Para pleitear revisional de aluguel, ou seja, revisão do valor estipulado no contrato de aluguel, é necessário que o caso concreto esteja inserido nos requisitos para Ação Revisional de Aluguel, conforme demonstrado a seguir.
PREVISÃO LEGAL
O art. 17 da Lei nº. 8.245/1991 (Lei de Locações) dispõe que “é livre a convenção do aluguel”. Todavia, é possível ajuizar a Ação Revisional de Aluguel, prevista nos arts. 68 a 70 do referido diploma legal, conforme se vê abaixo:
Art. 68. Na ação revisional de aluguel, que terá o rito sumário, observar-se-á o seguinte: (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009)
I – além dos requisitos exigidos pelos arts. 276 e 282 do Código de Processo Civil, a petição inicial deverá indicar o valor do aluguel cuja fixação é pretendida;
II – ao designar a audiência de conciliação, o juiz, se houver pedido e com base nos elementos fornecidos tanto pelo locador como pelo locatário, ou nos que indicar, fixará aluguel provisório, que será devido desde a citação, nos seguintes moldes: (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009)
a) em ação proposta pelo locador, o aluguel provisório não poderá ser excedente a 80% (oitenta por cento) do pedido; (Incluída pela Lei nº 12.112, de 2009)
b) em ação proposta pelo locatário, o aluguel provisório não poderá ser inferior a 80% (oitenta por cento) do aluguel vigente; (Incluída pela Lei nº 12.112, de 2009)
III – sem prejuízo da contestação e até a audiência, o réu poderá pedir seja revisto o aluguel provisório, fornecendo os elementos para tanto;
IV – na audiência de conciliação, apresentada a contestação, que deverá conter contraproposta se houver discordância quanto ao valor pretendido, o juiz tentará a conciliação e, não sendo esta possível, determinará a realização de perícia, se necessária, designando, desde logo, audiência de instrução e julgamento; (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009)
V – o pedido de revisão previsto no inciso III deste artigo interrompe o prazo para interposição de recurso contra a decisão que fixar o aluguel provisório. (Incluído pela Lei nº 12.112, de 2009)
§ 1º Não caberá ação revisional na pendência de prazo para desocupação do imóvel (arts. 46, parágrafo 2° e 57), ou quando tenha sido este estipulado amigável ou judicialmente.
§ 2º No curso da ação de revisão, o aluguel provisório será reajustado na periodicidade pactuada ou na fixada em lei.
Art. 69. O aluguel fixado na sentença retroage à citação, e as diferenças devidas durante a ação de revisão, descontados os alugueres provisórios satisfeitos, serão pagas corrigidas, exigíveis a partir do trânsito em julgado da decisão que fixar o novo aluguel.
§ 1º Se pedido pelo locador, ou sublocador, a sentença poderá estabelecer periodicidade de reajustamento do aluguel diversa daquela prevista no contrato revisando, bem como adotar outro indexador para reajustamento do aluguel.
§ 2º A execução das diferenças será feita nos autos da ação de revisão.
Art. 70. Na ação de revisão do aluguel, o juiz poderá homologar acordo de desocupação, que será executado mediante expedição de mandado de despejo.
Assim sendo, caso não seja possível fixar, de comum acordo, novo valor para aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de reajuste (art. 18 da Lei nº. 8.245/1991), após três anos de vigência do contrato, é possível pedir a revisão judicial do aluguel, conforme art. 19 do referido diploma legal.
REQUISITOS PARA REVISIONAL DE ALUGUEL
Para ajuizamento de Ação Revisional de Aluguel, é necessário que: a) primeiramente, os valores do contrato de aluguel estipulado estejam distantes da realidade de mercado (art. 18 da Lei de Locações); e b) que o contrato de locação esteja vigente há mais de 3 anos (art. 19 da Lei de Locações).
O autor da ação deverá, ao ajuizá-la, indicar o valor do aluguel pretendido. Todavia, segundo as alíneas ‘a’ e ‘b’ do inciso II do art. 68 da Lei de Locações (Lei nº. 8.245/91), em ação proposta pelo locador, o aluguel provisório não poderá ser excedente a 80% (oitenta por cento) do pedido; e em ação proposta pelo locatário, o aluguel provisório não poderá ser inferior a 80% (oitenta por cento) do aluguel vigente.
