A Desapropriação, conforme já mencionado em artigo anterior, é o instrumento pelo qual o Estado pode transformar um bem particular em um bem público.
Em linhas gerais, a desapropriação que pode ser direta, indireta, confiscatória e sancionatória, diferençadas, sobretudo, pelos motivos autorizadores, com repercussões no que se refere ao sujeito competente para promovê-las, procedimentos, valor da indenização e, também, no objeto de cada uma delas, se consubstancia na prevalência do interesse público sobre o particular e em atendimento à função social do bem em discussão.
Neste artigo, não iremos nos ater às modalidades do referido instituto, mas sim ao próprio direito incutido na Constituição Federal de 1988 – direito de propriedade – bem como às diretrizes e critérios de cálculo para uma justa e proporcional indenização dentro do procedimento desapropriatório.
Nada obstante, apenas com a finalidade de inserir o público leitor ao contexto daquilo que iremos tratar daqui por diante, passa-se, brevemente, ao destaque das principais características das modalidades de desapropriação, vez que o tema já foi bem minudenciado em artigo pretérito acima.
Síntese Sobre as Modalidades de Desapropriação
A desapropriação direta, prevista no artigo 5º do Decreto-Lei nº 3.365/41 que é a mais praticada em qualquer uma das esferas federativas, ocorre quando há alguma situação emergencial mediante prévia declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social e impõe ao proprietário a perda de um bem, substituindo-o por justa e prévia indenização em dinheiro.
Lado outro, a desapropriação indireta surge quando o poder público se apropria do bem particular sem observar os requisitos da declaração de utilidade pública e da indenização prévia. Neste caso, cabe ao proprietário requerer judicialmente o seu direito de indenização, pois tem-se a prática de ato ilícito.
Noutro giro, a desapropriação confiscatória ou compulsória é a expropriação de bem utilizado para o cultivo de plantas psicotrópicas e não autorizadas – art. 243 da Constituição Federal. Nessa hipótese não há qualquer tipo de indenização ao proprietário do bem, o qual pode, inclusive, sofrer sanções decorrentes de seu ato.
Por fim, a desapropriação sancionatória ocorre quando o proprietário age com desídia em relação ao seu bem, não dando nenhuma finalidade útil a ele, ocasião em que não há o cumprimento de sua função social. Nesses casos, o poder público toma para si a propriedade para fins de reforma agrária. O pagamento na desapropriação sancionatória é feito, em regra, através de títulos da dívida pública.
Direito de Propriedade e Justa Indenização
Feitas essas considerações, registre-se que a desapropriação, independentemente da modalidade, tem como seu maior efeito o sacrifício de um direito constitucional, o da propriedade, o qual é o direito real mais completo, pois confere ao seu titular, nos moldes do artigo 1.228 do Código Civil os poderes de usar, gozar e dispor da coisa, assim como de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
Não por outro motivo, é também na própria Constituição que tal instituto encontra fundamento jurídico e suas fronteiras balizadoras, conforme se depreende dos arts. 5º, caput e incisos XI, XXII, XXIII e XXIV; 153, § 4º, I; 170, II, III, VI, VII; 182; 184; 185; 186; 188;189 e 191.
Em seus contornos gerais, a desapropriação pode ser definida como um procedimento que culmina na extinção do direito de alguém sobre um bem e em sua eventual incorporação, com caráter originário, ao patrimônio público, mediante o pagamento de indenização, salvo exceções não indenizáveis, como no caso da desapropriação confiscatória.
O direito à indenização por desapropriação é uma garantia fundamental que tem como intuito proteger a propriedade privada, ainda que tenha prevalecido o interesse público. Em outras palavras, por mais que tenha triunfado o interesse público – aquele que deu legitimidade ao Estado para se apropriar de um bem de um particular – não se descuida de proteger a propriedade privada – o bem do particular – quando se prevê o direito à indenização por desapropriação.
Via de regra, a indenização será prévia, ou seja, primeiro o poder público deve iniciar um procedimento para a desapropriação e indenizar o proprietário, para só depois tomar posse do bem. Porém, pode ocorrer a desapropriação indireta, em que o proprietário ao tomar conhecimento da posse do bem pelo Estado deverá ingressar com uma ação judicial para obter a sua indenização, a qual mesmo não sendo prévia deverá ser justa.
