A Lei 14.905/2024 e os Novos Critérios de Atualização Monetária e Juros de Mora

taxa legal

A Lei nº 14.905, sancionada em 28 de junho de 2024 e vigente desde 1º de setembro, trouxe mudanças profundas e amplamente discutidas no regime de correção monetária e na aplicação da taxa de juros no direito brasileiro.

Com impacto direto sobre obrigações civis, tanto contratuais quanto extracontratuais, essa lei visa uniformizar as regras para corrigir o valor de dívidas e calcular os juros de mora, especialmente quando as partes envolvidas não estipulam previamente tais condições.

Um dos principais avanços introduzidos pela nova legislação é a utilização do IPCA/IBGE para correção monetária e da Taxa Selic,[1] deduzida do IPCA, como taxa legal de juros.

Além disso, a lei restringe a aplicação do Decreto nº 22.626, de 1933 (“Lei de Usura”) em determinadas situações.

Este artigo visa analisar essas inovações e as suas implicações, contextualizando o impacto da Lei nº 14.905/2024 com base em discussões jurídicas recentes e na jurisprudência atual.

Uma das principais inovações da Lei nº 14.905/2024 foi a determinação de que, na ausência de previsão contratual específica, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo IBGE, deve ser utilizado para corrigir monetariamente as dívidas.

Tal previsão está expressa no art. 389, parágrafo único, do Código Civil, alterado pela nova legislação, conforme demonstrado no quadro a seguir:

Redação Antiga do Código Civil

Redação Após a Lei nº 14.905/2024

Art. 389: Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos e honorários de advogado.

Art. 389: Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros, atualização monetária e honorários de advogado.

Parágrafo único: Na hipótese de o índice de atualização monetária não ter sido convencionado ou não estar previsto em lei específica, será aplicada a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do índice que vier a substituí-lo.

O IPCA, considerado um dos índices mais abrangentes de medição da inflação no Brasil, reflete de forma precisa a variação do custo de vida. Assim, a sua adoção visa dar maior segurança jurídica e previsibilidade às relações obrigacionais, mitigando distorções inflacionárias que, até então, não encontravam regulamentação uniforme.

Até a edição da referida lei, a correção monetária se baseava em uma variedade de índices oficiais, o que gerava incertezas e divergências jurisprudenciais. A escolha do IPCA, calculado pelo IBGE, como índice padrão visa pacificar esses debates e assegurar que o valor real das obrigações financeiras seja mantido ao longo do tempo.

Em resumo, a adoção do IPCA como índice oficial pela Lei nº 14.905/2024 tende a fortalecer a segurança jurídica e uniformizar a correção monetária de forma a refletir a realidade econômica do país, protegendo contra a inflação e pacificando debates jurisprudenciais​.

Outro ponto central da Lei nº 14.905/2024 refere-se à definição da taxa legal de juros (taxa legal).

A alteração no art. 406 do Código Civil estabelece que, na ausência de uma taxa de juros acordada pelas partes, a taxa aplicável será a SELIC, deduzida da variação do IPCA:

Redação Antiga do Código Civil

Redação Após a Lei nº 14.905/2024

Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional

Art. 406. Quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal.

§1º A taxa legal corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 deste Código.

 §2º A metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central do Brasil.

§3º Caso a taxa legal apresente resultado negativo, este será considerado igual a 0 (zero) para efeito de cálculo dos juros no período de referência.

 

A ideia do legislador é que a dedução do IPCA da Selic garanta que os juros cobrados não sofram dupla contagem inflacionária. A introdução deste novo parâmetro visa conciliar dois importantes elementos econômicos: a taxa de juros básica da economia, representada pela Selic, e o índice oficial de inflação, o IPCA.

A Selic, que já era amplamente utilizada como critério para correção de tributos, passa a ter aplicação direta no âmbito das obrigações civis, substituindo a taxa de 1% ao mês prevista anteriormente. Com a adoção da Selic deduzida do IPCA, a legislação uniformiza o critério, buscando evitar-se conflitos e apresentar maior previsibilidade e segurança jurídica.

O § 2º do art. 406 do CC, define que a responsabilidade pela metodologia exata de cálculo e pela aplicação da taxa legal foi delegada ao Conselho Monetário Nacional (CMN). A regulamentação e divulgação dessas normas pelo Banco Central têm o objetivo de assegurar transparência e uniformidade na aplicação das taxas de juros.

Recentemente, o CMN regulamentou a chamada “Taxa Legal” e noticiou que:

“Para cada mês de referência, a Taxa Legal equivalerá à Selic acumulada diariamente (desde o vencimento da parcela), deduzida da inflação pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) do mês anterior. Caso o resultado dê negativo, a Taxa Legal será considerada igual a zero para o mês de referência”.[2]

A introdução da Selic deduzida do IPCA como taxa de juros legal busca promover uma maior harmonia entre os mecanismos de atualização monetária e os encargos aplicados sobre o inadimplemento de obrigações, visando, assim, garantir maior segurança jurídica e coerência com a política monetária nacional.

