Foi sancionada a lei que permite a exploração de minérios nucleares pela iniciativa privada (Lei 14.514/2022) com 49 vetos. Proveniente de Medida Provisória (MPV 1.133/2022), o texto foi aprovado no Congresso Nacional e sancionado pela Presidência da República em dezembro/22. Entenda no artigo abaixo o que mudará com a legislação para o Setor da Mineração.
Do que trata a Lei nº. 14.514/2022?
Segundo consta na própria descrição da lei, a nova legislação dispõe sobre a empresa Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB), sobre a pesquisa, a lavra e a comercialização de minérios nucleares, de seus concentrados e derivados, e de materiais nucleares, e sobre a atividade de mineração em si. Além disso, a nova legislação também alterou alguns artigos do Decreto-Lei nº 227/1967 (Código de Mineração), conforme exposto a seguir.
Vetos presidenciais
Ao sancionar a lei, o então presidente da República Jair Bolsonaro vetou 49 pontos do texto. Entre eles, os trechos que dariam à ANM (Agência Nacional de Mineração) a competência de administrar e gerir o Fundo Nacional de Mineração, bem como os que tratavam das finalidades do fundo e da estrutura da agência, com a criação de cargos em comissão.
Também foi vetado o trecho que exigia a aprovação do Ministério de Minas e Energia para que a INB exporte materiais e minérios nucleares, concentrados e derivados. A justificativa do veto destaca que a medida dificultaria a expansão da atividade, aumentaria a burocracia e desestimularia investimentos privados no setor.
Ausência de consenso
A medida foi aprovada no Congresso no início de dezembro, mas não houve consenso em relação à matéria[2].
O senador Alessandro Vieira, do PSDB sergipano, por exemplo, defendeu mais debate sobre o tema, pois envolveria questões de segurança nacional, segurança ambiental e interesses econômicos de altíssimo quilate, uma série de questões que exige uma análise mais refletida. Já o senador Vanderlan Cardoso, do PSD de Goiás, relator da medida, argumentou que o texto foi amplamente discutido nas duas Casas.
Principais alterações
As principais alterações tratam do regime jurídico aplicável a certas situações em que empresas privadas poderão exercer atividades envolvendo o monopólio da União sobre minerais nucleares, em associação com a estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), de certa maneira, flexibilizando esse mercado.
Mas a Lei nº 14.514/2022 não resultou da mera conversão da Medida Provisória. Ao tramitar no Congresso Nacional, outros temas foram agregados, representando alterações bastante relevantes para os que atuam no setor mineral, inclusive mudanças no Código de Mineração, a exemplo do aumento para 04 (quatro) anos o prazo de validade da autorização de pesquisa sobre minérios (art. 22, inciso III, Decreto-Lei nº. 227/1967).
Veja abaixo mais algumas mudanças significativas para o setor após a sanção presidencial:
Materiais nucleares
A lei, que teve origem na Medida Provisória nº. 1.133/2022, permite que a iniciativa privada atue na extração e pesquisa de minérios nucleares.
Contudo, a INB (Indústrias Nucleares do Brasil), empresa pública vinculada ao Ministério de Minas e Energia, mantém o monopólio da produção e comercialização de materiais nucleares, como previsto na Constituição Federal (art. 21, inciso XXIII).
De toda forma, a alteração traz uma oportunidade para o Setor Mineral brasileiro. De acordo com o superintendente de Arrecadação e Fiscalização de Receitas de Agência Nacional de Mineração (ANM), Daniel Pollack[1], o Brasil tem um enorme potencial a ser explorado.
“Tem uma estimativa de que o Brasil tenha em torno de 5ª ou 6ª maior reserva de urânio. A medida também trata de outros minérios nucleares. A partir da sanção do dispositivo, o mercado privado fica apto a fazer a exploração, pesquisa e lavra desses minérios, junto com a INB. Acreditamos que pode alavancar a quantidade de investimentos, o que também gera renda e desenvolvimento para a região onde tem reserva de minérios”
Já o Serviço Geológico dos Estados Unidos assinala que o Brasil seria o segundo maior detentor de recursos de tório, representando aproximadamente 10% do potencial mundial.
Mudanças no Código de Mineração
Além da alteração do art. 22, inciso III, Decreto-Lei nº. 227/1967, que concedeu maior prazo para autorização de pesquisa, passando a ser de 04 (quatro) anos, também houve alterações nos arts. 22, incisos I, I-A, II, III, alínea a, V, § 2º, § 3º e art. 38, inciso VII.
O art. 38, VII, por exemplo, dispõe sobre o requerimento de autorização de lavra, que deverá ser instruído com “declaração de disponibilidade de recursos”. Antes, a legislação previa “prova de disponibilidade de fundos” no lugar da declaração, trazendo menor burocracia para o assunto. A declaração, ainda que seja regulada por uma futura resolução da ANM, é um documento mais amplo e possivelmente não terá a necessidade de ser emitido por instituição bancária.
Por sua vez, o art.92-A trouxe importante alteração no Código de Mineração, porque aumenta a abrangência e possibilidade de distintos tipos de direitos minerários que sirvam como garantia real em operações de financiamento.
