Quem é o sócio retirante?
Sócio retirante é o nome atribuído ao sócio que deixa de compor o quadro societário de uma entidade.
A sociedade é a união de pessoas (físicas ou jurídicas) em torno de um contrato ou estatuto para o cumprimento de fins sociais em comum acordo. Segundo definição do art. 981, do Código Civil:
Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
O parágrafo único do referido dispositivo legal, por sua vez, indica que a atividade da sociedade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados no contrato social da mesma.
Assim sendo, para registrar-se uma sociedade, é necessário atender aos comandos dos arts. 45 e 1.150, do Código Civil, sendo imprescindível a inscrição e o registro da mesma na forma da lei, conforme preceitua o art. 985, do Código Civil:
Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).
Após constituída a sociedade, é possível que haja alteração no quadro societário da mesma. Ou seja, é possível a inclusão ou exclusão de sócios, alterando-se, para tanto, o contrato social.
O Código Civil disciplina que nos casos previstos em lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade por iniciativa própria, o que é reflexo do direito constitucional à livre associação que permite a união de pessoas em torno de uma entidade e objetivos compartilhados e impede que essa união seja imposta às pessoas. Além disso, os demais sócios também podem decidir por retirar um dos sócios, desde que preenchidas as hipóteses para tanto.
O sócio retirante, dessa maneira, pode ser aquele que decide se retirar da sociedade ou aquele a quem os demais sócios, por iniciativa da maioria, busque a exclusão – judicial ou extrajudicial – em razão, por exemplo, de falta grave no cumprimento de suas obrigações ou por incapacidade superveniente.
Pode-se dizer, portanto, que quem se retira ou é retirado do quadro societário da entidade, é denominado de sócio retirante.
Qual o procedimento de retirada do sócio?
O procedimento para retirada do sócio varia conforme a forma de constituição da sociedade, conforme veremos adiante.
Quando a sociedade é constituída com prazo determinado, ou seja, inicia com prazo assinalado para encerrar suas atividades, o sócio somente poderá se retirar através de decisão judicial, sendo preciso demonstrar, dessa forma, que possui uma justa causa para romper o vínculo societário.
Nessas sociedades, o sócio retirante somente será removido da sociedade a partir do trânsito em julgado da decisão que julgou procedente seu pedido, com a consequente e devida averbação na junta comercial competente.
Por sua vez, para as sociedades que não têm prazo para término, aquelas com prazo indeterminado, exige-se, como regra, que o sócio que pretende se retirar notifique os demais sócios acerca de sua intenção. Essa notificação precisa ser entregue com 60 dias de antecedência. Todavia, as regras variam de acordo com o tipo de sociedade (se limitada, simples, s.a., etc).
Nesse sentido, nas Sociedades Limitadas (LTDA.) e nas Sociedades Simples, na referida forma de constituição (por prazo indeterminado), o sócio pode retirar-se da sociedade a qualquer tempo, independentemente de motivação, bastando apenas a comunicação aos demais. É o que preceitua o art. 1.029 do Código Civil:
Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.
Parágrafo único. Nos trinta dias subseqüentes à notificação, podem os demais sócios optar pela dissolução da sociedade.
Por outro lado, o direito do sócio retirar-se das Sociedades Anônimas (S/A) possui hipóteses mais restritivas, previstas na Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº. 6.404/76), em que os sócios retirantes são tratados, na realidade, como “acionistas dissidentes”. Assim sendo, o acionista na S/A não pode retirar-se da sociedade anônima de forma imotivada, mas sim, deve encaixar-se em alguma das hipóteses previstas na referida legislação, como, por exemplo, mudança do objeto da companhia, cisão, incorporação ou fusão da companhia. A previsão legal para tanto encontra-se, precipuamente, no art. 137 da Lei de S/A:
Art. 137. A aprovação das matérias previstas nos incisos I a VI e IX do art. 136 dá ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia, mediante reembolso do valor das suas ações (art. 45), observadas as seguintes normas:
Com efeito, implementadas todas as alterações contratuais necessárias, atendendo às disposições e normas de cada tipo societário, e levadas a efeito com a devida averbação na junta comercial, o sócio retirante finalmente estará fora da sociedade.
Quais os direitos do sócio retirante?
Nas Sociedades Simples e Limitadas, o sócio que se retira da sociedade tem o direito de promover a apuração de seus haveres. Isso porque, a participação na sociedade possui valor patrimonial e a saída do sócio importa no pagamento, a ele, do valor representativo de sua participação.
A forma de apuração deve ser estipulada no contrato social. Caso não exista previsão contratual, será aplicada a regra do art. 1.031 do Código Civil, que por sua vez determina a liquidação com base na situação patrimonial da sociedade verificada em balanço especialmente levantado.
Além do pagamento pela sua participação, o sócio retirante tem o direito de se ver excluído do registro da sociedade e de se obrigar somente pelas dívidas contraídas antes da publicação da alteração contratual e pelo prazo máximo de dois anos.
Nas Sociedades Anônimas, por sua vez, os acionistas dissidentes e com direito a voto, quando discordarem em assembleia de aprovação, conforme dispõe o art. 137, referente às hipóteses dos incisos I a VI e IX do art. 136, possuem o direito de receber o reembolso do valor das suas ações
Quais são as responsabilidades do sócio retirante?
Caso o balanço patrimonial especialmente levantado para apuração de haveres do sócio retirante reconheça patrimônio líquido negativo, ou seja, quando as dívidas sociais superam os direitos e haveres da sociedade, o sócio retirante, nas Sociedades Simples e Limitadas,ficará obrigado subsidiariamente quanto ao valor remanescente para saldar as dívidas.
