Sociedade em Conta de Participação (SCP): Estrutura jurídica, vantagens e riscos.

A Sociedade em Conta de Participação (SCP) é uma forma societária prevista no ordenamento jurídico brasileiro que se destaca por sua natureza sigilosa e flexível. Regulada pelos artigos 991 a 996 do Código Civil, essa estrutura permite a associação entre dois ou mais indivíduos para a realização de negócios sem a constituição de uma pessoa jurídica distinta.

Neste artigo, será abordada a estrutura jurídica, as vantagens e os riscos associados à SCP, com base nos aspectos legais e práticos que regem essa modalidade societária.

 

 

Estrutura jurídica da SCP

A SCP se caracteriza pela existência de dois tipos de sócios:

  1. Sócio Ostensivo: É aquele que administra os negócios da sociedade, assumindo a responsabilidade pelos atos praticados em nome da SCP. Em termos legais, é o único que responde perante terceiros.
  2. Sócio Participante: Também conhecido como “sócio oculto”, não participa diretamente da gestão da sociedade e sua responsabilidade está limitada às contribuições realizadas ao negócio.

 

Para melhor visualizar o que foi explicado, será pertinente apresentar um exemplo que demonstre como a sociedade em estudo funciona na prática. Assim, imagine-se uma situação em que duas pessoas formam uma Sociedade em Conta de Participação para a abertura de uma distribuidora de bebidas, figurando uma como sócia ostensiva e a outra como participante investidora.

A sócia ostensiva será encarregada do exercício da atividade objeto da sociedade, atuando na aquisição de bebidas, contratação de vendedores, fechamento de contratos, emissão de Nota Fiscal, em seu nome individual. Enquanto isto, a sócia oculta poderia ser incumbida de fornecer o suporte financeiro para a conservação do estabelecimento, sem interferir nas atividades externas, compartilhando os ônus e bônus financeiros resultantes das vendas.

Essa dinâmica opera apenas em relação aos sócios, ou seja, é restrita aos integrantes da sociedade. O artigo 993 do Código Civil estabelece que o contrato da Sociedade em Conta de Participação tem eficácia restrita aos sócios, não podendo ser invocado contra terceiros nem gerar benefícios a eles.

A Sociedade em Conta de Participação é frequentemente chamada de sociedade oculta ou secreta pela doutrina, pois sua existência não precisa ser registrada oficialmente. No entanto, isso não significa que ela deva operar de forma clandestina para ser válida. Mesmo que sua existência seja conhecida publicamente, essa sociedade se caracteriza pelo fato de que apenas o sócio ostensivo responde perante terceiros, assumindo compromissos em seu próprio nome, sem revelar a participação dos demais sócios.

A SCP não possui personalidade jurídica própria, o que significa que não pode figurar como parte em contratos ou em litígios judiciais. Toda a relação jurídica externa é estabelecida pelo sócio ostensivo, que responde pelas obrigações assumidas em nome da sociedade.

Uma das particularidades dessa modalidade societária é que sua constituição não exige formalidades específicas, conforme estabelece o artigo 992 do Código Civil. Isso significa que ela pode ser formada tanto por um acordo verbal quanto por um contrato escrito e, em alguns casos, até mesmo de maneira tácita, sem que os envolvidos percebam que estruturaram uma sociedade.

Embora não seja obrigatório, nada impede que as partes formalizem um contrato. Caso isso ocorra, o documento não pode ser registrado na Junta Comercial, mas pode ser arquivado em outros órgãos, como o Registro de Títulos e Documentos.

A Sociedade em Conta de Participação não possui patrimônio próprio. Em vez disso, conforme o artigo 994 do Código Civil, conta com um patrimônio especial formado pelas contribuições dos sócios, destinado exclusivamente à realização dos negócios da sociedade. A administração desse patrimônio cabe ao sócio ostensivo, que deve utilizá-lo de acordo com o que foi pactuado entre as partes.

Esse patrimônio especial não pode ser utilizado por terceiros, pois sua finalidade não pode ser desviada. O parágrafo 1º do artigo 994 do Código Civil deixa claro que a especialização patrimonial gera efeitos apenas entre os sócios, não podendo ser oposta a estranhos à relação societária.

Além disso, a SCP é frequentemente utilizada em setores como construção civil, investimentos financeiros e empreendimentos imobiliários, onde a flexibilidade na estruturação e o sigilo societário são desejáveis.

