Contratos imobiliários são instrumentos celebrados para regular operações imobiliárias, caracterizadas pelo acordo de vontades na consecução de um determinado negócio jurídico que vise adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos.
Tais documentos, de prestação correlata, geram direitos e obrigações para os envolvidos e revestem-se dos princípios basilares do direito civil (artigo 421 e seguintes). Por sua identidade burocrática, cópias de documentos, requerimento de certidões e investigação de eventuais débitos do bem imóvel negociado e de seus representantes legais são necessários para averiguar se a realização da negociação atenderá aos interesses das partes.
Um contrato imobiliário bem redigido, com estruturação clara, linguagem acessível, descrito em cláusulas objetivas, específicas e em termos bem delineados é a melhor maneira de minimizar as chances de litígios e prejuízos financeiros às partes.
Neste artigo trataremos da importância da elaboração de um instrumento contratual adequado considerando que as transações imobiliárias clamam por cautela, pois somente com a previsão do máximo de cenários possíveis a operação imobiliária estará albergada pela segurança jurídica almejada.
Qual a necessidade da elaboração de contratos nos negócios imobiliários?
Desde o primórdio dos tempos os contratos são uma forma de criar segurança jurídica para os indivíduos da sociedade. Nesse sentido, o pacta sunt servanda[1], máxima jurídica amplamente conhecida e empregada para atingir tal feito, embora cunhada pelos canonistas medievais, representa princípio que já vinha sendo corporificado, juntamente com a própria ideia de contrato, desde tempos muito remotos. O direito sem o obrigatório cumprimento, não passaria de uma mera ficção.[2]
Para Maria Helena Diniz[3], o contrato, uma vez concluído livremente, incorpora-se ao ordenamento jurídico, constituindo uma verdadeira norma de direito, autorizando, portanto, o contratante a pedir a intervenção estatal para assegurar a execução da obrigação porventura não cumprida segundo a vontade que a constituiu. Veja-se que o contrato, desde que observados os requisitos legais, torna-se obrigatório para os contratantes, não se desvinculando das partes senão por outro instrumento que revogue ou altere o anterior, eis a importância da elaboração de um contrato bem alinhado, preliminar ou definitivo, que aglutine os parâmetros dados pelas partes às intenções diametralmente opostas dos contratantes.
Bem se sabe que minutas genéricas ou a utilização de modelos não verificados por experts na matéria tratada poderão culminar no fracasso da negociação. Na hipótese de negócios envolvendo bens imóveis, que são bens de valor considerável, é vital o zelo pela qualidade do texto contratual o qual pode extenuar riscos, salvaguardando os envolvidos e afastando incertezas na solução de eventual conflito.
Há relevância na elaboração de contratos preliminares nas negociações imobiliárias?
O Código de processo Civil, nessa senda, prevê (artigos 462 a 466) os contratos preliminares, que são uma espécie de pré-contrato, compromisso ou promessa de contrato que deverão conter requisitos mínimos ao contrato a ser confeccionado em definitivo. O não cumprimento das obrigações dispostas neste documento enseja por parte daquele que se obrigou perdas e danos em relação à parte inocente.
Especialmente nas relações em que o objeto contratual é bem imóvel, a não elaboração de um pré-contrato pode gerar inúmeros prejuízos às partes, pois o dito instrumento se traduz em uma avença através da qual as partes criam em favor de uma ou mais delas a faculdade de exigir o cumprimento de um instrumento apenas projetado e, desta feita, antes mesmo de o contrato definitivo ser elaborado, o contratante precavido já possui direitos resguardados e, portanto, solidez no negócio a ser entabulado.
Fazê-lo sem critério, no entanto, pode levar a pedidos de indenização se o negócio não vier a se concretizar. Infere-se que a carência de um bom contrato imobiliário, mesmo que preliminar, pode ser deveras prejudicial aos envolvidos.
