Durante a troca de mandatos no Poder Executivo é comum que os cidadãos, especialmente empresários e donos de empresas que possuem expressivas obrigações trabalhistas e tributárias, se sintam apreensivos quanto aos impactos que a nova gestão trará para seu cotidiano, em se tratando de avanço ou retrocesso legislativo.
Diante das possíveis dúvidas que possam surgir acerca deste tema, o presente artigo visa explanar acerca do funcionamento do processo legislativo (processo de elaboração de novas leis), a fim de gerar maior compreensão sobre o tema, tendo em vista que tal sistema segue um regramento específico e consolidado e depende, em primazia, do Poder Legislativo (Congresso Nacional: Câmara dos Deputados e Senado Federal).
Como é composto o Congresso Nacional?
O Congresso Nacional é o órgão legislativo responsável por elaborar/aprovar leis e fiscalizar o Estado brasileiro (suas duas funções típicas). O Congresso Nacional é bicameral, ou seja, composto por duas “casas”: Câmara dos Deputados e Senado Federal.
A Câmara dos Deputados possui 513 deputados federais eleitos pelos estados, cuja quantidade de eleitos varia de acordo com o volume populacional, para mandatos de 04 (quatro) anos. A Câmara dos Deputados renova-se integralmente a cada 04 (quatro) anos.
O Senado Federal possui 81 senadores que representam as 27 unidades federativas (26 estados e o Distrito Federal), sendo 03 (três) senadores para cada uma das unidades federativas, com mandatos de 08 (oito) anos cada. O Senado se renova a cada 4 anos, só que não integralmente, mas alternadamente em 2/3 e 1/3 de sua composição.
O que é o processo legislativo?
Segundo o art. 59, da Constituição Federal (CRFB/88), o processo legislativo compreende a formação legislativa de emendas constitucionais, leis ordinárias, leis complementares, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções. In verbis:
Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:
I – emendas à Constituição;
II – leis complementares;
III – leis ordinárias;
IV – leis delegadas;
V – medidas provisórias;
VI – decretos legislativos;
VII – resoluções.
Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.
O processo legislativo é bastante complexo e possui diversos regramentos específicos, os quais constam basicamente na Constituição Federal.
Quem pode propor projeto de lei?
O processo legislativo ordinário compreende três fases: a fase introdutória, a fase constitutiva e a fase complementar. Na fase introdutória, temos a apresentação de um projeto de lei.
O art. 61, da CRFB/88 aponta os legitimados a apresentar projeto de lei ordinárias ou complementares:
Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
Ou seja, além do Presidente da República, qualquer membro do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal (STF) ou Tribunais Superiores, bem como o Procurador-Geral da República e os cidadãos podem apresentar um projeto de lei para modificar as normas vigentes[1].
Como funciona a tramitação de de projetos de leis?
Tendo em vista esta ordem hierárquica, é possível dizer que a aprovação de um projeto de lei segue uma ordem crescente. Começa pela sua proposição – ou na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal – e, após, pela extensa análise e votação nas duas “casas” do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal).
Cada tipo de proposta segue um caminho (tramitação) diferente, conforme consta da imagem abaixo disponível no site da Câmara[2]:
Em resumo, após a apresentação do projeto de lei pela “casa iniciadora” (Câmara dos Deputados ou Senado Federal), se devidamente aprovado pela referida casa, seguirá para discussão e votação na outra (Casa revisora), para fase constitutiva e complementar.
Aprovado o projeto pela comissão inicial, o projeto de lei deverá, ainda, ser encaminhado às comissões de Finanças e Tributação (CFT) e de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), para analisar se há verba disponível condizente com o valor proposto e se o pedido está em acordo com a Constituição Federal. Em caso de não aprovação, a proposta será arquivada.
Cada comissão é formada por um relator que será responsável por analisar o projeto junto às sugestões dos demais deputados, podendo alterar a proposta como julgar melhor para, posteriormente, prestar seu parecer para votação.
Outrossim, destaca-se que no processo legislativo, em regra, a votação do projeto ocorre no Plenário de cada Casa Legislativa (Câmara dos Deputados ou Senado Federal), devendo ter quórum mínimo de maioria absoluta (50% +1 – mais da metade, ou seja, 257 deputados) para instalação da sessão de votação.
