Destituição do Incorporador por Abandono ou Suspensão na Execução de Obras

Não raras vezes tem-se notícias do abandono ou suspensão de obras realizadas por intermédio de empreendimentos imobiliários executados por incorporadoras.

Segundo a Lei de Incorporações (Lei 4.591/64) uma construção abandonada é aquela sem qualquer intervenção há mais de 30 (trinta) dias ou aquela com o retardamento excessivo de sua execução.

Quais as causas de suspensão/abandono de obra?

As oscilações do mercado imobiliário, notadamente com a crise sanitária do Covid-19 e a consequente flutuação dos preços com inflação acima de patamares razoáveis, deram azo ao aumento exponencial dos distratos em contratos de compra e venda de imóveis na planta.

Nesse sentido, tais ocorrências se deram por insolvência de algumas incorporadoras no meio da execução de uma determinada obra ou, mesmo sem a insolvência, por grande abalo em seu fluxo de caixa, diminuindo o ritmo da obra e desestabilizando o cronograma previsto.

Outro fator que tem culminado no abandono de obra ou em sua excessiva postergação é a má gestão de algumas incorporadoras que, agindo de forma não planejada, assumem compromissos dos quais não conseguem cumprir, prejudicando os adquirentes das unidades imobiliárias de diversos empreendimentos em andamento, os quais ficam à deriva quanto ao recebimento das unidades.

Quer sejam pelas razões acima descritas bem como por quaisquer motivos que venham a acarretar o abandono de uma obra ou o retardamento de sua execução, a inércia do incorporador em movimentar seu aparato técnico e financeiro para concluir um empreendimento faz nascer aos adquirentes das unidades comercializadas a possibilidade da tomada de algumas decisões.

Resolução Contratual

O primeiro caminho e mais usual, ocorre de maneira individualizada por cada adquirente lesado. Nos moldes do parágrafo 1º do artigo 43-A da Lei de Incorporações[1] abre-se a possibilidade de o adquirente dar por extinta a relação com a incorporadora requerendo judicialmente a reparação civil quanto aos danos sofridos bem como o ressarcimento de todos os valores desembolsados a qualquer título. Tal hipótese depende, necessariamente, da ocorrência de atraso infundado na entrega do empreendimento para além do prazo de tolerância de 180 (cento e oitenta).

Destituição da incorporadora e venda do imóvel

O segundo caminho e menos costumeiro que o primeiro é a destituição da incorporadora com a deliberação dos adquirentes para a venda do terreno e do conjunto de direitos e acessões contidos no patrimônio de afetação a fim de viabilizar a restituição dos valores injetados por cada um deles. Nesta possibilidade, conforme enuncia o inciso VII do artigo 43 da Lei de incorporações[2], se faz forçosa a aprovação com quórum específico de 2/3 dos adquirentes do empreendimento.

Tem-se, nesse caso, além da destituição compulsória da incorporadora, a venda do terreno com todos os direitos e acessões integrantes do patrimônio de afetação que ocorrerá por procedimento de leilão ou outra forma previamente estabelecida.

Essa possibilidade é deveras relevante quando não houver condições de os adquirentes desembolsarem recursos financeiros próprios para prosseguir com a construção. Assim, o comprador do empreendimento, que normalmente será uma outra incorporadora poderá assumir a obra no estado em que se encontra ou optar pela demolição daquilo que já foi concluído iniciando um empreendimento totalmente novo.

Como se trata de alienação, os adquirentes originários deixam de ter quaisquer direitos ou obrigações sobre o terreno, vez que farão jus à proporção daquilo que tenham aportado em prol do empreendimento.

Destituição da incorporadora e assunção da obra pelos adquirentes

O terceiro caminho, menos comum do que os dois anteriores, embora tenha sido largamente difundido pelo chamado ‘Caso Encol’[3] e o chamado ‘Caso Criciúma Construções’[4], permeia o campo da destituição do incorporador pelos adquirentes, assumindo estes a obra, para, com recursos próprios, concluí-la.

Trata-se de hipótese de extinção anômala do contrato de incorporação. Diga-se que é meio menos usual pelo fato de que os adquirentes precisam contar com recursos próprios para dar o devido seguimento ao empreendimento.

Nesse caso, conforme previsto no inciso VI do artigo 43[5] da lei supra, exaurido o prazo de 30 (trinta) dias de paralisação da obra ou do retardamento excessivo de sua evolução, os adquirentes, de forma conjunta, sem prejuízo de buscarem a devida reparação por perdas e danos por eles experimentados, terão o direito de intentar a assunção forçada do empreendimento, contratando terceiro que supra a morosidade da incorporadora original, destituindo-a de forma plena dos seus direitos e obrigações.

Nesse tocante, a retomada da construção pelos próprios adquirentes se torna relevante pois, embora estes possam buscar a resolução contratual judicial com o desfazimento do contrato entabulado, retorno ao status quo ante e restituição de valores, o inadimplemento da incorporadora sinaliza possíveis problemas financeiros vivenciados por ela e, desse modo, mesmo havendo uma decisão judicial que condene a incorporadora a restituir valores aos adquirentes, muito provavelmente não seja essa uma solução eficiente, vez que é factível que a incorporadora não consiga arcar com as obrigações que se fizerem constantes em sentença condenatória.