A justeza da indenização, portanto, decorrerá do consentimento do proprietário quanto ao valor ofertado pelo ente expropriante que no caso de discordância, assentar-se-á no provimento jurisdicional que fixará o valor indenizatório, a ser devidamente fundamentado no arcabouço de provas e argumentos levados ao conhecimento do juízo, em observância aos princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
Considerando o direito à propriedade como direito fundamental resguardado na Constituição Federal, é necessário um exame rigoroso do processo expropriatório, até porque, “a desapropriação constitui um duro golpe no direito de propriedade, atingindo-o em seu ponto nuclear.[1]”
Malgrado a relevância de se observar o procedimento para a consumação do ato expropriatório, especialmente nos casos de utilidade pública, não raras vezes o poder público atua de maneira equivocada, infringindo princípios e garantias fundamentais atinentes à desapropriação, ao devido processo legal e violando o direito à propriedade, realizam verdadeiro apossamento administrativo, transferindo de modo compulsório a propriedade do particular para o poder público sem o pagamento da contraprestação devida na forma de indenização.[2]
Nestas hipóteses, a ação de indenização por desapropriação é o recurso disponível para que o proprietário do bem expropriado possa receber o valor correspondente a esse bem. A referida ação tem como única finalidade buscar o ressarcimento, ou seja, a indenização pelo bem expropriado, devendo o Estado pagar a mesma indenização que pagaria caso tivesse iniciado a apropriação direta e regular.
Existe, ainda, um prazo para que o proprietário possa exercer o seu direito e reclamar pela indenização. Após superada a Súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que previa um prazo de 20 anos, o STJ passou a entender que o prazo previsto para a ação de usucapião deveria ser aplicado por analogia às ações de desapropriação indireta. Nesse sentido, atualmente, o prazo para requerer a indenização por desapropriação segue o previsto no artigo 1.238 do Código Civil – parágrafo único, qual seja, 10 anos. Esse prazo poderá ser de 15 anos quando comprovado que não houve a utilização do bem pelo poder público.
Importante, ainda, ressaltar que: a pretensão reparatória decorrente de esvaziamento do conteúdo econômico da propriedade, imposta por limitações administrativas apenas, prescreve em cinco anos, nos termos do art. 10, parágrafo único, do Decreto-Lei n. 3.365/1941, pois os danos eventualmente causados pela limitação devem ser objeto de ação de direito pessoal, cujo prazo prescricional é de cinco anos, e não de direito real, que seria o caso da desapropriação indireta. Portanto, para estabelecer a diferença entre limitação administrativa e desapropriação indireta: nesta, há transferência da propriedade individual para o domínio do expropriante (apossamento do imóvel), com integral indenização; naquela, há apenas restrição ao uso da propriedade imposta, sem qualquer indenização. (AgInt no Agravo em Resp. Nº 1.041.533 – SP (2017/0006287-0)
Critérios de Cálculo da Indenização
No que tange particularmente aos critérios de cálculo da indenização por desapropriação, deve-se ponderar a premissa maior deste ato, qual seja, a indenização deve ser sempre justa, isto é, deve refletir o ‘valor real’ do bem em análise incluindo as benfeitorias nele edificadas, mas sem desconsiderar eventuais prejuízos que o proprietário tenha sofrido com a expropriação, seu recebimento deve deixar seu beneficiário incólume, livre de qualquer perda ou dano.
Nessa senda, o valor real do bem deverá ser indenizado e possíveis prejuízos também, a exemplo, nos casos em que o particular explore economicamente atividade no perímetro do bem tomado pelo poder público, é hipótese nítida de o proprietário pleitear por lucros cessantes em relação ao que ele deixou de ganhar por não mais poder exercer sua atividade lucrativa.
Para ser justa, nos moldes constitucionais, a indenização abrange, mas, não se restringe, ao preço que corresponde ao valor real do bem, pois deverão ser avaliados a incidência de danos emergentes e lucros cessantes, bem como o pagamento de juros compensatórios e moratórios, correção monetária, despesas judiciais e honorários advocatícios, conforme o caso.
Em algumas situações pontuais, a indenização pode abranger despesas com a mudança, desinstalação e instalação de maquinário, e, com maior expressão econômica, o que se denomina fundo de comércio, que é conjunto de bens, materiais e imateriais, que contribuem para o funcionamento e lucratividade do particular, como sua clientela, nome, marca e ponto comercial.
Correção Monetária e Juros (Compensatórios e Moratórios)
Para mais, verifica-se dos elementos que compõe a justa indenização, a teor do que estabelece o § 2º do art. 26 do DL 3.365/1941, que incidirá correção monetária sobre a parcela principal do valor indenizatório, desde que decorrido prazo superior a um ano da data do laudo de avaliação. A jurisprudência adota o entendimento de que a correção incidirá a partir da data de elaboração do laudo, conforme se depreende da Súmula 67 do STJ[3] e da Súmula 561 do STF[4].
No que concerne à incidência de juros, a cumulatividade dos juros compensatórios e moratórios é admitida pela jurisprudência[5].
