O Prazo de Prescrição Para Pleitear a Repetição de Indébito tributário Via Mandado de Segurança: Aspectos Jurídicos e Controvérsias

O sistema tributário brasileiro é marcado por elevada complexidade normativa, o que frequentemente conduz os contribuintes à realização de pagamentos indevidos ou excessivos de tributos. Nesses casos, é assegurado o direito à restituição dos valores pagos indevidamente, seja pela via judicial ou administrativa. Contudo, a escolha do instrumento processual adequado, bem como a correta observância dos prazos prescricionais e decadenciais aplicáveis, é determinante para o êxito da demanda.

O presente artigo se propõe a analisar os contornos jurídicos relacionados ao prazo de prescrição nos pedidos de repetição de indébito tributário manejados por meio de mandado de segurança, especialmente no que se refere à distinção entre a aplicação do prazo quinquenal previsto no artigo 168 do Código Tributário Nacional (CTN) e o prazo decadencial de 120 dias do artigo 23 da Lei 12.016/2009.

 

A Repetição de Indébito Tributário: Conceito e Fundamentação Legal

 

A repetição de indébito consiste no direito do contribuinte de reaver valores indevidamente recolhidos ao fisco, seja por erro de fato, erro de direito, ou em decorrência da declaração de inconstitucionalidade de norma tributária. A previsão legal encontra-se no artigo 165 do CTN, que dispõe que o contribuinte tem direito à restituição total ou parcial do tributo pago indevidamente.

Conforme o artigo 168 do CTN, o prazo para pleitear essa restituição é de cinco anos, contados:

 

I – da data da extinção do crédito tributário;

II – da homologação tácita, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação.

 

Portanto, a depender do tipo de tributo e da forma de lançamento, o marco inicial do prazo prescricional pode variar, sendo imprescindível a correta identificação do fato gerador e da data de extinção do crédito para não incorrer em perda do direito.

Além disso, é importante destacar que a repetição do indébito pode ser pleiteada tanto na via administrativa quanto judicial, a depender da natureza da cobrança e da postura da administração tributária. Na esfera administrativa, o pedido de restituição é direcionado ao próprio fisco, sendo geralmente mais célere, mas limitado às hipóteses em que não há controvérsia relevante sobre o direito creditício.

Já na via judicial, o contribuinte pode optar pela ação de repetição de indébito ou pelo mandado de segurança, conforme o caso, principalmente quando há resistência da Fazenda Pública ou necessidade de reconhecimento prévio da ilegalidade ou inconstitucionalidade da exação.

A escolha da via adequada e o respeito aos prazos legais são fundamentais para a efetiva tutela do direito creditório.

 

O Mandado de Segurança como Instrumento para Repetição de Indébito Tributário

 

O mandado de segurança é uma ação constitucional, de rito especial, prevista no art. 5º, inciso LXIX da Constituição Federal e regulamentada pela Lei nº 12.016/2009. Seu objetivo é proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando houver ilegalidade ou abuso de poder por parte de autoridade pública.

Embora o mandado de segurança não seja, em tese, substitutivo de ação de cobrança, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento no sentido de que é cabível a utilização do MS para reconhecer o direito à compensação tributária, desde que haja prova pré-constituída do pagamento indevido.

Nesse sentido, foi editada a Súmula 213 do STJ:

“O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária.”

Contudo, é importante frisar que o MS não se presta à devolução pecuniária dos valores pagos, mas apenas à declaração do direito à compensação, conforme fixado no REsp 1.111.164/BA (Tema 118/STJ).

A utilização do mandado de segurança em matéria tributária revela-se particularmente eficaz quando o contribuinte busca apenas o reconhecimento do seu direito à compensação, sem necessidade de devolução direta em dinheiro. Isso ocorre com frequência em casos em que o tributo foi recolhido com base em norma posteriormente declarada inconstitucional, situação em que o contribuinte detém direito líquido e certo à restituição, mas a resistência da autoridade fiscal impede o exercício espontâneo desse direito na via administrativa.

Nessas hipóteses, o mandamus mostra-se como instrumento célere e eficaz, desde que instruído com documentação suficiente para demonstrar a existência do pagamento indevido e o vínculo entre o contribuinte e a obrigação tributária questionada.

A exigência de prova pré-constituída, por sua vez, exige do impetrante atenção redobrada na reunião de documentos fiscais, guias de recolhimento e demonstrações contábeis que comprovem, de forma inequívoca, a existência do crédito tributário a ser compensado.

 

Controvérsias em Torno da Prescrição: 120 dias ou 5 anos?

 

Um dos pontos mais debatidos na prática tributária é a definição do prazo prescricional para o ajuizamento do MS com o objetivo de obter a repetição de indébito tributário. A dúvida reside na aplicação do prazo de 120 dias, previsto no art. 23 da Lei 12.016/2009, ou do prazo de 5 anos, previsto no art. 168 do CTN.

