Em uma sociedades empresária, os sócios, em conjunto, direcionam-na e se comprometem a contribuir com bens ou dinheiro para formar o capital social, mediante contrato, manifestando livremente a vontade de estarem juntos na administração.
Todavia, pode acontecer que, em um certo momento, um dos sócios queira sair da sociedade ou a sociedade queira a saída dele, havendo, portanto, a dissolução parcial da mesma, conforme adiante exposto.
Quebra da Affectio Societatis
Affectio societatis consiste na intenção dos sócios de constituir uma sociedade. É a declaração de vontade expressa e manifestada livremente pelo sócio de desejar, estar e permanecer juntos na sociedade.
Ocorre que quando o affectio societatis é quebrado, pode haver a dissolução da sociedade, seja parcial ou total.
Isto porque o affectio societatis é o elemento essencial nas sociedades de pessoas e determinante na dissolução societária das sociedades limitadas.
Ao abrir uma empresa, os sócios se encontram em total sintonia e entusiasmados com os seus objetivos, de forma que o affectio societatis se encontra aflorado e em pleno desenvolvimento, configurado no desejo dos sócios de constituição de sociedade, vontade de cooperação e confiança mútua compartilhada. Desse modo, quando essa sintonia acaba, muitas vezes a dissolução parcial da sociedade é a medida mais adequada.
O que é a dissolução parcial da sociedade?
Na dissolução parcial ocorre o desligamento de um sócio, sem que haja a extinção da sociedade em si.
Ou seja, um dos sócios, por conta da quebra do affectio societatis, deixa a sociedade, mas a empresa não acaba por isso.
Ela pode ocorrer por meio de resolução da sociedade empresária contratual ou simples em relação ao sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso, realizando-se a apuração dos haveres do mesmo.
Processo judicial: Ação de dissolução parcial da sociedade
A ação de dissolução parcial da sociedade possui como fim a retirada de um ou mais sócios do quadro societário pela via judicial, desde que haja incidência de uma das hipóteses legais, ou no contrato social.
A ação de dissolução parcial de sociedade pode ter por objeto: a resolução da sociedade empresária contratual ou simples em relação ao sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; a apuração dos haveres do sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; ou somente a resolução ou a apuração de haveres, com previsão no art. 599 e ss. do Código de Processo Civil:
Art. 599. A ação de dissolução parcial de sociedade pode ter por objeto:
I – a resolução da sociedade empresária contratual ou simples em relação ao sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; e
II – a apuração dos haveres do sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; ou
III – somente a resolução ou a apuração de haveres.
§ 1º A petição inicial será necessariamente instruída com o contrato social consolidado.
Assim sendo, nos ditames da legislação supramencionada, apenas em tais hipóteses é que pode ocorrer a ação de dissolução parcial de sociedade.
Por quem a Ação de Dissolução de Sociedade pode ser proposta?
Conforme art. 600 do Código de Processo Civil, o processo judicial para dissolução parcial da sociedade pode ser proposta por, in verbis:
Art. 600. A ação pode ser proposta:
I – pelo espólio do sócio falecido, quando a totalidade dos sucessores não ingressar na sociedade;
II – pelos sucessores, após concluída a partilha do sócio falecido;
III – pela sociedade, se os sócios sobreviventes não admitirem o ingresso do espólio ou dos sucessores do falecido na sociedade, quando esse direito decorrer do contrato social;
IV – pelo sócio que exerceu o direito de retirada ou recesso, se não tiver sido providenciada, pelos demais sócios, a alteração contratual consensual formalizando o desligamento, depois de transcorridos 10 (dez) dias do exercício do direito;
V – pela sociedade, nos casos em que a lei não autoriza a exclusão extrajudicial; ou
VI – pelo sócio excluído.
Dessa forma, são 06 (seis) hipóteses de legitimidade ativa para o ajuizamento da ação, de forma que sendo pessoa alheia a tais hipóteses, dificilmente logrará êxito em prosseguir com o processo.
O cônjuge, no divórcio, tem direito à apuração de haveres da sociedade?
