fiscal do empreendimento perante os demais, além da flexibilização na realização de parcerias e/ou investimentos.

Investimento e SPE

A criação de uma empresa com finalidade específica para construção de empreendimento imobiliário faz da SPE atrativa para investimentos. Isso porque, possuindo CNPJ próprio, permite que cada sócio e/ou investidor tenha seus demais negócios desvinculados à SPE, reduzindo riscos e estabelecendo transparência entre os envolvidos.

Diferença entre SPE e Consórcio Contratual

A SPE se diferencia de consórcio contratual. Este último foi instituído pela Lei 6.404/76  (Lei das S/A), conforme se vê no art 278, § 1º do referido códex:

Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo.

§ 1º O consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade.
[Grifos acrescidos]

Em que pese o consórcio também se tratar da união de sociedades para um objetivo específico, assim como nas SPE’s, no consórcio não há a criação de uma personalidade jurídica (CNPJ) para tanto. Isso significa que o consórcio não poderá, por exemplo, adquirir bens em nome próprio, entre outros impedimentos que não ocorrem com a SPE.

Na prática, a SPE:

  • Define a proporção de quotas de cada pessoa/empresa quanto ao negócio;
  • Mantém a própria empresa (responsab. ltda., p.ex.) à frente das operações;
  • Garante a independência da movimentação fiscal e financeira do empreendimento;
  • Permite critérios claros e objetivos de rateio de lucros;
  • Atribui os deveres de cada sócio em relação ao projeto ou empreendimento;
  • Canaliza investimentos especificamente para o projeto em questão;
  • Desvincula das pessoas ou empresas sócias os riscos e passivos dos negócio;

Curiosidades sobre a SPE:

  • Pode ser instituída por empresas optantes do Simples Nacional (Lei 123/2006);
  • Pode ter como sócios pessoas físicas e/ou jurídicas (outras empresas);
  • Sociedade patrimonial, que pode adquirir bens móveis, imóveis e participações;
  • Segue as mesmas regras das sociedades limitadas (“ltda.”): nomeação de administrador, distribuição de lucros, retirada ou entrada de sócio, pagamento de pro labore, etc.;
  • Pode ter prazo determinado ou condicionado ao tempo de duração necessário para a conclusão do negócio ou empreendimento;
  • Com a finalização do projeto ou empreendimento, poderá ser extinta e baixada;

SCP (Sociedade em Conta de Participação)

A SCP é um tipo de sociedade NÃO personificada (‘Sociedade em Comum’ e ‘Sociedade em Conta de Participação’), ou seja, que não possuem personalidade jurídica, por não possuírem registro ou devido a sua própria natureza. O CNPJ da SCP é criado pela Receita Federal apenas para fins de contabilidade, todavia os atos constitutivos da sociedade podem ser registrados no Registro de Títulos e Documentos ao invés da Junta Comercial, com a finalidade de proteger os interesses dos contratantes. Além disso, a SCP não precisa ter sede ou estabelecimento, por ser sociedade oculta, em que pese regular.

No Código Civil, a SCP está prevista nos arts. 991 a 996, in verbis:

Art. 991. Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.

Parágrafo único. Obriga-se perante terceiro tão-somente o sócio ostensivo; e, exclusivamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social.

Art. 992. A constituição da sociedade em conta de participação independe de qualquer formalidade e pode provar-se por todos os meios de direito.

Art. 993. O contrato social produz efeito somente entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade.

Parágrafo único. Sem prejuízo do direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, o sócio participante não pode tomar parte nas relações do sócio ostensivo com terceiros, sob pena de responder solidariamente com este pelas obrigações em que intervier.

Art. 994. A contribuição do sócio participante constitui, com a do sócio ostensivo, patrimônio especial, objeto da conta de participação relativa aos negócios sociais.

§ 1º A especialização patrimonial somente produz efeitos em relação aos sócios.
§2º A falência do sócio ostensivo acarreta a dissolução da sociedade e a liquidação da respectiva conta, cujo saldo constituirá crédito quirografário.
§ 3º Falindo o sócio participante, o contrato social fica sujeito às normas que regulam os efeitos da falência nos contratos bilaterais do falido.

Art. 995. Salvo estipulação em contrário, o sócio ostensivo não pode admitir novo sócio sem o consentimento expresso dos demais.

Art. 996. Aplica-se à sociedade em conta de participação, subsidiariamente e no que com ela for compatível, o disposto para a sociedade simples, e a sua liquidação rege-se pelas normas relativas à prestação de contas, na forma da lei processual.