Além dessa responsabilidade, o sócio retirante permanece responsável frente à sociedade e terceiros pelo prazo de dois anos após sua retirada em relação a dívidas contraídas antes de sua saída.
Observe-se, no entanto, que nenhuma dessas hipóteses acima exclui a possibilidade de o sócio retirante ser acionado para responder por atos contrários aos estatutos da sociedade ou cometimento de fraudes e outros ilícitos.
Em outras palavras, o sócio retirante permanece responsável por atos que violem a lisura na condução da sociedade, desde que anteriormente procedida a desconsideração da personalidade jurídica nas sociedades limitadas. Nas sociedades ilimitadas, por sua vez, não é necessária a referida desconsideração, posto que nestas sociedades não existe separação patrimonial entre a pessoa física e a empresa.
Nas Sociedades Anônimas, a responsabilidade do acionista é prevista no art. 117, da Lei nº. 6.404/76. Desse modo, o acionista, entendido pelo art. 116 da legislação supra como “quem é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia”, bem como “quem usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia”, responde apenas pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder.
A responsabilidade do administrador na S/A, por sua vez, é prevista no art. 158, da Lei nº. 6.404/76. In verbis:
Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:
I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;
II – com violação da lei ou do estatuto.
Desta feita, tanto sócio retirante (Sociedade LTDA.) quanto acionista dissidente (Sociedade Anônima – S/A), podem responder, quando há a desconsideração da personalidade jurídica, em até 02 (dois) anos após a saída da sociedade, por fatos e/ou dívidas ocorridas enquanto ainda eram sócios.
Além disso, cumpre destacar que nas sociedades de responsabilidade ilimitada como, por exemplo, na Sociedade em Nome Coletivo e Sociedade Simples Pura, os bens particulares dos sócios e ex-sócios (respeitado o biênio legal) podem ser atingidos sem que haja a desconsideração da personalidade jurídica.
Quanto tempo o sócio retirante ainda responde pela empresa?
Conforme já exposto, previsão no Código Civil, precisamente em seu art. 1.003 e parágrafo único, é de que o sócio retirante responde perante a sociedade e terceiros pelas obrigações que tinha como sócio pelo prazo de dois anos após a averbação da modificação do contrato.
Com efeito, o art. 1.032 do Código Civil reforça essa obrigação ao estabelecer que “a retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação.”
No entanto, a responsabilidade do sócio retirante só deve ser referente ao período em que permaneceu na sociedade, de modo que a partir de sua retirada ou saída voluntária, somente a sociedade responde por fatos posteriores a ela.
Portanto, é importante se atentar que o Código Civil disciplina o prazo em que é possível exigir o cumprimento de obrigações do sócio retirante, porém, abrangendo somente questões referentes ao período em que era sócio.
Sobre o tema, importante ressaltar que o STJ, ao julgar em 2019 o Recurso Especial nº 1.537.521/RJ, reafirmou o entendimento de que o sócio retirante não responde por débitos gerados posteriormente ao registro de sua retirada.
Ex-sócio pode ser cobrado por dívidas da empresa após sua saída?
A saída do sócio do quadro societário da empresa, como demonstrado alhures, não o isenta de responder por dívidas da empresa nas sociedades ilimitadas e, nas limitadas, quando há prévia desconsideração da personalidade jurídica. Isto é, o sócio retirante responde pelo prazo de dois anos, contados após a averbação da alteração contratual, pelas dívidas da empresa, desde que assumidas antes de sua saída da sociedade.
Vale lembrar que essa responsabilidade ocorre somente quando a empresa não possui condições de arcar com suas dívidas e os sócios são chamados a responder pelas obrigações em decorrência de previsão legal.
Isso porque, no direito brasileiro vigora a regra da autonomia do patrimônio da empresa para responder por suas dívidas, de modo que somente quando, além de o patrimônio da empresa ser insuficiente para saldar a dívida,houver evidências de abuso da personalidade jurídica – caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial –poderão os sócios ser chamados a responder pelas obrigações da pessoa jurídica, consoante dispõem os arts. 50 do Código Civil e 133 e ss. do Código de Processo Civil, referentes à desconsideração da personalidade jurídica).
Com efeito, o sócio retirante permanece vinculado por até dois anos ao cumprimento das obrigações da empresa da qual fez parte, desde que tais obrigações sejam referentes ao período anterior à sua saída da sociedade.
A reforma trabalhista, implementada pela Lei 13.467/17, trouxe mudanças importantes no que diz respeito à responsabilidade dos sócios por débitos de natureza trabalhista.
O art 10-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) veio corroborar o entendimento descrito anteriormente no que toca à limitação da responsabilidade do sócio retirante ao período em que era sócio. Além do mais, há que se observar a ordem subsidiária, ou seja, a ordem de responsabilidade/ordem de preferência que corresponde: i) a empresa devedora; ii) os sócios atuais; iii) os sócios retirantes.
Assim, para que a ação trabalhista produza efeitos de modo a repercutir na esfera do sócio retirante, é necessário que seja proposta em observância ao período de dois anos após a averbação da alteração contratual e desde que haja observância às normas já destacadas.
Já em relação às obrigações tributárias, há entendimento consolidado de que o seu não pagamento, por si só, não enseja a responsabilização dos sócios, bem como do sócio retirante.
Apesar dessas considerações, é importante destacar que a responsabilidade dos sócios não se resume ao Código Civil, encontrando em leis esparsas outros fundamentos para responsabilização patrimonial dos sócios em virtude de atos cometidos em nome da sociedade.