Segundo parágrafo único do art. 600 do Código de Processo Civil, em caso de término de convivência, o cônjuge ou companheiro do sócio poderá requerer a apuração de seus haveres na sociedade, que serão pagos à conta da quota social titulada por este sócio. Ou seja, em caso de divórcio, se o esposo ou a esposa do(a) sócio(a) não tiver participação no contrato social, pode receber sua quota-parte relativa ao término da convivência (meação).
Há possibilidade de defesa na Ação de Dissolução Parcial de Sociedade?
Sim, como todo processo judicial, em respeito ao princípio do contraditório, os sócios e a sociedade serão citados, no processo de Ação de Dissolução Parcial de Sociedade, para em 15 (quinze) dias, concordarem com o pedido ou apresentarem contestação, segundo art. 601 do Código de Processo Civil.
Ainda, segundo parágrafo único do mesmo dispositivo legal, a sociedade não será citada se todos os seus sócios o forem, mas ficará sujeita aos efeitos da decisão e à coisa julgada.
Em eventual contestação, segundo art. 602 do Código de Processo Civil, a sociedade poderá formular pedido de indenização compensável com o valor dos haveres a apurar. Observar-se-á, nesse caso, o procedimento comum para produção de provas. Todavia, em liquidação de sentença, deverá ser seguido o capítulo específico, consoante dispõe o art. 603, § 2º, CPC.
De outro lado, se houver manifestação expressa e unânime pela concordância da dissolução, o juiz a decretará, passando-se imediatamente à fase de liquidação, consoante art. 603 do Código de Processo Civil. Nessa hipótese, não haverá condenação em honorários advocatícios (art. 603, § 1º, CPC), sendo as partes obrigadas a ratear o valor das custas.
Como ocorre a distribuição dos haveres?
Conforme estabelecido no art. 604 do Código de Processo Civil, o Juiz, ao fixar a data de resolução da sociedade, definirá os critérios e nomeará perito, preferencialmente sendo especialista em avaliação de sociedades (art. 606, parágrafo único), ipsis litteris:
Art. 604. Para apuração dos haveres, o juiz:
I – fixará a data da resolução da sociedade;
II – definirá o critério de apuração dos haveres à vista do disposto no contrato social; e
III – nomeará o perito.
Assim sendo, havendo parte incontroversa, os sócios deverão depositar em juízo o valor correspondente (art. 604, § 1º, CPC), valor este que poderá ser, desde logo, levantando pelo ex-sócio, pelo espólio ou pelos sucessores (art. 604, § 2º, CPC).
Ainda, se o contrato social estabelecer o pagamento dos haveres, será observado o que nele se dispôs no depósito judicial da parte incontroversa (art. 604, § 3º, CPC).
De outro lado, se o contrato social não previr um critério de apuração de haveres, o juiz definirá o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma (art. 606, CPC).
Por fim, uma vez apurados, os haveres do sócio retirante serão pagos conforme disciplinar o contrato social e, no silêncio deste, nos termos do § 2º do art. 1.031 da do Código Civil (art. 609, CPC).
Qual a data de dissolução parcial de sociedade?
Veja-se o que determina o art. 605, do Código de Processo Civil:
Art. 605. A data da resolução da sociedade será:
I – no caso de falecimento do sócio, a do óbito;
II – na retirada imotivada, o sexagésimo dia seguinte ao do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio retirante;
III – no recesso, o dia do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio dissidente;
IV – na retirada por justa causa de sociedade por prazo determinado e na exclusão judicial de sócio, a do trânsito em julgado da decisão que dissolver a sociedade; e
V – na exclusão extrajudicial, a data da assembleia ou da reunião de sócios que a tiver deliberado;
De todo modo, a data da resolução e o critério de apuração de haveres podem ser revistos pelo juiz, a pedido da parte, a qualquer tempo antes do início da perícia (art. 607, CPC).
Com efeito, até a data da resolução, integram o valor devido ao ex-sócio, ao espólio ou aos sucessores a participação nos lucros ou os juros sobre o capital próprio declarados pela sociedade e, se for o caso, a remuneração como administrador (art. 608, CPC).