Parágrafo único. Havendo mais de um sócio ostensivo, as respectivas contas serão prestadas e julgadas no mesmo processo

Em resumo, a SCP é mais utilizada quando os investidores querem aplicar o seu dinheiro, mas sem correr grandes riscos. Isso ocorre porque quando da criação de uma SCP, o investidor é “sócio oculto” (sócio participante), mas não possui responsabilidades formais perante a sociedade.

Ou seja, o sócio participante (sócio oculto) tem a função de fornecer o capital (investimento) para a empresa e fiscalizá-la, obtendo lucro se houver. Todavia, eventuais contribuições civis, tributárias ou trabalhistas não podem alcançá-lo, mantendo sua identidade preservada perante a sociedade. Por isso, esta modalidade é geralmente utilizada em startups ou negócios que estão iniciando e apresentam certo risco.

Quem terá responsabilidade é o sócio ostensivo, que aparece no contrato social da empresa, enquanto o participante não. Ele é o responsável pela sociedade e assume todas as responsabilidades civis, trabalhistas, criminais, tributárias, e as demais que porventura surgirem.

Na prática a SCP:

  • Possibilita o sigilo dos sócios investidores em relação ao negócio (segredo);
  • Mantém o sócio ostensivo (pessoa física ou jurídica) à frente das operações;
  • Formaliza a relação entre sócios participantes (investid.) e o sócio ostensivo;
  • Permite critérios claros e objetivos de rateio de lucros;
  • Atribui os deveres cada sócio, participante (oculto) ou ostensivo (aparente);
  • Canaliza aportes financeiros a projetos específicos de uma empresa;
  • Viabiliza a execução de projetos de interesse comum dos sócios;

Curiosidades sobre a SCP

  • Pode ser utilizada para investidores aportarem capital em empreendimentos imobiliários, sob sigilo;
  • Serve também para investimentos em empresas de softwares ou para desenvolvimento de ferramentas tecnológicas específicas;
  • Para fins tributários se equipara à pessoa jurídica (Decreto-Lei nº 2.303/86): lucros dos sócios são isentos de impostos (IRPF, INSS, etc.);
  • O sócio participante tem o direito de fiscalizar a gestão dos negócios, porém não pode praticar atos em nome da sociedade, tampouco interferir junto a terceiros;
  • Na escrituração contábil da empresa (sócia ostensiva) cria-se um plano de contas separado, como um subgrupo de receitas e despesas, facilitando a apuração e fechamentos financeiros da sociedade (SCP);
  • O ideal é que a sócia ostensiva seja uma empresa de responsabilidade limitada (ltda.), de forma que o patrimônio (ativos e passivos) da pessoa jurídica fique desvinculado dos bens pessoais dos sócios, bem como a responsabilidade dos mesmos fique limitada ao capital social;

Diferença entre SCP e SPE

Para resumir, podemos elencar como diferentes entre SPE e SCP:


Nesse sentido, cabe ao investidor escolher o modelo societário que melhor se adequa para atingir as suas metas.

Resumindo: SPE ou SCP?

Como vimos, a SPE é uma modalidade de organização mais indicada para grandes projetos e empreendimentos, em que a responsabilidade é de todos os sócios.

Por outro lado, a SCP é indicada para os investidores que querem colocar o seu capital em pequenas empresas ou startups com certo risco, conseguindo assim se isentar das responsabilidades administrativas, mas ainda assim lucrar caso o empreendimento dê certo.

Investimentos imobiliários

Tanto a SPE quanto a SCP são formas de investimento bastante difundidas no mercado imobiliário, e com alta possibilidade de lucratividade.

A SPE tem sua formação e estruturação separada da incorporadora, o que protege os investidores de eventuais confusões entre o ativo e o passivo do empreendimento, com o ativo e o passivo da incorporadora, gerando também maior transparência entre as partes. A SPE, portanto, possui a vantagem de captar investimentos com a redução de custos e riscos.

A SCP, por sua vez, possui como principal característica a diferenciação entre as categorias de sócios, sendo enxergado como um dos maiores atrativos da modalidade, para empreendimentos de risco ou para aqueles investidores que não pretendem assumir responsabilidades tributárias, sociais e trabalhistas decorrentes do investimento.

A SCP também pode ser utilizada para ‘permuta’ no âmbito imobiliário, na qual o proprietário de um terreno, por exemplo, investe da SCP por meio da entrega do imóvel e, após, tem uma participação proporcional no VGV, limitando o risco à perda do imóvel.

Vantagens

A criação de SPE e SCP gera mais sustentabilidade, porque favorece consideravelmente os modelos de negócios sustentáveis, com redução de custos de materiais, bem como de operações.