REVISIONAL DE ALUGUEL E A PANDEMIA DA COVID-19
A maioria dos contratos de locação possui como índice de atualização monetária o IGP-M e no ano de 2020 e 2021 ocorreu uma elevação expressiva de tal índice, conforme já tratamos no artigo sobre “IGP-M e Locação: onerosidade excessiva superveniente”.
Assim sendo, caso a revisão do aluguel se dê por conta do índice de correção, no caso, o IGP-M, é possível acrescentar na fundamentação do pedido a teoria da onerosidade excessiva superveniente, com base nos arts. 478 a 480, do Código Civil.
Da mesma forma, pode ser utilizado o art. 317, CC na fundamentação, que dispõe a possibilidade de o Judiciário corrigir valores de modo a assegurar o valor real da prestação quando “por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução”.
Nesse sentido, veja-se o julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL (CPC/73). AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE LOCAÇÃO. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. POSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO CONTRATUAL. ONEROSIDADE EXCESSIVA. REVISÃO CONTRATUAL. CABIMENTO. 1. O relator está autorizado a decidir monocraticamente recurso especial, pois eventual nulidade da decisão singular fica superada com a apreciação do tema pelo órgão colegiado em agravo regimental. 2. “Os comandos dos arts. 18 e 19 da Lei n.º 8.245/1991 autorizam que tanto o locador quanto o locatário, passados 3 (três) anos da vigência do contrato de locação ou de acordo por eles anteriormente celebrado a respeito do valor do aluguel, promovam ação objetivando a revisão judicial da referida verba, com o propósito de ajustá-la ao preço de mercado, servindo, assim, como instrumento jurídico para a manutenção do equilíbrio contratual e o afastamento de eventual situação de enriquecimento sem causa dos contratantes.” (REsp 1566231/PE, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/03/2016, DJe 07/03/2016). 3. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento firme no sentido de que a intervenção do Poder Judiciário nos contratos, à luz da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, exige a demonstração de mudanças supervenientes nas circunstâncias iniciais vigentes à época da realização do negócio, oriundas de evento imprevisível (teoria da imprevisão) ou de evento imprevisível e extraordinário (teoria da onerosidade excessiva). 4. Não apresentação pela parte agravante de argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada. 5. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
(Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp 1543466/SC. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL 2015/0172555-2. Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Órgão Julgador: Terceira Turma. Data de publicação: DJe 03/08/2017)
A questão da onerosidade excessiva do IGP-M ainda não é assente entre os tribunais. O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por exemplo, possui julgados que acolhem tal tese, diante da expressiva diferença entre IPCA e IGP-M e outros que não, respectivamente:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REVISIONAL DE ALUGUEL PELO LOCATÁRIO. FIXAÇÃO PROVISÓRIA DE ALUGUEL EM FORMA DIVERSA DO CONTRATADO. TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS PREENCHIDOS. PROBABILIDADE DO DIREITO PRESENTE. RENOVAÇÃO DO CONTRATO PELO IGP-M. DESCOLAMENTO ABRUPTO E IMPREVISÍVEL COM O IPCA. MOMENTO HISTÓRICO PARTICULAR. DESCOMPASSO DECORRENTE DA PANDEMIA E REFLEXOS DELA NO CÂMBIO. CRITÉRIO DE REAJUSTE COM AUMENTO IMPREVISÍVEL. NECESSÁRIA REPARTIÇÃO DOS RISCOS. PRECEDENTES