A globalização impulsionou o surgimento de diversas atividades econômicas voltadas para a produção em larga escala e, como consequência, para o aumento do consumo. Todos os setores foram afetados, incluindo o da construção civil. Em geral, o comprador se envolve na aquisição de um imóvel ainda em fase de construção, o que, à primeira vista, parece ser uma excelente oportunidade, muitas vezes bastante atrativa sob o aspecto econômico.
Os problemas mais frequentes que chegam ao Judiciário estão relacionados à entrega de imóveis vendidos na planta, abordando questões contratuais em que o imóvel é o objeto principal. Esse tipo de negociação, voltada para fins de comercialização, é regulamentado pelas disposições do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Diante disso, surge a possibilidade de reparação de danos, amparada pela legislação e entendimento jurisprudencial já consolidado em tribunais, com o intuito de proteger o consumidor e responsabilizar a construtora.
Neste artigo, será abordado as principais questões jurídicas e práticas envolvidas na reparação de danos por atraso de obra.
O Fundamento Legal da Reparação de Danos
A responsabilidade do construtor é consequência do contrato de empreitada, no qual, uma das partes, no caso o empreiteiro, está obrigada a realizar uma obra através de terceiros ou mesmo pessoalmente, pela qual irá perceber uma remuneração que é paga pelo proprietário da obra.
A obrigação proveniente de tal contrato é a de resultado, onde a obrigação principal é executar a obra, conforme pactuado no ato da contratação.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), estabelece um conjunto de normas que protege o consumidor nas relações contratuais, inclusive na aquisição de imóveis. Segundo o artigo 51 do CDC, são consideradas nulas as cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem excessiva ou que permitam ao fornecedor de produtos e serviços alterar unilateralmente as condições do contrato. No caso de atraso na entrega do imóvel, é de entendimento pacificado que se aplica o CDC, garantindo ao consumidor o direito à reparação.
Além do CDC, o Código Civil brasileiro também aborda a responsabilidade civil contratual. Segundo o artigo 389 do Código Civil, o devedor que não cumpre uma obrigação responde pelos prejuízos causados, o que inclui o pagamento de juros e outras perdas e danos. Assim, em caso de descumprimento do prazo de entrega da obra, a construtora pode ser responsabilizada.
Além das normativas anteriores, pode-se citar como principal marco legal a Lei do Distrato Imobiliário, Lei nº 13.786/18. Nela, o prazo de tolerância para atrasos na entrega de obras é de até 180 dias corridos. Se esse limite for ultrapassado, o consumidor possui o direito de rescindir o contrato e solicitar o reembolso completo dos valores já pagos.
Nesse patamar, o vendedor precisa fixar um prazo para a edificação do prédio contando com a possibilidade de imprevistos durante a obra, com intuito de assegurar ao consumidor a entrega do produto em tempo hábil e demonstrando a boa-fé objetiva da empresa. Sendo assim, adota-se a teoria do risco do empreendimento, defendida por Sérgio Cavalieri Filho[1], com a qual “todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa”.
É essencial que esse prazo esteja especificado de forma transparente e objetiva no contrato, permitindo que o consumidor tenha clareza sobre o tempo de espera. Entre os principais fatores que frequentemente provocam atrasos em obras estão: condições climáticas adversas; falta de materiais; limitações financeiras; entre outros[2].
Modalidades de Danos Passíveis de Reparação
Em razão do atraso na entrega da obra, o consumidor pode pleitear a reparação de diferentes tipos de danos, que podem ser classificados em danos patrimoniais e danos extrapatrimoniais.
a) Danos patrimoniais
Os danos patrimoniais referem-se a prejuízos de ordem econômica efetivamente suportados pelo consumidor devido ao atraso. Entre os danos materiais mais comuns estão:
- Aluguel de Moradia Temporária: Se o consumidor precisou continuar alugando um imóvel enquanto aguardava a entrega do imóvel adquirido, ele pode pleitear o ressarcimento das despesas com aluguel.
- Perda de Receita: Em casos onde o imóvel adquirido seria utilizado para fins comerciais, a construtora pode ser obrigada a indenizar o comprador pela receita que ele deixou de ganhar devido ao atraso.
- Correção Monetária e Juros: O valor pago pelo imóvel na planta deve ser corrigido, de forma que o consumidor não sofra prejuízo pelo atraso.
b) Danos extrapatrimoniais
O dano extrapatrimonial decorre do abalo emocional e dos transtornos sofridos pelo consumidor em razão do atraso. A jurisprudência brasileira tem reconhecido que o atraso na entrega de imóvel gera frustração, angústia e insegurança, justificando a concessão de indenização por danos morais. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento de que, em casos onde o atraso ultrapassa limites razoáveis, a construtora deve indenizar o comprador por danos morais.