Além disso, geram maior transparência entre partes, decorrente da união dos sócios movidos por um objetivo comum.

Na SPE, pode-se destacar que a criação de patrimônio de afetação do empreendimento (conforme previsto nos artigos 31-A a 31-F da Lei de Incorporações) fica facilitada, podendo a incorporadora se beneficiar com o RET (Regime Especial de Tributação).

Por fim, também é mitigada a dificuldade de certidões negativas para obtenção de financiamento quanto ao registro do memorial de incorporação, por se tratar de sociedade recém-criada.

Em que pese as vantagens destacadas, para opção de alguma destas hipóteses a análise por um advogado especialista em Direito Imobiliário e Direito Empresarial é indispensável.

Ficou com alguma dúvida? Consulte um advogado especialista (clique em ‘fale conosco‘ ou converse conosco via Whatsapp).

Clique aqui e leia mais artigos escritos por nossa equipe.

AUTORES

Antonio Neiva de Macedo Neto. Advogado (OAB/PR sob nº. 55.082) e sócio do Barioni & Macedo Sociedade de Advogados. Pós-graduado em Direito Processual Civil Contemporâneo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).

Clarice de Camargo Ibañez. Advogada (OAB/PR sob o nº. 110.008). Mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Gisele Barioni de Macedo. Advogada (OAB/PR nº. 57.136) e sócia do Barioni & Macedo Sociedade de Advogados. Pós-graduada em Direito e Processo Tributário pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Pós-graduada em Direito Processual Civil Contemporâneo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).

REFERÊNCIAS

[1] Fonte: SEBRAE

Compartilhar

Outras postagens

A Necessidade de Modulação dos Efeitos do Tema 1335 do STF (repercussão geral) relativo à Aplicação da taxa SELIC para Pagamentos de Precatórios pela Fazenda Pública

A modulação dos efeitos do Tema 1335 do STF far-se-á essencial para garantir justiça e segurança jurídica. Ao modular os efeitos da sua decisão, o STF evitará prejuízos aos jurisdicionados que, com base em decisões judiciais definitivas, já haviam assegurado o direito à incidência da SELIC sobre o valor dos seus precatórios (durante o “período de graça”), mesmo porque entendimento contrário a este poderá redundar na inundação de novas ações judiciais (Ações Rescisórias) e em centenas de milhares de (…)

inteligência artificial

O Impacto do Uso Consciente da Inteligência Artificial nas Empresas

A inteligência artificial (IA) tem se tornado uma força transformadora no mundo empresarial, revolucionando a maneira como as empresas operam, tomam decisões e interagem com seus clientes.
Neste artigo vamos destacar as vantagens, desafios e práticas recomendadas com o uso de IA, para garantir que os benefícios sejam plenamente realizados sem comprometer aspectos éticos, sociais e econômicos nas empresas.
O uso consciente da inteligência artificial tem o potencial de transformar profundamente as empresas, proporcionando benefícios significativos (…)

taxa legal

A Lei 14.905/2024 e os Novos Critérios de Atualização Monetária e Juros de Mora

A Lei nº 14.905, sancionada em 28 de junho de 2024 e vigente desde 1º de setembro, trouxe mudanças profundas e amplamente discutidas no regime de correção monetária e na aplicação da taxa de juros no direito brasileiro. Com impacto direto sobre obrigações civis, tanto contratuais quanto extracontratuais, essa lei visa uniformizar as regras para corrigir o valor de dívidas e calcular os juros de mora, especialmente quando as partes envolvidas não estipulam previamente tais condições.
Um dos principais avanços introduzidos pela nova legislação é a utilização do IPCA/IBGE para correção monetária e da Taxa Selic, deduzida do IPCA, como taxa legal de juros.

contingenciamento jurídico

Contingenciamento Jurídico e seu Impacto nas Atividades Empresariais

O contingenciamento jurídico envolve a projeção e o cálculo das despesas advindas de processos judiciais, que constitui como elemento fundamental no planejamento financeiro anual de qualquer empresa.
É possível notar que o contingenciamento e a provisão consistem em mapeamento das principais decisões adotadas ao longo dos passivos que a parte possui.
Neste ponto, é fundamental destacar que, além das determinações judiciais, também são levadas em conta as várias decisões estratégicas feitas pelas partes envolvidas, as quais têm o potencial de impactar de maneira significativa os resultados financeiros.
Dessa forma, é essencial que uma empresa desenvolva um (…)

Enviar mensagem
Precisa de ajuda?
Barioni e Macedo Advogados
Seja bem-vindo(a)!
Como podemos auxiliá-lo(a)?