Dissolução Parcial de Sociedade em Sociedades Limitadas (LTDA’s) e Sociedades Anônimas (S.A.’s)
No caso das sociedades limitadas (LTDA’s), já foi explicitado em artigo anterior que é possível desligar legitimamente os sócios, segundo o Código Civil vigente, por motivos como, por exemplo: a) falecimento de sócio; b) exclusão judicial mediante iniciativa dos demais sócios por falta grave do sócio ou por incapacidade superveniente; c) exclusão de pleno direito do sócio declarado falido ou cuja quota tenha sido liquidada pelo credor exequente; d) retirada (voluntária) do sócio da limitada que dissentir de fusão, incorporação ou modificação do contrato; ou e) exclusão do sócio mediante alteração contratual deliberada pela maioria dos sócios, desde que prevista no contrato social a exclusão por justa causa.
Já nas sociedades anônimas (S.A.’s), a ruptura é permitida quando demonstrado, por acionista ou acionistas que representem cinco por cento ou mais do capital social, que não pode preencher o seu fim, conforme disposto no § 2º do art. 599 do Código de Processo Civil.
Riscos da Dissolução Parcial da Sociedade
Um dos pontos mais sensíveis no procedimento de dissolução parcial gira em torno da apuração de haveres do sócio. Isso porque, conforme já exposto, trata-se a apuração de haveres de um procedimento societário próprio de determinação do valor do patrimônio da sociedade com o objetivo de definir o pagamento devido ao sócio(s) que se desliga(m).
A adoção de critério gravoso de avaliação das quotas, seja este contratual ou legal, pode pôr em risco a saúde financeira da sociedade e afetar a própria atividade empresarial.
Em relação à apuração de haveres, o critério de avaliação e liquidação das quotas pode ser definido pelos sócios via contrato social, incluindo prazo de pagamento e parcelamento compatíveis com a capacidade financeira da sociedade.
Dessa forma, aconselha-se que na construção do contrato social, sejam observadas regras justas, equitativas e equilibradas, compatíveis, enfim, com a capacidade da empresa e a prática comercial, evitando-se, destarte, possíveis transtornos e surpresas.
As fases da ação de dissolução parcial da sociedade
No caso de manifestação expressa e unânime pela dissolução, o juiz irá decretá-la iniciando imediatamente a fase de liquidação. E, com a determinação de que a sociedade e sócios depositem em juízo a parte incontroversa dos haveres, além da apuração dos haveres com base no valor patrimonial apurado em balanço.
Apurados os haveres, o sócio retirante deverá ser pago em dinheiro no prazo de 90 dias, a não ser que haja exceção estipulada em contrato.
Conclusão
Apesar da existência da ação de dissolução social (processo judicial), uma boa alternativa a evitar a discussão sob judice e o conflito seria a elaboração de um contrato social que previsse esse tipo de risco.
Assim sendo, o contrato social deve prever cláusulas específicas sobre o direito de retirada; direito de preferência; exclusão por justa causa; formas de apuração de haveres e pagamento; previsão de mediação e/ou arbitragem; entre outras, evitando-se, dessa forma, a disputa judicial.
De todo modo, sendo necessário o ajuizamento de ação judicial, importante observar o prazo prescricional para apuração de haveres em sócio excluído de sociedade limitada que, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 1.139.593/SC) é o de 10 anos (art. 205, CC).
Ademais, na ação judicial seria cabível a tutela provisória de urgência no procedimento especial da ação de dissolução, conforme § 2º do artigo 603 do CPC; além de poder serem cumulados os pedidos de dissolução parcial de sociedade e de apuração de haveres (art. 699, CPC).
Além disso, muito importante optar por um profissional (advogado ou escritório de advocacia) especializado no assunto e que saiba direcionar o processo judicial da melhor forma possível.
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AUTORES
Antonio Neiva de Macedo Neto. Advogado (OAB/PR sob nº. 55.082) e sócio do Barioni & Macedo Sociedade de Advogados. Pós-graduado em Direito Processual Civil Contemporâneo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).
Clarice de Camargo Ibañez. Advogada (OAB/PR sob o nº. 110.008). Mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Gisele Barioni de Macedo. Advogada (OAB/PR nº. 57.136) e sócia do Barioni & Macedo Sociedade de Advogados. Pós-graduada em Direito e Processo Tributário pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Pós-graduada em Direito Processual Civil Contemporâneo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).