DO STJ EM SITUAÇÃO ANÁLOGA. MAXIDESVALORIZAÇÃO DO REAL FRENTE AO DÓLAR. EQUIDADE NO TRATAMENTO DOS RESULTADOS DA IMPREVISÃO. ALUGUEIS QUE DEVEM SER FIXADOS PROVISORIAMENTE PELA MÉDIA DO IGP-M E DO IPCA, e não apenas pelo ipca. PERICULUM IN MORA CARACTERIZADO. REDUÇÃO PRESUMIDA DE FATURAMENTO DE POSTOS DE COMBUSTÍVEIS. RESTRIÇÃO MASSIVA À CIRCULAÇÃO DE PESSOAS. CONSEQUÊNCIA NECESSÁRIA É A REDUÇÃO DO TRÁFEGO DE VEÍCULOS. LOGO, REDUÇÃO NO CONSUMO DE COMBUSTÍVEIS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A imprevisibilidade não está apenas no valor nominal do IGP-M, mas sim na diferença substancial entre si e o IPCA, que é o índice preponderantemente utilizado para fins de aferição de base inflacionária. Enquanto o IGP-M anualizado (utilizado para o reajuste do aluguel) encerrou o ano de 2020 em 23,45%, o IPCA, também anualizado para o fim de 2020, foi de apenas 4,52%, ou seja, uma diferença de quase de 20% (vinte por cento). A título de exemplo (Calculadora do Cidadão, do BACEN), desde 12/2015 até 12/2019, ou seja, 04 (quatro) anos, todo o reajuste pelo IGP-M ficou em 23,66%. E de forma ainda mais contundente, verifica-se que o IPCA, desde 12/2015 até 12/2020, ou seja, 05 (cinco) anos, incluindo aqui o período de reajuste do IPG-M em 2020 (23,45%), somou um percentual de 24,94%. 2. Ainda que se argumente sobre a natureza empresarial do negócio jurídico, o que faz prevalecer o aspecto paritário da negociação e apenas a interferência excepcional nos termos acordados, tem-se que o caso, ao menos em sede de tutela provisória, passível de ser alterada em sede de análise exauriente pelo juízo singular, diz respeito a este estreito limite de atuação do Judiciário, justamente porque não se está a tratar de uma margem de diferença entre IPCA e IGP-M que leve ao intérprete a uma zona cinzenta sobre se estaria ali havendo ganho real ou não (zona está na qual, por evidente, deve prevalecer os termos acordados), mas sim a um manifesto descolamento da realidade inflacionária com o valor do reajuste contratual, ainda que não se esteja claro, ao menos neste momento processual, qual seria o índice ou o percentual de reajuste a ser adotado para compatibilizar os interesses paritários vinculados no contrato. 3. Assim sendo, ainda que o emprego do IPCA seja um importante parâmetro para se estabelecer uma forma de recomposição monetária alternativa ao índice do IGP-M, notadamente diante da natureza oficial do índice (IBGE) para fins de mensuração da inflação do país (metas de inflação do Conselho Monetário Nacional), há que se ressaltar pela insuficiência da simples substituição do IGP-M pelo IPCA, uma vez que, desta forma, retira-se todo o risco do locatário pela utilização do IGP-M, o que tampouco se pode admitir, sob pena de se criar uma situação na qual o locador amargaria prejuízos caso o IGP-M fosse menor do que o IPCA, mas o locatário estaria blindado quando o reajuste do IGP-M fosse razoavelmente superior ao IPCA. Aliás, não é novidade a solução jurisprudencial adotada para situações análogas, sendo relevante destacar o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça sobre os contratos que sofreram a influência da maxidesvalorização do real frente ao dólar, ocorrida em 1999. Portanto, diante do imperativo de equidade que deve reger os riscos alocados em relações privadas, notadamente em cenários de imprevisibilidade, impõe-se que o reajuste do contrato de locação seja realizado, ao menos de forma provisória, pela média entre o IPCA e o IGP-M e não apenas pelo IPCA. 4. Quanto ao requisito do periculum in mora relativo à concessão de tutela de urgência pelo juízo singular, é possível verificá-lo a partir da própria magnitude do reajuste de uma das despesas mensais mais relevantes para a atividade empresarial desenvolvida pela parte locatária, ou seja, o aluguel do espaço onde se encontra o posto de gasolina. (TJPR – 18ª C.Cível – 0015242-46.2021.8.16.0000 – Curitiba – Rel.: DESEMBARGADOR MARCELO GOBBO DALLA DEA – J. 28.06.2021)