Requisitos essenciais na confecção de um instrumento contratual imobiliário
Devemos destacar, antes de tudo, que para além dos requisitos a serem elencados na sequência, existem princípios jurídicos que orientam a celebração e a execução de contratos imobiliários, de cujos aspectos não se pode menosprezar. Os princípios da boa-fé, probidade e confiança, da autonomia privada, bem como os balizamentos impostos pela legislação de proteção ao consumidor, são exemplos que não devem ser desmerecidos, pois os contratos que não se amoldem aos princípios imbuídos em nosso ordenamento jurídico certamente poderão ser invalidados.
Notadamente aos contratos imobiliários, a função de garantir os direitos e deveres para que as partes sejam beneficiadas deverá seguir uma série de diretrizes com desígnio único de evitar margens para ambiguidades na hora da leitura ou interpretação do documento. Por óbvio que cada caso em concreto possui nuances e particularidades singulares, alguns requisitos, entretanto, são fundamentais a qualquer instrumento de caráter minimamente seguro no âmbito imobiliário, dentre eles pode-se citar:
- a identificação das partes e o objeto tratado (descrição completa e detalhada do imóvel);
- valores e formas de pagamento. A inclusão de juros e possíveis acréscimos, por exemplo, podem evitar discussões futuras;
- cláusula de arras, que diz respeito às garantias caso o valor avençado não seja honrado, bem como cláusulas penais, em que as partes ajustam valores de multa e demais penalidades objetivas e adequadas aos parâmetros legais e jurisprudenciais;
- cláusulas que definam de modo compreensível as hipóteses de distrato e como isso deverá ocorrer;
- cláusulas que versem sobre as condições comerciais propriamente ditas do negócio, visando estabelecer de maneira objetiva todos os termos negociais, sem incompletudes ou informações precárias, genéricas, dúbias, suscetíveis de interpretações e que possam gerar consequências negativas e irreversíveis;
- cláusulas com previsão quanto às condições para a entrega do bem ou outorga da posse, a depender da operação.
O supratranscrito rol, utilizado apenas à título de exemplo, não dispensa a execução de uma due diligence imobiliária, também conhecida como auditoria prévia, procedimento importante para aferir riscos antes mesmo de se iniciar a redação contratual. Nessa análise prévia busca-se a idoneidade do contratante por intermédio de certidões que atestem que o imóvel negociado está livre de ônus. Tal precaução poderá ser crucial para entabular ou não um contrato imobiliário, o que por si só, minimiza, consideravelmente, a necessidade de recorrer ao Poder Judiciário submetendo o contrato à decisão de um juiz.
Principais contratos imobiliários
Lista-se abaixo alguns dos principais contratos imobiliários, frisando que não são os únicos:
- Contrato de compra e venda de bem imóvel: contrato típico que objetiva prever que um dos contratantes deverá transferir a propriedade registral de um imóvel ao outro contratante mediante o pagamento de um determinado preço. Para que a compra e venda esteja juridicamente concretizada a propriedade só será transmitida quando, depois de lavrada uma Escritura de compra e venda em cartório de Notas – documento que também merece esmero em sua elaboração – esta for registrada no respectivo Cartório de Registro de Imóveis. O contrato de compra e venda de imóvel poderá, ainda, conter especificidades adicionais, quando se tratar de imóvel em leilão ou imóvel na planta.
- Contrato de permuta de imóveis: este instrumento, amplamente utilizado na prática imobiliária consiste na troca de um bem com valor equivalente em um imóvel, não exigindo que o pagamento seja feito em dinheiro, podendo haver a permuta com ‘torna’ quando o valor de um imóvel é inferior ao bem permutado. Este tipo de negócio é costumeiramente utilizado por incorporadoras e construtoras, normalmente concretizado entre o proprietário de um terreno e quem pretende neste terreno construir. Em troca da disponibilidade do terreno o proprietário recebe unidades do empreendimento quando concluídas, ou um percentual das vendas das unidades após estas serem vendidas.