Por conseguinte, após aprovação pela Casa iniciadora, o projeto será analisado pela Casa revisora, que poderá apresentar modificações
(emendas). Nesta hipótese, irá retornar para votação na Casa iniciadora apenas a parte emendada e as emendas apresentadas pela Casa revisora não poderão ser alteradas por novas emendas.
Qual o quórum necessário para aprovação de uma lei?
Sobre o quórum de aprovação do projeto de lei, a regra é de maioria simples (maioria dos presentes para votação) para projetos de lei ordinária; e maioria absoluta (maioria em relação à quantidade total de parlamentares) no caso de lei complementar.
Qual a diferença de lei ordinária e lei complementar?
Uma das dúvidas mais comuns reside na diferença entre lei ordinária e lei complementar, ambas espécies normativas contidas nos incisos II e III do artigo 59 da Constituição Federal de 1988 (vide tópico O que é o processo legislativo?).
As duas se diferenciam, em suma, acerca da matéria e do quórum de aprovação.
A lei ordinária pode tratar apenas de matéria residual (área penal, civil, tributária, administrativa e da maior parte das normas jurídicas do país), com quórum de aprovação de maioria simples (art. 47, CF). Em complemento ao tópico ‘Quem pode propor projeto de lei’, cumpre destacar que os cidadãos comuns também podem propor projeto de lei ordinária, desde que seja subscrito por, no mínimo, 1% do eleitorado do país, distribuído pelo menos por cinco estados, com não menos de 0,3% dos eleitores de cada um deles.
A lei complementar trata de matéria prevista especificamente na Constituição Federal, podendo ser aprovada por maioria absoluta nas duas casas (41 senadores e 257 deputados – art. 69, CF). A votação de lei complementar no Senado é feita em turno único, mas na Câmara realiza-se em dois turnos. Alguns exemplos de lei complementar podem ser: a) criação de território federal (art. 18, § 2º, CF); ou b) edição do Estatuto da Magistratura (art. 93, caput, CF).
Alternância de poder e interferência no processo legislativo
A própria Constituição Federal em seu art. 2º menciona que os 03 (três) poderes são independentes e harmônicos entre si:
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Isso quer dizer o Congresso Nacional é independente do Poder Executivo. Por certo deve haver harmonia entre os poderes, com conversa e discussão, a fim de aprovação de projetos benéficos para a sociedade.
Todavia, importante lembrar que o nosso sistema foi composto com base na teoria dos 3 Poderes do filósofo Montesquieu, na qual foi sistematizado e organizado o poder, baseado na divisão de funções e na contenção de um poder pelo outro, o que hoje é conhecido como “sistema de freios e contrapesos”[3]. Essa inovação trazida por Montesquieu foi de grande valia, pois sua aplicação na Constituição Federal de 1988 trouxe maior segurança aos cidadãos frente à eventuais tentativas de abusos, tendo em vista que as funções dos poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) se complementam e restringem mutuamente[4].
Importante salientar, inclusive, que há questões que nada dependem do Legislativo ou Executivo Federal, mas sim dos Legislativos Municipais ou Estaduais. Isso porque a Constituição Federal traz a diferenciação de competências, as quais são algumas privativas dos Municípios, outras dos Estados e outras, ainda, concorrentes (ex: art. 24, CF), nas quais a União estabelece regras gerais e, não o fazendo, os Estados possuem competência legislativa para atender suas particularidades.
Ou seja, considerando que a alternância de poder existe no ordenamento jurídico, em que pese seja eleito para cargos de alto escalão um indivíduo ‘x’, a tramitação de projetos legislativos depende, sobretudo e com certa autonomia, do Congresso Nacional, que é composto no total por 594 (quinhentos e noventa e quatro) parlamentares.
Veto Presidencial e Medida Provisória
Veto
Saliente-se que após a aprovação do Plenário, o projeto iniciado na Câmara segue ao Senado para, novamente, ser analisado e votado. Caso, durante o processo, a proposta sofra alterações, a mesma terá que retornar à Câmara para verificar tais alterações. E, só então, o processo seguirá ao presidente da República, para que o mesmo sancione ou vete (art. 66, CF) o projeto em questão de 15 dias úteis.