(TJ-PR – AI: 00152424620218160000 Curitiba 0015242-46.2021.8.16.0000 (Acórdão), Relator: Marcelo Gobbo Dalla Dea, Data de Julgamento: 28/06/2021, 18ª Câmara Cível, Data de Publicação: 28/06/2021
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REVISIONAL DE ALUGUEIS. DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA QUE PRETENDIA A SUBSTITUIÇÃO DO ÍNDICE DE REAJUSTE DO ALUGUEL – IGPM – PELO IPC. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ARTIGO 300 DO CPC. INEXISTÊNCIA DE RISCO DE FRUSTRAÇÃO DO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO OU DE PROVOCAÇÃO DE DANO GRAVE E DE DIFÍCIL OU INCERTA REPARAÇÃO À AGRAVANTE. FLUTUAÇÃO DOS ÍNDICES MEDIDORES DA INFLAÇÃO. NORMALIDADE. AGRAVANTE QUE SE TRATA DE UMA GRANDE REDE DE LOJAS DE VENDAS DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO, ELETRODOMÉSTICOS E OUTROS ITENS PARA O LAR, MOTIVO PELO QUAL A MANUTENÇÃO DO IGP-M, EM SEDE LIMINAR, NÃO PROVOCARÁ DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL. DISTINÇÃO DOS CASOS JÁ ANALISADOS POR ESTA COLENDA CÂMARA, ONDE DEMONSTRADO O POTENCIAL PREJUÍZO NA MANUTENÇÃO DO INDEXADOR PARA A VIDA OU ATIVIDADE DO LOCATÁRIO. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
(TJ-PR – AI: 00360966120218160000 Curitiba 0036096-61.2021.8.16.0000 (Acórdão), Relator: Luiz Henrique Miranda, Data de Julgamento: 20/09/2021, 18ª Câmara Cível, Data de Publicação: 20/09/2021)
O mesmo ocorre para os demais Tribunais, que possuem jurisprudências dissonantes entre si sobre o tema:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO REVISIONAL DE ALUGUEL NÃO RESIDENCIAL – ÍNDICE DE REAJUSTE CONTRATADO – IGP-M/FGV – ONEROSIDADE EXCESSIVA PARA O LOCATÁRIO – VANTAGEM INJUSTIFICÁVEL PARA O LOCADOR – DESCONFORMIDADE COM ÍNDICE DE INFLAÇÃO – RECONHECIMENTO – ALTERAÇÃO – UTILIZAÇÃO DE OUTRO ÍNDICE DE REAJUSTE PREVISTO NO CONTRATO – IPCA – POSSIBILIDADE – PANDEMIA – EVENTO EXTRAORDINÁRIO E IMPREVISÍVEL – PRINCÍPIOS – FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO – PRESERVAÇÃO DA EMPRESA – OBSERVÂNCIA NECESSÁRIA – ALTERAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA QUE SE IMPÕE. – O reajuste do valor do aluguel tem por objetivo recompor o valor originalmente estabelecido no contrato de locação, logo, se o índice de reajuste contratado – IGP-M/FGV – encontra-se em clara desconformidade com o índice de inflação do período, mostrando-se excessivamente oneroso para o locatário, e, via de consequência, exageradamente vantajoso para o locador, justifica-se a sua substituição por outro índice também previsto no contrato, qual seja, IPCA/IBGE, haja vista a inafastabilidade dos princípios da função social do contrato e da preservação da empresa – A pandemia de Covid-19 pode ser considerada como evento imprevisível e extraordinário, em matéria de contratos, o que dá aplicabilidade à teoria da imprevisão e autoriza a alteração do que fora originalmente estabelecido entre as partes, haja vista que o impacto dela decorrente culminou em desequilíbrio em diversos setores da economia e da sociedade, dentre eles, o comércio varejista de produtos, que é a atividade econômica desenvolvida pelo locatário – Reforma da decisão agravada que se impõe.