A aprovação da Lei nº 14.905/2024 também afeta diretamente o debate que vinha ocorrendo no Superior Tribunal de Justiça (STJ) acerca da interpretação do art. 406 do Código Civil.

No julgamento do REsp nº 1.795.982/SP, iniciado em março de 2024, o STJ enfrentou discussões intensas sobre a aplicação da taxa Selic para corrigir dívidas civis[3]. A votação ficou dividida, com seis ministros favoráveis e cinco contrários à tese. No entanto, o julgamento foi interrompido devido a um pedido de vista que questionava a nulidade do processo.

Com a entrada em vigor da nova lei, em tese,  a discussão em torno da aplicação da Selic encontra-se superada, já que a legislação passou a consolidar a sua aplicação como taxa de juros legal.

Portanto, a Lei nº 14.905/2024 encerra um debate histórico no STJ sobre a taxa de juros aplicável nas obrigações civis e proporciona uma solução clara ao determinar a aplicação da Taxa Selic deduzida do IPCA.

Outro ponto relevante da Lei nº 14.905/2024, trata-se da exclusão em relação à aplicação da Lei de Usura (Decreto nº 22.626/1933).

 A Lei de Usura limitava os juros em contratos e obrigações civis a patamares considerados “razoáveis”, porém, sua eficácia foi sendo progressivamente mitigada com o tempo.

A nova legislação agora estabelece que a Lei de Usura não será aplicável a determinadas obrigações, especialmente àquelas onde os contratos prevejam livremente as taxas de juros, desde que não configurem abuso ou onerosidade excessiva para uma das partes, nestes termos:

“Art. 3º  Não se aplica o disposto no Decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933, às obrigações:

I – contratadas entre pessoas jurídicas;

II – representadas por títulos de crédito ou valores mobiliários;

III – contraídas perante:

  1. a) instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil;
  2. b) fundos ou clubes de investimento;
  3. c) sociedades de arrendamento mercantil e empresas simples de crédito;
  4. d) organizações da sociedade civil de interesse público de que trata a Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, que se dedicam à concessão de crédito; ou

IV – realizadas nos mercados financeiro, de capitais ou de valores mobiliários.”

Essa medida promove maior autonomia contratual, permitindo que as partes negociem livremente os encargos financeiros, mas sempre com a observância dos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato.

A Lei nº 14.905/2024 marca um avanço significativo na normatização das correções monetárias e da aplicação de juros em obrigações civis no ordenamento jurídico brasileiro.

Ao introduzir o IPCA como critério de correção e a Selic deduzida da inflação como taxa de juros, a legislação busca trazer maior clareza e uniformidade às relações obrigacionais.

A lei também resolveu uma controvérsia importante que estava em discussão no STJ no REsp nº 1.795.982/SP, pacificando o entendimento sobre a aplicação da Selic nas dívidas civis.

Essas mudanças, especialmente no que se refere à correção monetária, terão impacto direto não apenas nos contratos futuros, mas também nas obrigações extracontratuais, onde critérios de correção monetária eram, até então, vagos ou conflitantes.

A possibilidade de novas orientações judiciais sobre a aplicação da referida lei em contratos vigentes e seus reflexos, exigem um conhecimento técnico da legislação processual e da jurisprudência pertinente, tornando-se indispensável o acompanhamento de uma assessoria jurídica especializada.

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GEOVANNI OLIVEIRA DE SOUZA. Advogado (OAB/PR nº. 59.955). Pós-graduando em Direito Empresarial pelo Centro Universitário UniFaveni; Pós-graduado em Direito Ambiental pela Universidade Federal do Paraná e Graduado em Direito pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil – UniBrasil.

[1] A taxa Selic é a taxa básica de juros da economia, que influencia outras taxas de juros do país, como taxas de empréstimos, financiamentos e aplicações financeiras. A definição da taxa Selic é o principal instrumento de política monetária utilizado pelo Banco Central (BC) para controlar a inflação.

[2] Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2024-08/cmn-regulamenta-juros-para-contratos-sem-taxa-estipulada#:~:text=Para%20cada%20m%C3%AAs%20de%20refer%C3%AAncia,para%20o%20m%C3%AAs%20de%20refer%C3%AAncia. >Acesso em: 20 de set. de 2024

[3] Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2024-mar-06/stj-mantem-selic-para-divida-civil-mas-problema-de-quorum-pode-afetar-resultado/>

 

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