O prazo de 120 dias aplica-se aos mandados de segurança que visam impugnar atos administrativos concretos, como autuações fiscais, exclusão de programas de parcelamento, indeferimentos de pedidos administrativos, entre outros. Nessas situações, o termo inicial do prazo é a ciência do ato impugnado pelo contribuinte.

Por outro lado, quando se trata de repetição de indébito tributário decorrente de tributos pagos indevidamente ao longo do tempo, especialmente quando fundada na inconstitucionalidade de norma legal, não há ato específico a ser impugnado.

Nesses casos, a jurisprudência entende que se aplica o prazo de cinco anos do CTN, contados do momento da homologação tácita do pagamento (no caso de lançamento por homologação).

Esse entendimento tem como base o raciocínio de que o MS, nesse contexto, não está impugnando um ato administrativo, mas sim a própria exação tributária indevida, que se renova a cada pagamento. Como não há ato com data certa, não se cogita aplicar o prazo de 120 dias da Lei do MS.

 

Prescrição na Repetição de Indébito de Tributos de Trato Continuado

 

No direito tributário, especialmente para tributos pagos periodicamente, como PIS, COFINS, ICMS e IRPJ, cada pagamento indevido constitui um crédito autônomo para fins de prescrição.

Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça adota o entendimento de que o prazo para pleitear a repetição ou compensação desses valores é de cinco anos, contados a partir do pagamento indevido ou da homologação tácita, conforme o artigo 168 do Código Tributário Nacional.

Historicamente, porém, até a vigência da Lei Complementar nº 118/2005, o prazo prescricional aplicável era diferente, conhecido como a regra dos “cinco mais cinco”: o contribuinte dispunha de até cinco anos para pagar o tributo, e mais cinco anos para pleitear a restituição, totalizando um prazo de até dez anos para a repetição do indébito.

Com a entrada em vigor da LC 118/2005, o prazo foi unificado para cinco anos a partir do pagamento indevido, trazendo mais segurança jurídica e previsibilidade para as partes.

Assim, o contribuinte que ingressar com ação judicial em 2024 poderá discutir judicialmente apenas os tributos pagos indevidamente a partir de 2019.

Esse entendimento limita a discussão tributária a um período razoável, evitando que créditos tributários sejam discutidos indefinidamente, ao mesmo tempo em que assegura o direito do contribuinte à restituição dos valores pagos a maior dentro do prazo legal.

 

Conclusão

 

A distinção entre o prazo de 120 dias previsto na Lei do Mandado de Segurança e o prazo de 5 anos do Código Tributário Nacional é essencial para a correta formulação de estratégias de recuperação tributária. Quando se pretende impugnar um ato administrativo específico, o prazo é curto e restrito — 120 dias.

Já nos casos de repetição de indébito tributário, sobretudo os fundados em pagamentos indevidos realizados reiteradamente, o entendimento consolidado é que o prazo aplicável é o quinquenal do artigo 168 do CTN.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consolidada por meio do Tema 118 e da Súmula 213, reforça a viabilidade do mandado de segurança como via adequada para o reconhecimento do direito à compensação tributária, desde que respeitado o prazo prescricional de cinco anos.

Mais do que uma discussão teórica, o tema apresenta impactos diretos na estratégia processual e na efetividade da tutela jurisdicional buscada nas lides tributárias.

Se você, contribuinte, está diante da possibilidade de reaver tributos pagos indevidamente — seja por erro, por aplicação de norma inconstitucional ou por interpretação equivocada da autoridade fiscal — é essencial compreender qual é o prazo prescricional aplicável à sua demanda.

Por isso, contar com assessoria jurídica especializada em tributação e recuperação de crédito não é apenas recomendável: é indispensável para garantir a segurança jurídica da estratégia adotada, evitar a decadência do direito e aumentar as chances de êxito na restituição de valores pagos indevidamente. Afinal, muito mais que uma discussão teórica, trata-se da efetividade do direito do contribuinte e da proteção de seu patrimônio.

 

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Giovana Ribeiro. Advogada (OAB/PR nº. 115.485). Pós-graduada em Processo Civil pelo Centro Universitário Internacional – UNINTER. Bacharel em Direito pela UNIOPET – Centro Universitário Opet.

 

Referências:

 

  1. Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966)
  2. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
  3. Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009 – Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências.
  4. https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=118&cod_tema_final=118
  5. https://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2011_16_capSumula213.pdf
  6. Lei Complementar Nº 118, de 9 de fevereiro de 2005 – Altera e acrescenta dispositivos à Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, e dispõe sobre a interpretação do inciso I do art. 168 da mesma Lei.

 

 

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