(TJ-MG – AI: 10000211260377001 MG, Relator: José Eustáquio Lucas Pereira, Data de Julgamento: 14/09/2021, Câmaras Cíveis / 18ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 14/09/2021)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CIVIL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO LOCATÍCIO NÃO RESIDENCIAL. ALEGAÇÃO AUTORAL DE ONEROSIDADE EXCESSIVA, EM RAZÃO DO ÍNDICE IGP-M APLICADO PARA REAJUSTE DO VALOR DO ALUGUEL, BEM COMO DIFICULDADE FINANCEIRA EM RAZÃO DA PANDEMIA DO COVID-19. PEDIDO DE FIXAÇÃO DE ALUGUEL PROVISÓRIO EQUIVALENTE A 90% DO TOTAL DEVIDO. DECISÃO INDEFERINDO A TUTELA DE URGÊNCIA. RECURSO DA AUTORA. 1. Da leitura do artigo 300, do CPC, decorre a necessidade de prova inequívoca, para incutir no julgador a verossimilhança das alegações formuladas pelo pretendente, bem como o receio de dano irreparável ou de difícil reparação para efeito de concessão da antecipação dos efeitos da tutela. 2. Em sede de cognição sumária, cabe ao Juiz dirigente do processo aferir a relevância do direito alegado (fumus boni iuris), o que tanto pode conduzir ao deferimento ou indeferimento do pleito. 3. O artigo 478 do Código Civil estabelece a possibilidade de resolução dos contratos de trato sucessivo, caso sobrevenha evento extraordinário e imprevisível capaz de tornar a prestação de uma das partes excessivamente onerosa com extrema vantagem para a outra. 4. Agravante se restringiu a apresentar contrato locatício comercial e seus respectivos aditamentos, bem assim matéria jornalística veiculando a redução no consumo sem, todavia, trazer aos autos balanços para demonstrar a queda em seu faturamento. 5. Planilha de reajustes de aluguel a qual não comprova que a manutenção do índice IGP-M implicará extrema vantagem para o locador, sendo certo que o feito exige a produção de prova pericial contábil para apuração da onerosidade excessiva alegada, devendo ser prestigiado, por ora, o critério contratual adotado, em respeito ao princípio do pacta sunt servanda. Precedente: 0154819-91.2017.8.19.0001 – Apelação – Des (a). Mônica Maria Costa Di Piero – Julgamento:02/07/2019 – Oitava Câmara Cível. 6. A ocorrência da pandemia e seus impactos pelas medidas de restrição, por si só, sem a efetiva comprovação do desequilíbrio contratual, não autoriza, nesta fase processual, a extrema intervenção no contrato livremente pactuado pelas partes, sendo descabido transferir eventuais reflexos financeiros causados exclusivamente para um dos contratantes. 7. Probabilidade do direito autoral e periculum in mora ausentes, restando escorreita a decisão que indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela, sendo imprescindível maior dilação probatória. Precedentes: 0031310-24.2020.8.19.0000 – Agravo de Instrumento – Des (a). Cezar Augusto Rodrigues Costa – Julgamento: 16/03/2021 – Oitava Câmara Cível; 0045123-21.2020.8.19.0000 – Agravo de Instrumento – Des (a). Sônia de Fátima Dias – Julgamento: 16/03/2021 – Vigésima Terceira Câmara Cível; 0026387-52.2020.8.19.0000 – Agravo de Instrumento – Des (a). Luiz Fernando de Andrade Pinto – Julgamento: 01/07/2020 – Vigésima Quinta Câmara Cível. 8. Incidência do verbete sumular nº 59 deste E. TJRJ, segundo o qual “somente se reforma a decisão concessiva ou não, da tutela de urgência, cautelar ou antecipatória, se teratológica, contrária à lei, notadamente no que diz respeito à probabilidade do direito invocado, ou à prova dos autos”. 9. Recurso conhecido e desprovido.
(TJ-RJ – AI: 00192741320218190000, Relator: Des(a). MARIANNA FUX, Data de Julgamento: 13/05/2021, VIGÉSIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 14/05/2021)
Ou seja, em decorrência da pandemia do Novo Coronavírus (SARS-COV-2), há a possibilidade de ajuizar Ação Revisional de Aluguel, especialmente se houve majoração excessiva dos encargos de correção e atualização monetária, como foi o exemplo do IGP-M, sendo passível, após análise do caso concreto, a autorização da revisão contratual.
BENFEITORIAS FEITAS PELO LOCATÁRIO PODEM SER CAUSA PARA AJUIZAMENTO DE AÇÃO REVISIONAL DE ALUGUEL?
Se o locatário realiza benfeitorias no imóvel, ele pode pedir a redução do aluguel mediante Ação Revisional de Aluguel, tendo em vista que tais benfeitorias/acessões poderão ser usufruídas posteriormente pelo locador? Ou, ao contrário, se o locador realiza as benfeitorias, pode pedir a revisão do aluguel para maior, tendo em vista que o locatário poderá utilizar e usufruir do que foi realizado/construído?