Assim como qualquer contrato de compra e venda de imóveis, a elaboração de um documento para esse tipo de negociação é de suma importância para o sucesso da negociação, uma vez que ele traz proteção para ambas as partes e maior segurança jurídica para eventuais problemas.
Ponto importante a destacar é que se não houver previsão de torna, ou seja, os imóveis apresentam o mesmo valor de mercado, não existe aplicação de nenhum valor adicional a título de Imposto de Renda. Além disso, os custos relativos ao contrato de permuta de imóveis são divididos entre os dois lados, ao revés da compra e venda de imóveis tradicionais, cujo a maior parte das despesas são de responsabilidade do comprador.
- Contrato “built to suit”: No português, ‘construído para servir’. Essa operação imobiliária, já anteriormente tratada em nosso blog (colar link) refere-se à locação de imóvel não residencial em que o contratante necessita de um imóvel para exercer sua atividade econômica e o contratado se oferece para reformá-lo ou construí-lo nos exatos moldes previstos pelo contratante, com posterior cessão dos direitos de uso mediante pagamento de contraprestação.
O contratado poderá, neste caso, construir um imóvel de sua propriedade, por si ou por intermédio de uma construtora, para atender os interesses do contratante/locatário. O referido instrumento é complexo pois envolve uma mescla de contratos imobiliários, tais quais, a compra e venda do terreno, a construção, a administração da obra, e a locação do bem.
Este tipo de negócio jurídico é muito utilizado por empresas que tenham como premissa a expansão da sua atuação ou, ainda, a renovação de suas instalações sem impactar capital para a aquisição de imóveis adequados à sua atividade. Dessa forma, tal operação pode figurar em contratos imobiliários empresariais, comerciais e industriais, voltados ao desenvolvimento de diversas unidades produtivas.
- Contrato de Incorporação Imobiliária: Essa modalidade de contrato possui foro de tipicidade na Lei n. 4.591/64, e posteriores alterações e regulamentaçõe Cuida-se de negócio jurídico no qual o incorporador se obriga a construir um edifício, ou contratar quem o faça, sob o regime de condomínio edilício, transferindo a propriedade das unidades autônomas aos pretensos adquirentes. Se qualifica como complexo, por envolver diversos atores para se concretizar.
Embora já tenhamos tratado neste blog sobre o tema, é importante mencionar que que recentemente foi sancionada a Lei nº. 14.382 de 2022 na qual se verifica modificações importantes em leis ordinárias, como por exemplo, na lei de incorporações imobiliárias, em que foram abordados temas tais quais a extinção do patrimônio de afetação, documentos necessários ao memorial de incorporação, regras para a prorrogação do registro de incorporação, obrigações do incorporador, dentre outros, razão pela qual imprescindível extremo cuidado ao elaborar um documento contratual com essa tônica.
- Contrato de Multipropriedade: Instrumento que permite o compartilhamento de imóveis entre diversas pessoas através de relação contratual a qual definirá regras de uso. O que se divide neste modelo de negócio não é a fração ideal de solo como em um condomínio edilício, nem um percentual de participação na propriedade, mas sim o tempo de uso de um determinado bem.
Corroborando com o que já foi mencionado em artigo anterior sobre o tema em 2018 foi promulgada a Lei nº. 13.777, que regulamentou essa modalidade de operação imobiliária, por possuir lei própria, é imprescindível o conhecimento técnico da matéria para embasar a elaboração de um bom contrato e trazer êxito para a parte interessada.
Ponto importante sobre essa operação é que os pretensos adquirentes de uma multipropriedade devem realizar alguns questionamentos antes de decidirem pela compra como, por exemplo: a) se o empreendimento estará livre de ônus ou impedimento; b) se, após a compra, será possível registrar o contrato de compra e venda na matrícula do imóvel perante o Cartório de Registro de Imóveis; b) se terá escritura da compra e venda.
Além disso, deve ser observado o valor do condomínio a ser pago, bem como se a construção está regular na Prefeitura e se existe matrícula daquele imóvel, bem como eventual restrição. Cautelas, como a compra de qualquer bem imóvel, devem ser tomadas pelo comprador.