Os juros compensatórios serão cabíveis quando houver apossamento antecipado do ente público no bem a ser expropriado. Isso ocorre quando o ente requer a posse do bem sem observância ao escorreito procedimento, muitas vezes justificando seu ato na necessidade de dar início a possíveis obras no terreno expropriado. Nestes casos, há o imediato afastamento do proprietário do imóvel, cabendo ao ente público depositar de forma antecipada o valor do bem, conforme avaliação, podendo o proprietário sacar até 80% deste valor.
A incidência dos juros compensatórios servirá, de tal sorte, para remunerar o proprietário sobre a perda de uma possível renda com a utilização do terreno em decorrência de frutos naturais ou civis. Por outro ângulo, se o imóvel não for passível de gerar renda ao proprietário, não haverá a incidência dos juros compensatórios no cômputo indenizatório na posse antecipada.
Sendo constatado o direito ao recebimento dos juros compensatórios, conforme entendimento do STF, incidirá a aplicação do percentual de 6% ao ano e serão pagos sobre a diferença entre o valor da indenização fixada na sentença e o valor levantado pelo proprietário ante o depósito antecipado de 80% pelo ente público.
Já os juros moratórios também possuem aptidão de remunerar o proprietário, mas o fato gerador de sua incidência é quando houver atraso no pagamento da indenização. Os juros moratórios são devidos no percentual de 6% ao ano e incidirão sobre a parcela principal do valor indenizatório a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte, que é o momento em que a Fazenda Pública teria disponibilidade de numerário para honrar o pagamento da indenização, por força do art. 100 da Constituição Federal.
No que toca aos ônus de sucumbência, as custas serão pagas pelo expropriante, se o expropriado aceitar o valor da oferta, contudo, caso não aceita, as custas serão pagas pelo vencido. Quanto aos honorários advocatícios, serão devidos caso o valor da condenação supere o valor incialmente ofertado em percentual que poderá variar entre 0,5% a 5%, de acordo com estabelecido na Súmula 617 do STF[6], limitando tais honorários ao patamar de R$ 151.000,00 (cento e cinquenta e um mil reais).[7]
Conclusão
Em conclusão, viu-se que no exercício de suas atribuições, o Estado acaba por intervir na propriedade de particular, transferindo compulsoriamente um determinado bem para seu patrimônio por decorrência de necessidade, utilidade pública ou interesse social.
Em que pese a Constituição preveja a garantia de indenização a ser paga ao expropriado, no objetivo de recompor plenamente a perda sofrida, que deverá se dar com o pagamento de uma quantia justa, prévia, e, como regra, em dinheiro, nem sempre é dessa forma que acontece, quer seja pelo apossamento antecipado do bem pelo ente expropriante ou pela indenização antecipada mas não justa, o que impulsiona, em qualquer caso, que o proprietário busque a guarida jurisdicional para sanar a falta de justeza no pagamento de sua indenização.
Note-se que o procedimento de desapropriação é ato complexo, especialmente no que tange ao cálculo da indenização, que por ser formada por diversos elementos e critérios devem ser apurados de maneira minudenciada e cautelosa, preferencialmente sob a ótica de um especialista no tema, de cuja análise poderá melhor conduzir o procedimento bem como perquirir pelo valor adequado a ser indenizado.
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AUTORA
Gisele Schereder. Advogada (OAB/PR nº. 100.186). Pós-graduada em Direito Constitucional pela AbdConst (Academia Brasileira de Direito Constitucional). Pós-graduada em Processo Civil pela ESA (Escola Superior da Advocacia – OAB Nacional).
Referências
[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. A desapropriação e o princípio da proporcionalidade. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 11, nº. 53, 2009, p. 4.
[2] Disponível em: https://esa.oabgo.org.br/esa/artigos-esa/direito-constitucional/a-indenizacao-na-desapropriacao-indireta-a-luz-dos-preceitos-constitucionais/ Acesso em: 30/05/2023.
[3] Sum 67 STJ. Na desapropriação, cabe atualização monetária, ainda que mais de uma vez, independente do decurso de prazo superior a um ano entre o cálculo e o efetivo pagamento da indenização”.
[4] Sum 561 STF. Em desapropriação, é devida a correção monetária até a data do efetivo pagamento da indenização, devendo proceder-se à atualização do cálculo, ainda que por mais de uma vez.
[5] Sum 12 do STJ. Em desapropriação são cumuláveis os juros moratórios e compensatórios.
[6] Sum. 617 STF. A base de cálculo dos honorários de advogado em desapropriação é a diferença entre a oferta e a indenização, corrigidas ambas monetariamente.
[7] Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/113/edicao-2/desapropriacao:-aspectos-gerais. Acesso em: 30/05/2023.