A questão já foi discutida pelo Superior Tribunal de Justiça[1], e o referido Tribunal estabeleceu que, em ação revisional, o valor do novo aluguel deve ser estipulado sem que se considerem eventuais benfeitorias, edificações ou melhoramentos, conforme colacionado a seguir excerto do julgado:
A ação revisional não se confunde com a renovatória de locação. Na
revisional, as benfeitorias e as acessões realizadas pelo locatário, em regra,
não devem ser consideradas no cálculo do novo valor do aluguel, para um
mesmo contrato. Tais melhoramentos e edificações, no entanto, poderão
ser levadas em conta na fixação do aluguel por ocasião da renovatória, no
novo contrato. Precedente da QUARTA TURMA.
Cumpre salientar que tal entendimento é pacificado no STJ:
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DO NCPC. AÇÃO REVISIONAL DE ALUGUEL. ACESSÕES REALIZADAS PELO LOCATÁRIO. DESCONSIDERAÇÃO PARA EFEITO DE FIXAÇÃO DE NOVO VALOR DE ALUGUEL. DECISÃO MANTIDA. 1. Aplicabilidade do NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. A ação revisional de aluguel de benfeitorias e acessões realizadas pelo locatário não devem ser consideradas para efeito do cálculo do novo valor do aluguel. Tais melhoramentos e edificações, no entanto, poderão ser levadas em conta na fixação do aluguel por ocasião da renovatória, em novo contrato. Precedentes. 3. Em virtude do não provimento do presente recurso, e da anterior advertência em relação a incidência do NCPC, incide ao caso a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do NCPC, no percentual de 3% sobre o valor atualizado da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito da respectiva quantia, nos termos do § 5º daquele artigo de lei. 4. Agravo interno não provido, com aplicação de multa.
(STJ – AgInt nos EDcl no REsp: 1727589 SP 2018/0048568-9, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 07/08/2018, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/08/2018)
Dessa forma, ao invés de tratar o assunto das benfeitorias na Ação Revisional de Aluguel, o STJ esclareceu que a questão pode ser discutida em Ação Renovatória, prevista nos arts. 71 a 75 da Lei de Locações (Lei nº. 8.245/91).
JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA
O Superior Tribunal de Justiça consignou recentemente que é possível, inclusive, fixar aluguel em valor superior ao pleiteado pela parte, não tratando-se, ainda, de julgamento ultra petita porque a quantia requerida seria meramente estimativa:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE ALUGUEL. VALOR DO ALUGUEL FIXADO EM QUANTIA SUPERIOR À PLEITEADA NA INICIAL. JULGAMENTO ULTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. NULIDADE DA PROVA PERICIAL. FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO IMPUGNADOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 283/STF. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Não configura ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 o fato de o col. Tribunal de origem, embora sem examinar individualmente cada um dos argumentos suscitados pelo recorrente, adotar fundamentação contrária à pretensão da parte, suficiente para decidir integralmente a controvérsia. 2. Segundo o entendimento do STJ, não configura julgamento ultra petita a fixação de aluguel em valor superior ao pleiteado pela parte na ação revisional, pois a quantia requerida é meramente estimativa, a depender de laudo pericial e da fixação pelo juiz. Precedentes. 3. A ausência de impugnação, nas razões do recurso especial, de fundamentos suficientes à manutenção do acórdão estadual, quanto ao desinteresse na produção da prova pericial e à preclusão para impugnar seu conteúdo, atrai a incidência da Súmula 283 do STF. 4. Agravo interno desprovido.
(STJ – AgInt no AREsp: 1449843 PR 2019/0041265-1, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 03/09/2019, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/09/2019)
Ainda, ressalte-se que, caso o locatário rescinda o contrato em meio ao trâmite da Ação Revisional de Aluguel, deverá ser condenado ao pagamento das custas e honorários sucumbenciais, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE ALUGUEL. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO DA LOCATÁRIA. DEPÓSITO DAS CHAVES EM JUÍZO. RECONHECIMENTO DO PEDIDO. PERDA SUPERVENIENTE DO INTERESSE DE AGIR. HONORÁRIOS. PRINCÍPIO DA SUCUMBÊNCIA. CONDENAÇÃO DA PARTE RÉ. DECISÃO MANTIDA. 1. Pelo princípio da causalidade, são as verbas sucumbenciais devidas pela parte que deu causa ao ajuizamento da causa, nos termos dos art. 20 do CPC/73 (art. 85 do CPC/15). 2. Tratando-se de ação revisional de contrato de aluguel, o comparecimento espontâneo da locatária com a devolução das chaves em juízo e encerramento do contrato significa o reconhecimento da pretensão, devendo arcar com as custas sucumbenciais e honorários. Súmula nº 83/STJ. 3. Agravo interno não provido.