O que é necessário para assunção da obra pelos adquirentes?

Assim, demonstra-se relevante a eleição da via da destituição do incorporador com a assunção da obra pelos adquirentes. Nesse passo, elegido este caminho pelos adquirentes, importante levar em consideração três pontos cruciais:

  1. Averiguar se o empreendimento possui uma comissão de representantes eleita é de suma importância, vez que caberá a referida comissão a convocação de assembleia geral dos adquirentes para deliberação sobre a assunção ou não da obra, sendo ela a responsável, também para a imissão na posse do empreendimento e gestão de documentos;
  1. Realizar uma análise criteriosa na matrícula do imóvel no qual foi registrada a incorporação para averiguar se há indícios de recair sobre o bem algum gravame que impossibilite a continuidade do empreendimento, observando se o patrimônio de afetação se encontra averbado, além de outras análises registrais atinentes à incorporação imobiliária.
  1. Assegurar o envio de notificação prévia à incorporadora[6] quanto à possibilidade de sua destituição, pois requisito necessário para que o procedimento de destituição seja viável.

Após análise desses passos preliminares e sem que haja retomada da incorporadora com seu dever contratual, ocorrerá a formalização da destituição da incorporadora em consonância com o artigo 43, inciso VI e artigo 49 da Lei de incorporações[7].

Como funciona a assunção da obra pelos adquirentes?

A formalização mencionada dar-se-á por intermédio de assembleia e com o voto da maioria absoluta dos adquirentes, oportunidade em que a incorporadora deverá imitir os adquirentes, por meio de sua comissão, na posse do empreendimento, entregar todos os documentos correspondentes à incorporação e viabilizar a realização de auditoria descrita no artigo 31-C da Lei supra[8].

Imissão na posse

Na hipótese de haver alguma negativa por parte da incorporadora para a imissão na posse (ato imprescindível, vez que impossível a assunção à distância), esta será suprida por medida judicial destinada para este fim.

Contratação de terceiro para finalização do empreendimento

Concretizada a imissão na posse, os adquirentes passam a administrar o terreno com todas as suas acessões e poderão contratar terceiro para a finalização do empreendimento. Novamente, nesse passo é primordial uma boa análise de riscos a fim de diminuir a possibilidade de nova paralisação de obra, portanto, recomenda-se a contratação de corpo jurídico especializado para a realização de uma due diligence imobiliária[9].

Adquirente inadimplente

Na conjectura de haver unidades alienadas em que o adquirente se encontra inadimplente, nos termos do artigo 63[10] da referida lei, poderá a comissão suscitar que o promitente comprador inadimplente quite o débito sob pena de a comissão estar autorizada a proceder com o leilão da respectiva unidade.

E em caso de unidades financiadas?

Lado outro, na hipótese de as unidades se encontrarem financiadas, como praxe as instituições financeiras exigem que as incorporadoras contratem seguros para a aprovação do empreendimento, assim, basta que tais seguradoras sejam acionadas para que sejam tomadas as providências cabíveis à contratação de terceiros para finalização da obra.

Hipoteca

Vale lembrar que, ainda que existam garantias tal qual a hipoteca, onerando o empreendimento, ela não prevalecerá sobre um contrato de compra e venda, ao simples rigor da súmula 308 do STJ[11], assim, mesmo existindo algum tipo de restrição no imóvel, os adquirentes podem retomar às obras, ficando estes sub-rogados em direitos e obrigações relativos à incorporação o imóvel.

Fim do contrato de incorporação

É de se observar que a destituição a incorporadora põe fim ao contrato de incorporação, com isso o dia da destituição da incorporadora, com a consequente assunção da obra pelos adquirentes exsurge como o marco final das obrigações constituídas entre as partes, sendo até essa data apurados prejuízos que comporão o montante indenizatório devido.

Conclusão

Conclui-se, em síntese, ser possível a assunção da obra pelos adquirentes, com a consequente destituição da incorporadora, o que se torna muito relevante em um cenário de abandono de obra ou paralisação, abrindo um leque maior de possibilidades aos adquirentes que não os limita ao requerimento de distrato e perdas e danos.

A destituição de incorporadoras insolventes e falidas ou que abandonam suas obras por má gestão pode ser realizada por procedimento previsto em lei, demonstrando ser um importante remédio aos direitos dos adquirentes. Entretanto, repise-se que não se pode olvidar da importância de uma boa assessoria jurídica para que seja possível fazer uso da hipótese legal aqui tratada de modo a acautelar os adquirentes, trazendo segurança jurídica aos atos manejados.

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AUTORA

Gisele Schereder. Advogada (OAB/PR nº. 100.186). Pós-graduada em Direito Constitucional pela AbdConst (Academia Brasileira de Direito Constitucional). Pós-graduada em Processo Civil pela ESA (Escola Superior da Advocacia – OAB Nacional).

