Lei nº. 14.382 de 27 de junho de 2022: Alterações Na Lei de Incorporações Imobiliárias

Acerca do tema de Incorporações Imobiliárias, recentemente foi sancionada a Lei nº. 14.382 de 2022. O objetivo fulcral do nascimento da lei supra tem guarida na modernização dos registros públicos, com a centralização nacional das informações e garantias, bem como a desburocratização de serviços registrais, que se consolidam com a redução de custos e de prazos, facilitando consultas e a tramitação no envio de documentos para registros.

Embora a recém-chegada lei, que teve sua gênese na medida provisória nº. 1085 de 2021, seja norteada pela implantação e operacionalização do chamado Sistema Eletrônico de Registros Públicos (SERP), constatam-se em seu núcleo modificações importantes em leis ordinárias, como por exemplo, a Lei 4.591 de 1964 (Lei de Incorporações Imobiliárias).

E quais são os pontos mais relevantes enfrentados pela novata lei que alterou a lei de incorporações imobiliárias?

Tratam-se de alguns temas principais, que a seguir serão melhor explanados:

Formas de extinção do patrimônio de afetação – Art. 31-E

O primeiro tema, trata do patrimônio de afetação. Entretanto, antes de discorrer sobre as mudanças que envolveram tal temática, faz-se necessário compreender o seu conceito. Em suma, o patrimônio de afetação é a separação de um determinado bem do patrimônio do incorporador visando criar outro destinado apenas ao empreendimento a ser construído.

O intuito desse instituto é proteger adquirentes contra possíveis desvios de recursos para outras obras e, ainda, contra a falência de incorporadoras, realizando-se uma espécie de segregação de determinado bem do incorporador. Assim, quando se fala em afetar um bem imóvel, quer-se proteger este bem afetado contra qualquer relação jurídica manejada pelo incorporador que não tenha ligação com o empreendimento a ser construído e que possa prejudicar os possíveis adquirentes.

Neste passo, foi incluído ao artigo 31-E da lei de incorporações dois parágrafos com o fito de detalhar os momentos de extinção do patrimônio de afetação, desburocratizando sua extinção formal e reduzindo custos, por conseguinte.

O parágrafo segundo, a exemplo, passou a prever que, uma vez cumprida as obrigações do incorporador perante à instituição financiadora do empreendimento e após a averbação da construção, a afetação das unidades será cancelada mediante averbação do respectivo termo de quitação das matrículas das unidades não vendidas ou na matriz.

Desse modo, com a facilitação da averbação da extinção do patrimônio de afetação nas matrículas de unidades autônomas, no mesmo empreendimento, após a conclusão da obra, poderá haver unidades afetadas, com financiamento, e outras desafetadas, já quitadas ou não vendidas.

Documentos do memorial de incorporação, efeitos do seu registro e instituição do condomínio edilício – Art. 32

Sobre este segundo item, no que tange à instituição do condomínio edilício, embora alguns Estados já apliquem categoricamente a distinção entre o ato de instituir condomínio do ato de registrar a incorporação, alguns códigos de normas apresentam dissonância quanto à compreensão do momento em que se dará por constituído o condomínio edilício. Nesse sentido, a lei acaba com tal celeuma com a alteração da alínea “i” do artigo 32.

A mencionada alínea, que na redação anterior era mero item do memorial de incorporação em função da NBR12.721, passa a ser interpretada como um real “instrumento de divisão do terreno em frações ideais autônomas”, ou memorial de instituição do condomínio. Ademais, o parágrafo 1º do mesmo artigo corrobora com tal entendimento vez que dispõe que o registro do memorial, por si só, cria um condomínio especial, e autoriza a incorporadora a transferir para os adquirentes as frações ideias que são de livre negociação, independentemente da anuência dos demais. Pela eloquência da redação, é entendível que o condomínio edilício passa formalmente a existir a partir do registro da incorporação.

Outra alteração significativa, ainda neste mesmo artigo, no caput, versa sobre a vedação à alienação ou onerações de frações ideais sem o prévio registro do memorial de incorporações. Veja-se que no texto anterior o incorporador não poderia nem sequer negociar sobre as unidades autônomas. Deste modo, a nova redação possibilita que o incorporador possa praticar diversos atos preliminares de negociação às futuras unidades do empreendimento, mesmo que anteriores ao próprio registro de incorporação, sendo vedado expressamente tão somente a oneração (entrega da fração em garantia) e alienação (venda).

Para além, com a revogação da alínea “o” do mencionado artigo, se torna inócua a apresentação de atestado de idoneidade financeira da incorporadora para o efetivo registro da incorporação, o que é um ponto deveras relevante pelo excesso de burocracia que havia imbuída nessa exigência, uma vez que outros documentos já previstos na lei se demonstram capazes de atestar a confiabilidade da incorporadora.