(STJ – AgInt no AREsp: 1061063 SP 2017/0041547-0, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 28/11/2017, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/12/2017)
Além disso, é necessário verificar se no próprio Contrato de Locação não há alguma cláusula de renúncia de revisão, posto que, se houver, dificilmente será concedida a Ação Revisional de Aluguel. Nesse sentido:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO. CLÁUSULA DE RENÚNCIA AO DIREITO DE REVISÃO DO VALOR DO ALUGUEL. PACTA SUNT SERVANDA. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE VONTADE. I. Ao se analisar o contrato firmado entre as partes, deve prevalecer o Princípio da força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda) que vincula os contratantes aos termos pactuados, sendo defesa a alteração das disposições livremente contratadas de forma unilateral ou aleatória. II. No caso em comento, não há que se falar em abusividade/nulidade da cláusula que prevê sua renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis, APELAÇÃO CONHECIDA MAS IMPROVIDA.
(TJ-GO – APL: 04787671220148090085, Relator: AMÉLIA MARTINS DE ARAÚJO, Data de Julgamento: 07/06/2018, Itapuranga – 1ª Vara Cível, Data de Publicação: DJ de 07/06/2018)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE ALUGUEL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRELIMINAR EX OFFICIO DE INOVAÇÃO RECURSAL. CLÁUSULA CONTRATUAL DE RENÚNCIA EXPRESSA À REVISÃO DO VALOR DO ALUGUEL. APLICABILIDADE. Trata-se de inovação recursal a ser suscitada ex officio a formulação de pedido, no Apelo, de aplicação da Teoria da Imprevisão, quando os Apelantes não o formularam em momento processual oportuno, isto é, na exordial ou até o despacho saneador, conforme preconiza o artigo 329 do CPC/2015. É válida, nos termos do artigo 54-A da Lei do Inquilinato, cláusula livremente acordada entre as partes e inserta em contrato de locação de imóvel não residencial urbano que veda, durante a vigência do contrato, o direito de revisão do valor do aluguel.
(TJ-MG – AC: 10040110058126001 MG, Relator: Pedro Bernardes, Data de Julgamento: 01/10/2018, Data de Publicação: 15/10/2018)
Com efeito, o princípio da pacta sunt servanda vigora no ordenamento jurídico, de modo que, caso constante no contrato avençado a vedação à revisão ou renovação do aluguel, os mesmos não podem ser pleiteados pela judicial e, caso forem, provavelmente, a depender do caso concreto e da análise do Juízo competente, serão os pedidos julgados improcedentes.
CONCLUSÃO
Por fim, conclui-se que é possível solicitar ao Judiciário a revisão do valor do aluguel, por meio da Ação Revisional de Aluguel, de modo a permitir que os valores pactuados em contrato sejam alterados.
Quando há onerosidade excessiva superveniente, por conta de aumento expressivo dos índices de atualização monetária, como foi o caso do IGP-M, é possível também, a depender do caso concreto e a partir da análise probatória e documental, pleitear a revisão do valor do aluguel, caso o importe esteja em patamar fora da realidade do mercado.
Ainda, cumpre destacar que tal revisão não pode ser pleiteada devido a benfeitorias realizadas pelo locatário, servindo, para tanto, a Ação Renovatória, prevista nos arts. 71 a 75 da Lei de Locações.
Por fim, destaca-se que a Ação Revisional de Aluguel deve ser ajuizada caso não haja no Contrato de Locação avençado cláusula que vede a revisão do aluguel, posto que, caso haja tal cláusula, por certo vigorará o princípio da pacta sunt servanda.
AUTORES
Angela Luara Pamplona. Bacharela em Direito pela PUC/PR.
Antonio Neiva de Macedo Neto. Advogado (OAB/PR sob nº. 55.082) e sócio do Barioni & Macedo Sociedade de Advogados. Pós-graduado em Direito Processual Civil Contemporâneo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).
Clarice de Camargo Ibañez. Bacharela em Direito. Mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
[1] REsp 1193926/RS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 03/05/2016, DJe 11/05/2016.