 

 

Vantagens da SCP

A SCP apresenta diversas vantagens que a tornam atrativa para determinados tipos de negócios, especialmente aqueles que exigem sigilo na composição societária ou flexibilidade na estruturação das operações. Algumas das principais vantagens incluem:

  1. Confidencialidade: Como o sócio participante não aparece publicamente nos registros empresariais, a SCP é ideal para investidores que desejam manter a discrição sobre sua participação em determinado negócio.
  2. Simplicidade na constituição e gestão: A ausência de exigência de registro na Junta Comercial e a dispensa de publicações obrigatórias reduzem a burocracia e os custos operacionais.
  3. Flexibilidade na estrutura societária: As partes podem definir livremente os termos da sociedade no contrato, permitindo ajustes conforme a evolução do negócio.
  4. Tributação simplificada: No regime tradicional, o sócio ostensivo é integralmente responsável pelas tributações incidentes. Todavia, com a reforma tributária, a Lei Complementar nº 214/2025 passa a instituir a possibilidade de optar pelo novo regime regular, no qual ela própria será responsável pelo recolhimento dos tributos sobre consumo.
  5. Redução de riscos para o sócio participante: O sócio participante não assume obrigações perante terceiros, o que limita sua responsabilidade aos aportes financeiros realizados na SCP.

 

 

Riscos e desafios da SCP

Apesar das vantagens, a SCP também apresenta riscos que devem ser considerados antes da sua constituição. O sócio ostensivo assume toda a responsabilidade perante terceiros, o que pode gerar um grande risco pessoal. Se a sociedade enfrentar dificuldades financeiras ou jurídicas, ele pode ser responsabilizado integralmente, inclusive com seus bens particulares.

Outro ponto de atenção é a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica do sócio ostensivo. Em determinadas circunstâncias, a Justiça pode reconhecer a relação entre os sócios participantes e a sociedade, especialmente quando o este passa a exercer atividades de sócio ostensivo, atribuindo responsabilidades que, a princípio, caberiam apenas ao sócio ostensivo. Isso pode ocorrer especialmente em casos de fraudes, abuso de direito ou má gestão, onde os sócios ocultos podem ser chamados a responder por eventuais dívidas e obrigações da SCP.

A relação entre os sócios também pode gerar desafios, uma vez que a ausência de publicidade do contrato e a falta de mecanismos formais para resolver disputas podem resultar em conflitos internos. Divergências na distribuição de lucros, no papel de cada sócio e na gestão dos negócios podem levar a disputas judiciais prolongadas e onerosas. A falta de regras claras sobre governança pode tornar difícil a solução de desacordos, especialmente se não houver um contrato detalhado prevendo tais situações.

Outro desafio relevante diz respeito à dificuldade de comprovação dos direitos do sócio participante. Como a SCP não exige registro público, o sócio participante pode ter problemas para demonstrar sua participação na sociedade, especialmente em caso de litígio ou desavenças com o sócio ostensivo. Isso reforça a importância de um contrato bem elaborado, que contemple todas as disposições necessárias para garantir a segurança jurídica da relação entre os sócios.

Por fim, questões tributárias e de fiscalização também representam um risco significativo. A Receita Federal tem fiscalizado a utilização da SCP para evitar fraudes tributárias, especialmente quando essa estrutura é utilizada para ocultação de patrimônio ou evasão fiscal. Para evitar problemas com o fisco, é essencial que a SCP mantenha uma contabilidade rigorosa e esteja em conformidade com todas as obrigações tributárias exigidas.

 

 

Conclusão

A Sociedade em Conta de Participação é uma alternativa viável para empreendedores e investidores que buscam sigilo, flexibilidade e simplicidade na estruturação de seus negócios. No entanto, sua utilização exige um planejamento cuidadoso, considerando tanto os benefícios quanto os riscos envolvidos.

Para mitigar os riscos, é recomendável a elaboração de um contrato bem estruturado, prevendo todas as condições de participação, direitos e deveres dos sócios. Ademais, contar com assessoria jurídica especializada pode ser determinante para garantir a segurança das operações realizadas sob essa modalidade societária.

Por fim, a SCP continua sendo uma ferramenta estratégica no ambiente empresarial brasileiro, devendo ser utilizada com responsabilidade e alinhada às melhores práticas jurídicas e tributárias.

Portanto, a consultoria preventiva é essencial para a realização de toda a estruturação e abertura da SPC, por isso, consulte um(a) advogado(a) especializado(a) para entender o seu caso e lhe propor as melhores e mais seguras soluções jurídicas para este tema.

 

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Autor

Carlos Eduardo Melo Bonilha. Advogado (OAB/PR nº. 115.107). Bacharel em direito pela Universidade Federal do Paraná. Pós-graduando em Direito e Processual Civil Contemporâneo (ESA/OAB SP). Pós-graduando em Gestão e Business Law (Fundação Getúlio Vargas).  Membro da Comissão de Direito Processual Civil da Ordem dos Advogados do Brasil subseção Paraná.

 

 

Referências

  • BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: [01/04/2025].
  • COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
  • MACHADO, Hugo de Brito. Aspectos tributários das sociedades em conta de participação. Revista de Direito Tributário, São Paulo, v. 85, p. 45-60, 2020.
  • MAMEDE, Gladston. Direito societário: sociedades simples e empresárias. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2018.
  • RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial.10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
  • SCHMIDT, André Luiz. A Sociedade em Conta de Participação no Direito Brasileiro. Revista de Direito Empresarial, Belo Horizonte, v. 14, n. 2, p. 89-110, 2019.

 

 

 

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