Vale ainda pontuar sobre a fixação de prazos para os registradores analisarem e registrarem o memorial de incorporação, o que antes da alteração costumava ser demasiadamente moroso, adiando de forma indiscriminada os lançamentos de empreendimentos, agora se torna mais ágil. De acordo com o parágrafo 6º do artigo 32, os oficiais do registro terão 10 (dez) dias para apresentar por escrito suas exigências e, depois de satisfeitas as irregularidades, terão mais 10 (dez) dias para finalizar o registro. Sem dúvidas a celeridade nos atos será bem maior a partir desta disposição.

Já o parágrafo 15, no mesmo intuito de diminuir a burocracia existente até então, permite que seja possível em um único lançamento na matrícula proceder com o registro da incorporação e instituição do condomínio, reduzindo custos (emolumentos), inclusive, se compatibilizando com a tese de que o condomínio é instituído no mesmo momento do registro.

c)Regras para a prorrogação do registro de incorporação – Art. 33

A alteração do artigo 33 trouxe mais clareza do que a redação anterior no que tange ao momento da concretização da incorporação, pois antes haviam dúvidas interpretativas sobre quando, de fato, a incorporação se concretizaria.

Da leitura do novo texto é uníssono o entendimento de que a concretização da incorporação imobiliária se efetiva com a formalização da venda ou com a oneração de alguma unidade futura, com a contratação de financiamento para a construção ou com o início das obras do empreendimento, acabando, portanto, com antigas celeumas.

Outra inovação se dá pelo prazo de 180 (cento e oitenta dias) a contar do registro do empreendimento para que os documentos do memorial que estejam vencidos (geralmente certidões tributárias e documentos que se relacionam aos direitos, ônus, restrições) precisem ser renovados. Noutro giro, no que tange à validade do próprio registro de incorporações, agora tem-se que uma vez lançado na matrícula, será validado sem limitação temporal, devendo apenas que os documentos estejam atualizados, conforme acima exposto, tornando inútil revalidar todo o registro, conforme antes era necessário.

d) Obrigações do incorporador perante a comissão de representantes, hipóteses de sua destituição e prazos para eleição da comissão de representantes. (art. 43 e 50)

A comissão de representantes é um dos aspectos de maior relevância em uma incorporação. É formada por um grupo de adquirentes eleitos para representar os demais e acompanhar todos os procedimentos durante a obra, assumindo crucial papel, notadamente, na fiscalização do emprego dos recursos usados pelo incorporador, bem como pela atribuição de aspectos com viés administrativo/gerencial e em casos de falência ou insolvência do incorporador.

Por decorrência da pertinência e necessidade da formação da comissão de representantes, veio a calhar a nova redação do artigo 50 da lei de incorporações, pois seu texto estimula o cumprimento da obrigação de constituição de comissão de representantes, pois embora não disponha sobre penalidades para o não cumprimento, fixa um prazo para seu cumprimento.

Com a redação anterior, desprovida de prazo, via-se que muitos empreendimentos, acabavam sendo concluídos na íntegra sem que sequer a comissão houvesse disso formada, e consequentemente aumentando a possibilidade de prejuízos aos adquirentes. Assim, o prazo disposto pela lei com o novo texto é que a comissão seja constituída em até 6 (seis) meses, contados da data do registro do memorial de incorporação, sendo composta por, no mínimo, 3 (três) membros escolhidos entre os adquirentes para representá-los perante o construtor/incorporador.

e) Obrigação de averbar o habite-se – Art. 44

O habite-se é um documento que atesta as condições de habitabilidade do imóvel. Trata-se, portanto, de um certificado expedido pelo ente Municipal com a constatação de que a obra seguiu as normas de construção, legislação e que o imóvel pode ser utilizado para os fins a que se destina. Pertinente a redação do artigo 44, pois sendo o condomínio instituído com o registro do memorial de incorporação, não faz sentido manter a averbação do habite-se como critério para individualização e discriminação das unidades, visto que no registro, antes da conclusão das obras, as unidades já estarão individualizadas (fração ideal) e discriminadas.

Conclusão

Com o fito em integrar e digitalizar o acervo e serviços cartorários do Brasil (registro civil de pessoas naturais, registro civil das pessoas jurídicas, registros de títulos e documentos e registro de imóveis), vê-se com bons olhos o avanço proposto pela novata lei. A descomplicação dos procedimentos, modernização e a redução dos mecanismos tradicionais, com a pretensa garantia nacional à utilização do sistema eletrônico, é sobremaneira um avanço para a sociedade, bem como para o próprio Estado.

Paralelamente para o ambiente normativo das operações imobiliárias, pelo forte impulsionamento ao registro eletrônico, com a redução de prazos e custos, bem como pelas alterações substanciais na lei de incorporações, especialmente no que concerne ao patrimônio de afetação, ao registro da incorporação e a instituição do condomínio, nota-se mais clareza, celeridade e transparência para todos os atores deste nicho de mercado.

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AUTORES

Gisele Schereder. Advogada (OAB/PR nº. 100.186). Pós-graduada em Direito Constitucional pela AbdConst (Academia Brasileira de Direito Constitucional). Pós-graduada em Processo Civil pela ESA (Escola Superior da Advocacia – OAB Nacional).

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