Ou seja, a legislação permite os títulos e o direitos de pesquisa e lavra, desde a fase de alvará de autorização de pesquisa até a fase de concessão de lavra, possam ser oferecidos como garantias para a permissão de lavra garimpeira e o título de licenciamento.
Além de permitir que tais títulos e direitos minerários sejam onerados e oferecidos em garantia, o art. 92-A, incluído pela nova legislação, prevê que a ANM deverá averbar esses procedimentos, conferindo segurança aos agentes financiadores. Veja-se, in verbis:
Art. 92-A. Os títulos e direitos minerários, inclusive o alvará de autorização de pesquisa, a concessão de lavra, o licenciamento, a permissão de lavra garimpeira, bem como o direito persistente após a vigência da autorização de pesquisa e antes da outorga da concessão de lavra, reconhecido com base neste Código, podem ser onerados e oferecidos em garantia. (Incluído pela Lei nº 14.514, de 2022)
Parágrafo único. O órgão regulador da atividade minerária, em consonância com o disposto no inciso XXXI do caput do art. 2º da Lei nº 13.575, de 26 de dezembro de 2017, efetuará as averbações decorrentes do uso previsto no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.514, de 2022)
Com essa alteração, projetos que ainda estão em estágios iniciais terão acesso facilitado a financiamentos, já que a garantia real sobre os direitos minerários que representam o projeto é frequentemente exigida pelo financiador e eventual impossibilidade ou dificuldade dessa garantia limitava e onerava as operações.
Outras alterações
Além do exposto podemos elencar a mudança na renúncia à autorização de pesquisa (art. 22, inciso II, § 3º), no qual passou a ser admitida a possibilidade de dispensa excepcional de relatório dos trabalhos realizados, este que vigora com a seguinte nova redação:
II – a renúncia total ou parcial à autorização é admitida, sem prejuízo do cumprimento, pelo titular, das obrigações decorrentes deste Código, observado o disposto na parte final do inciso V deste caput, tornando-se operante o efeito da extinção do título autorizativo na data da protocolização do instrumento de renúncia, com a desoneração da área, na forma do art. 26 deste Código; (…)
3º Na hipótese de renúncia à autorização de que trata o inciso II do caput deste artigo, excepcionalmente poderá ser dispensada a apresentação do relatório de que trata o inciso V do caput deste artigo, conforme critérios fixados pela ANM.”
Ademais, também excepcionalmente, restou permitida a extração de substâncias minerais em área titulada, antes da outorga da concessão de lavra, mediante prévia autorização da ANM, observada a legislação ambiental pertinente.
Entre as atribuições da ANM, foi determinada a instituição do cadastro nacional de estruturas de mineração (art. 21, § 16):
§ 16. A ANM deverá instituir e gerir o cadastro nacional de estruturas de mineração, que registrará as pilhas de estéril, as barragens de rejeitos e as instalações de beneficiamento de substâncias minerais, bem como as demais instalações previstas no plano de aproveitamento econômico.
A ANM já administra o sistema de gestão de barragens de mineração, mas agora terá de registrar também os itens grifados acima.
Conclusão
Conforme exposto, a Lei nº. 14.514/2022 concebeu mudanças importantes no cenário da mineração brasileira, permitindo que empresas privadas exerçam atividades de lavra e pesquisa de minerais em condições determinadas, além de alterações normativas que auxiliam o desenvolvimento do setor, seja na pesquisa, acesso a recursos ou flexibilização do monopólio da União sobre minerais nucleares.
AUTORES
Antonio Neiva de Macedo Neto. Advogado (OAB/PR sob nº. 55.082) e sócio do Barioni & Macedo Sociedade de Advogados. Pós-graduado em Direito Processual Civil Contemporâneo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).
Clarice de Camargo Ibañez. Advogada (OAB/PR sob o nº. 110.008). Mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Gisele Barioni de Macedo. Advogada (OAB/PR nº. 57.136) e sócia do Barioni & Macedo Sociedade de Advogados. Pós-graduada em Direito e Processo Tributário pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Pós-graduada em Direito Processual Civil Contemporâneo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).
Referências
[1] TELES, Bruno. Após parcerias com iniciativas privadas, a INB pretende explorar urânio para a sua mineração. O Monopólio do mineral foi mantido e a estatal conseguiu um pouco mais de autonomia orçamentária. 19 de janeiro de 2023. Disponível em: <https://clickpetroleoegas.com.br/apos-parcerias-com-iniciativas-privadas-a-inb-pretende-explorar-uranio-para-a-sua-mineracao-o-monopolio-do-mineral-foi-mantido-e-a-estatal-conseguiu-um-pouco-mais-de-autonomia-orcamentaria/> Acesso em 27 jan 2023.
[2] BORGES, Iara Faria. Lei que permite extração privada de minérios nucleares é sancionada. 01 de janeiro de 2023. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2023/01/04/lei-que-permite-extracao-privada-de-minerios-nucleares-e-sancionada> Acesso em 27 jan 2023.