- Contrato de locação: Um dos contratos mais conhecidos e utilizados, regulado pela Lei 8.245/91. Nesta modalidade, o locador transfere a posse de um imóvel ao locatário por um certo período, mediante pagamento de valores previamente fixados. Embora muitas pessoas acreditem ser um contrato simples, é importante que nesse contrato estejam previstas cláusulas específicas quanto ao valor do aluguel, índice e periodicidade do reajuste, vigência, destinação do bem, garantia apresentada, forma e local de pagamento, além da discriminação dos encargos a serem pagos por cada parte.
Negócio jurídico processual nos contratos imobiliários
Outra perspectiva pouco utilizada na prática para trazer segurança jurídica aos contratos imobiliários, é o negócio jurídico processual (artigo 190, CPC). Um profissional atento na confecção de um documento contratual poderá dispor desta possibilidade em favor de quem se pretende representar.
Essa estratégia pode ser definida como um acordo de vontades entre sujeitos capazes com o objetivo de modificar atos processuais, tais quais, ônus, poderes, faculdades ou deveres, desde que o objeto do contrato verse sobre direitos que admitam autocomposição, isto é, direitos disponíveis.
O negócio jurídico processual tem por objeto o processo e não o conflito em si, desse modo, pode-se redigir um contrato de modo a consignar termos que independem de homologação, mas que criam efeitos jurídicos imediatos, pois a forma de sua celebração é livre, salvo quando a própria lei determinar forma especial e em casos de questões de ordem pública. Importante também utilizá-lo com parcimônia nas hipóteses em que incidir o Código de Defesa do Consumidor, evitando possível arguição de abusividade.
Na prática imobiliária o uso deste mecanismo é de grande valia para as partes, pois através de seu uso, por exemplo, é possível convencionar que um documento não previsto em lei servirá como título executivo extrajudicial encurtando o trâmite processual em caso de lide. Ou, ainda, entabular que em caso de processo judicial de despejo as partes convencionam a desnecessidade de depósito de três locatícios para requerer a desocupação do imóvel de maneira liminar.
A inserção de negócios jurídicos processuais no bojo dos contratos imobiliários, sendo bem elaborados, terão o condão de propiciar celeridade nos julgamentos de processos e com isso minimizar e até mesmo evitar as perdas financeiras que ocorreriam com o cumprimento de todas as etapas processuais previstas para resolução da lide.
Conclusão
Os contratos imobiliários por envolverem transações complexas e com cifras relativamente altas requerem muito cuidado na sua elaboração. Em que pese muitos acreditem se tratar de documentos usuais e descomplicados, como se viu, na maioria dos casos, se trata de instrumentos herméticos nos quais o estudo da previsibilidade de riscos, posteriormente descritos em cláusulas objetivas e específicas, bem como em termos bem delineados, aliados ao profundo conhecimento da matéria tratada é a melhor maneira de atenuar as chances de litígios e prejuízos financeiros às partes.
Sempre importante mencionar que buscar uma assessoria de especialistas na elaboração de contratos e na matéria envolvida também poderá ser uma excelente escolha com o fim de evitar dissídios futuros.
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AUTORA
Gisele Schereder. Advogada (OAB/PR nº. 100.186). Pós-graduada em Direito Constitucional pela AbdConst (Academia Brasileira de Direito Constitucional). Pós-graduada em Processo Civil pela ESA (Escola Superior da Advocacia – OAB Nacional).
Referências
[1] http://www.enciclopedia-juridica.com/pt/d/pacta-sunt-servanda/pacta-sunt-servanda.htm. Acesso em 13/04/2023. (Lê-se: páquita súnt servânda.) Os pactos devem ser observados (cumpridos).
[2] https://www.conjur.com.br/2021-jul-01/olhar-economico-preservacao-contrato-seguranca-juridica-integridade. Acesso em 13/04/2023.
[3] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 3: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 32 ed. São Paulo: Saraiva, 2016. P. 48