REFERÊNCIAS

[1] Art. 43-A.  A entrega do imóvel em até 180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada contratualmente como data prevista para conclusão do empreendimento, desde que expressamente pactuado, de forma clara e destacada, não dará causa à resolução do contrato por parte do adquirente nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador. § 1º Se a entrega do imóvel ultrapassar o prazo estabelecido no caput deste artigo, desde que o adquirente não tenha dado causa ao atraso, poderá ser promovida por este a resolução do contrato, sem prejuízo da devolução da integralidade de todos os valores pagos e da multa estabelecida, em até 60 (sessenta) dias corridos contados da resolução, corrigidos nos termos do § 8º do art. 67-A desta Lei.

[2] Art. 43. Quando o incorporador contratar a entrega da unidade a prazo e preços certos, determinados ou determináveis, mesmo quando pessoa física, ser-lhe-ão impostas as seguintes normas: VII  em caso de insolvência do incorporador que tiver optado pelo regime de afetação e não sendo possível à maioria prosseguir na construção, a assembleia geral poderá, pelo voto de 2/3 (dois terços) dos adquirentes, deliberar pela venda do terreno, das acessões e demais bens e direitos integrantes do patrimônio de afetação, mediante leilão ou outra forma que estabelecer, distribuindo entre si, na proporção dos recursos que comprovadamente tiverem aportado, o resultado líquido da venda, depois de pagas as dívidas do patrimônio de afetação e deduzido e entregue ao proprietário do terreno a quantia que lhe couber, nos termos do art. 40; não se obtendo, na venda, a reposição dos aportes efetivados pelos adquirentes, reajustada na forma da lei e de acordo com os critérios do contrato celebrado com o incorporador, os adquirentes serão credores privilegiados pelos valores da diferença não reembolsada, respondendo subsidiariamente os bens pessoais do incorporador.

[3]Construtora Encol foi uma das maiores construtoras do país da década de 90. Criada em 1961 e considerada uma gigante do mercado imobiliário. A partir de 1994 com várias obras atrasadas e muitas com canteiros de obras vazios iniciou o seu declínio que teve a decretação de sua falência em 1999, deixando o total de 710 obras abandonadas no país.

[4] Criciúma Construções foi uma construtora gigante do sul do país e atraia clientes com a chancela de ser uma marca consolidada. Mesmo com 400 imóveis vendidos por mês, em 2015 decretou recuperação judicial, sendo os responsáveis pela empresa alvos de ações criminais por estelionato, lavagem de dinheiro e venda de imóveis sem o registro de incorporação. Os adquirentes se organizaram em associações e após autorização judicial finalizaram com recursos próprios os empreendimentos.

[5] Art. 43. Quando o incorporador contratar a entrega da unidade a prazo e preços certos, determinados ou determináveis, mesmo quando pessoa física, ser-lhe-ão impostas as seguintes normas: VI. se o incorporador, sem justa causa devidamente comprovada, paralisar as obras por mais de 30 dias, ou retardar-lhes excessivamente o andamento, poderá o Juiz notificá-lo para que no prazo mínimo de 30 dias as reinicie ou torne a dar-lhes o andamento normal. Desatendida a notificação, poderá o incorporador ser destituído pela maioria absoluta dos votos dos adquirentes, sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal que couber, sujeito à cobrança executiva das importâncias comprovadamente devidas, facultando-se aos interessados prosseguir na obra.

[6] Art. 726. Quem tiver interesse em manifestar formalmente sua vontade a outrem sobre assunto juridicamente relevante poderá notificar pessoas participantes da mesma relação jurídica para dar-lhes ciência de seu propósito.

[7] Art. 49. Os contratantes da construção, inclusive no caso do art. 43, para tratar de seus interesses, com relação a ela, poderão reunir-se em assembleia, cujas deliberações, desde que aprovadas por maioria simples dos votos presentes, serão válidas e obrigatórias para todos eles salvo no que afetar ao direito de propriedade previsto na legislação.

[8] Art. 31-C. A Comissão de Representantes e a instituição financiadora da construção poderão nomear, às suas expensas, pessoa física ou jurídica para fiscalizar e acompanhar o patrimônio de afetação.

[9] due diligence imobiliária, que tem relação com o termo “diligência prévia”, nada mais é do que uma espécie de “auditoria” prestada pelo advogado especializado em direito imobiliário, onde será feita uma análise de informações, documentos do imóvel e dos contratantes, visando não somente dar o parecer sobre a situação atual das condições para a negociação como também dos riscos futuros, acaso existente.

[10] Art. 63. É lícito estipular no contrato, sem prejuízo de outras sanções, que a falta de pagamento, por parte do adquirente ou contratante, de 3 prestações do preço da construção, quer estabelecidas inicialmente, quer alteradas ou criadas posteriormente, quando for o caso, depois de prévia notificação com o prazo de 10 dias para purgação da mora, implique na rescisão do contrato, conforme nele se fixar, ou que, na falta de pagamento, pelo débito respondem os direitos à respectiva fração ideal de terreno e à parte construída adicionada, na forma abaixo estabelecida, se outra forma não fixar o contrato.

[11] Súmula 308 STJ. A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.

 

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