Caso aprovado pelo Poder Executivo, o projeto e tornará uma lei. O presidente, poderá, também, vetar trechos do projeto. Porém, em caso de modificações, o projeto será novamente remetido à análise do Congresso Nacional. Ou seja, o veto não é um poder que pode ser utilizado arbitrariamente pelo Executivo. Isso porque, segundo § 4º do art. 66 da Constituição Federal, o veto presidencial pode ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores.
Medida Provisória
É fato que em caso de relevância e urgência, o representante do Poder Executivo Federal pode apresentar uma Medida Provisória. Todavia, a chamada “MP” não pode entrar em vigência sem, antes, a análise e aprovação do Congresso Nacional. Isso é o que prediz o art. 62 da Constituição Federal. O § 3º do referido dispositivo determina que as Medidas Provisórias (MP’s) perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias. Ou seja, de nada adianta o Poder Executivo apresentar medidas provisórias totalmente contraditórias aos interesses da sociedade e/ou dos parlamentares eleitos no Congresso Nacional que, repise-se: são de diversos partidos, orientações políticas e de todos os estados do país.
Conclusão
Diante do exposto, importante salientar que não pretendeu-se diminuir a expressiva contribuição que o(s) chefe(s) do(s) poder(es) executivo(s) – sejam eles das instâncias municipal, estadual ou federal – podem trazer à uma nação. Tão somente pretendeu-se explicitar e trazer à lume a pujante importância do processo legislativo como um todo para a proposição e aprovação de leis que impactarão a sociedade.
Ou seja, importante relembrar que, por mais que o processo para a aprovação de uma nova lei possa parecer simples, o fato é que há um complexo procedimento por trás de alterações nesse sentido, estas que dependem da Constituição Federal e dos Regimentos Internos de cada “casa” (RICD e RISF).
Por conseguinte, a alternância de poder no Executivo não possui o condão de modificar toda estrutura legislativa e normativa de uma sociedade, tento em vista que cada proposição deverá ter o apoio, sobretudo, do Congresso Nacional. E, atualmente, podemos dizer que temos um Congresso bastante diverso, com muitas bancadas de parlamentares dos mais diversos partidos, cujas decisões e ações são independentes do Poder Executivo, conforme prediz o já mencionado art. 2º, da Constituição Federal.
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AUTORES
Antonio Neiva de Macedo Neto. Advogado (OAB/PR sob nº. 55.082) e sócio do Barioni & Macedo Sociedade de Advogados. Pós-graduado em Direito Processual Civil Contemporâneo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).
Clarice de Camargo Ibañez. Advogada (OAB/PR sob o nº. 110.008). Mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Gisele Barioni de Macedo. Advogada (OAB/PR nº. 57.136) e sócia do Barioni & Macedo Sociedade de Advogados. Pós-graduada em Direito e Processo Tributário pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Pós-graduada em Direito Processual Civil Contemporâneo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).
Julia Biscorovaine Munhoz. Acadêmica de Direito da PUC/PR. Estagiária no Barioni & Macedo Advogados.
REFERÊNCIAS
[1] PASTANA, Luís Fernando de Souza. Uma pequena análise sobre o processo legislativo brasileiro. Disponível em: <https://semanaacademica.com.br/system/files/artigos/artigo_uma_pequena_analise_sobre_o_processo_legislativo_brasileiro.pdf> Acesso em 04 nov 2022.
[2] Site da Câmara dos Deputados: https://www.camara.leg.br/entenda-o-processo-legislativo/
[3] GUIMARÃES, Roberta Gebrin. O poder legislativo e a criação da lei: uma análise do processo legislativo brasileiro sob a perspectiva do princípio da tripartição do poder. 2008. 193 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. Disponível em: <https://tede.pucsp.br/handle/handle/8135> Acesso em 04 nov 2022.
[4] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21ª ed. São Paulo: Saraiva. 2000.
Site do Senado Federal: https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/719
MARQUES, Gabriel. Qual a diferença entre lei ordinária e lei complementar? Disponível em: <https://gabrielmarques.jusbrasil.com.br/artigos/111572050/qual-a-diferenca-entre-lei-ordinaria-e-lei-complementar#:~:text=A%20diferen%C3%A7a%20%C3%A9%20a%20seguinte,expressa%20exig%C3%AAncia%20de%20lei%20complementar.> Acesso em 04 nov 2022.
Entenda o veto: https://www.congressonacional.leg.br/materias/vetos/entenda-a-tramitacao-do-veto