Nesse sentido, destaca-se o seguinte precedente no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS E PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA HIPÓTESE DE CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR. IMPOSSIBILIDADE. PARALIZAÇÃO DAS OBRAS POR POUCO MAIS DE UM MÊS. LUCROS CESSANTES. CABIMENTO. INDENIZAÇÃO DEVE TER COMO PARÂMETRO O VALOR LOCATÍCIO MÉDIO DE MERCADO, A SER AFERIDO EM SEDE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. CONDENAÇÃO POR MULTA CONTRATUAL. DECISÃO EXTRAPETITA. SENTENÇA REFORMADA NESSE PONTO. DANOS MORAIS. DEVIDO. VALOR FIXADO EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CÂMARA EM CASO SEMELHANTE (R$10.000,00). SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJPR – 4ª Câmara Cível – 0001899-77.2021.8.16.0001 – Curitiba – Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU MÁRCIO JOSÉ TOKARS – J. 18.03.2023)
[Grifos acrescidos]
Prazos e Multa por Atraso na Obra
O Código Civil trata da multa por atraso no cumprimento da prestação em seus artigos 408 e 409. A cláusula penal é obrigação acessória com previsão no contrato firmado entre as partes, portanto, também, precisa ser cumprida.
Quando comprovada a negligência do vendedor, que por suas ações e omissões afeta a moral do comprador e causa perturbações em sua vida privada, torna-se viável buscar uma indenização por danos morais, além do ressarcimento material. Isso visa reparar os transtornos e a insatisfação ocasionados ao adquirente pelo ocorrido.
Jurisprudência sobre a Reparação de Danos por Atraso de Obra
Diversos julgados do STJ e dos Tribunais de Justiça estaduais reforçam o entendimento de que o atraso na entrega de imóvel gera direito à indenização por danos materiais e morais. Um exemplo significativo é o Recurso Especial (REsp) nº 1.498.484, em que o STJ estabeleceu que a construtora responde pelo pagamento de aluguéis durante o período de mora, em caso de atraso na entrega do imóvel.
Além disso, a Súmula 543 do STJ determinou que é abusiva a retenção de valores pagos pelo comprador em caso de rescisão contratual por culpa exclusiva da construtora, o que reafirma o direito do consumidor de reaver o que pagou e de ser compensado pelos prejuízos do atraso.
Causas Justificáveis para o Atraso
Embora a responsabilidade da construtora seja objetiva, a legislação e a jurisprudência reconhecem algumas exceções. Em casos onde o atraso é causado por força maior ou caso fortuito, como desastres naturais, a construtora pode não ser responsabilizada. No entanto, é fundamental que a empresa demonstre que tomou todas as medidas possíveis para evitar o atraso e que o evento foi imprevisível e inevitável.
Procedimentos para Solicitação de Reparação
Para solicitar a reparação de danos por atraso na obra, o consumidor deve seguir alguns passos:
- Documentação: Reúna todos os documentos que comprovem o atraso, como o contrato, aditivos e notificações.
- Negociação Extrajudicial: Antes de acionar a Justiça, recomenda-se que o consumidor tente uma negociação amigável com a construtora. Em muitos casos, a empresa se dispõe a negociar a indenização de forma extrajudicial.
- Ação Judicial: Caso a negociação não seja bem-sucedida, o consumidor pode ingressar com uma ação judicial pleiteando os danos materiais e morais. A ação pode ser movida no Juizado Especial Cível, se o valor da causa for inferior a 40 salários mínimos, ou na Justiça Comum, se exceder esse limite.
Considerações Finais e Recomendações Práticas
Para evitar problemas com atraso de obras e a necessidade de solicitar reparação, tanto consumidores quanto construtoras devem adotar práticas que reduzam os riscos e tornem os contratos mais seguros. Algumas recomendações incluem:
- Análise do Histórico da Construtora: O consumidor deve verificar a reputação e o histórico de pontualidade da construtora antes de fechar o contrato.
- Cláusulas Claras: A construtora deve garantir que o contrato contenha cláusulas claras sobre prazo de entrega, tolerância e multa, evitando interpretações dúbias.
- Registro do Imóvel e Patrimônio de Afetação: O registro do imóvel em nome do comprador e a utilização de patrimônio de afetação (lei nº 10.931/2004) ajudam a proteger o consumidor contra eventuais problemas financeiros da construtora.
Conclusão
Conclui-se que, em caso de atraso na entrega do imóvel, a construtora deve ressarcir o comprador pelos lucros cessantes, compensando os prejuízos econômicos causados. A multa por atraso e a indenização por lucros cessantes podem ser cumulativas, já que resultam de diferentes aspectos: o descumprimento do prazo e a perda de uso do bem. O cálculo dos lucros cessantes deve considerar o aluguel ou o rendimento que o comprador deixou de obter, tomando como base valores de mercado para um imóvel semelhante.
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Autor
Carlos Eduardo Melo Bonilha. Advogado (OAB/PR nº. 115.107). Pós-graduando em Direito Processual Civil pela ESA/SP. Pós graduando em MBA executivo em Gestão e Business Law pela FGV. Membro da comissão de Direito Processual Civil da OAB/PR.
Referências:
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.81.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. Vol 7. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
DUQUE, Bruna Lyra. Promessa de Compra e Venda, uma Análise Civil e Consumerista. São Paulo: RT, 2012, p.151-166
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004
[1] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.81.
[2] DUQUE, Bruna Lyra. Promessa de Compra e Venda, uma Análise Civil e Consumerista. São Paulo: RT, 2012, p.151-166