Já explicamos em artigo anterior o que é insolvência civil. Nesse artigo, portanto, nos ateremos a explicar sobre interdição e curatela e sua relação com a insolvência civil quando se trata de indivíduo pródigo.
Importante ressaltar, desde já, que a melhor solução, em análise ao caso concreto, poderá ser fornecida por advogado especialista em Direito Sucessório e que a assessoria jurídica nesse sentido é essencial.
O que é interdição?
A interdição, procedimento judicial previsto nos arts. 747 e seguintes do Código de Processo Civil, ocorre quando evidenciada incapacidade de uma pessoa para os atos comuns da vida civil e do cotidiano.
A incapacidade civil está insculpida nos arts. 3º a 5º do Código Civil. No art. 4º do Código Civil consta que são relativamente incapazes: os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; os ébrios habituais (alcoólatras) e os viciados em tóxico; aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade (ex: doença grave em estágio avançado, etc); e os pródigos (aquele que dilapida seus bens de forma compulsiva).
Importante salientar que a interdição (procedimento judicial) gera a curatela, esta segunda que é a nomeação de um curador para auxiliar o curatelado/interditado.
Quem está sujeito à interdição e posterior curatela?
O art. 1.767 do Código Civil prevê que estão sujeitos à curatela (consequência da interdição): a) aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade (art. 1.767, inciso I, CC); b) os ébrios habituais e os viciados em tóxico (art. 1.767, inciso III, CC); e c) os pródigos (art. 1.767, inciso V, CC).
Importante destacar que com o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº. 13.146/2015), o princípio da dignidade da pessoa humana foi homenageado, de forma que a pessoa com deficiência não é mais considerada como incapaz, sendo aí ampliado o conceito de capacidade civil, com reflexos significativos no instituto da curatela.
Quem pode promover a interdição de uma pessoa?
O procedimento pode ser promovido pelo cônjuge ou companheiro (art. 747, inc. I, CPC), pelos parentes ou tutores (art. 747, inc. II, CPC), pelo representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando (art. 747, inc. III, CPC) ou pelo Ministério Público (art. 747, inc. IV, CPC), com documentação comprobatória de tal vínculo e legitimidade ativa.
Ainda, cumpre destacar que somente será promovida a interdição pelo Ministério Público se as pessoas designadas nos incisos I, II e III do art. 747 não existirem ou não promoverem a interdição (art. 748, inc. I, CPC) ou se, existindo, forem incapazes (art. 748, inc. II, CPC).
Como é feito o pedido de interdição?
Deve ser realizado por meio de um advogado na via judicial.
Na petição inicial, o(s) autor(es) indicarão especificamente os fatos que demonstram a incapacidade do interditando para administrar seus bens e, se for o caso, para praticar atos da vida civil, bem como o momento em que a incapacidade se revelou (art. 749, CPC).
Ainda, deverá ser juntado, na oportunidade, o respectivo laudo médico, se for o caso de doença, para fazer prova de suas alegações (art. 750, CPC).
Existe possibilidade de defesa na interdição judicial?
Após ajuizado o processo de interdição, o interditando será citado para entrevista com juiz, na qual serão esclarecidos alguns pontos acerca de sua vida, negócios, bens, vontades, preferências, laços familiares e afetivos, além de demais informações que sejam necessárias para se averiguar sua capacidade para praticar atos da vida civil (art. 751, CPC). Também poderão ser ouvidos familiares ou pessoas próximas (art. 751, § 4º, CPC).
O interditando poderá apresentar defesa (impugnação ao pedido de interdição), bem como constituir advogado para representar seus interesses (art. 752, CPC). Caso não o faça, será nomeado curador especial para representá-lo (art. 752, § 2º, CPC), podendo seu cônjuge/companheiro ou qualquer parente sucessível intervir como assistente (art. 752, § 3º, CPC).
Poderá o juiz nomear curador provisório, em caráter liminar?
Se houver urgência, nesse ínterim, o juiz pode nomear curador provisório ao interditando para a prática de determinados atos (art. 749, parágrafo único, CPC).
Todavia, como o dispositivo referenciado menciona, deverá ficar evidenciada a urgência da medida, com fulcro no art. 300, CPC (probabilidade do direito, perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo).
Que tipos de provas podem ser produzidas na interdição judicial?
Além de toda documentação que deve acompanhar a petição inicial, como laudo médico, por exemplo, bem como a entrevista do juiz com o interditando e eventuais familiares e/ou amigos próximos, será determinada produção de prova pericial para avaliação da capacidade do interditando para praticar atos da vida civil perícia (art. 753, CPC).
Ademais, pode ser produzida prova testemunhal, documental e o que mais for pertinente, conforme permite o
art. 754, CPC. Após tal produção probatória, será proferida a sentença (decisão) sobre a interdição, definindo um curador responsável pelo interditando.
Quem pode ser nomeado curador?
egundo art. 1.775 do Código Civil, é direito do(a) cônjuge ou companheiro(a) ser curador(a) do(a) interdito(a).
Todavia, na falta do cônjuge ou companheiro, é curador legítimo o pai ou a mãe; na falta destes, o descendente que se demonstrar mais apto (art. 1.775, § 1º, CC) e, entre os descendentes, os mais próximos em detrimento dos mais remotos (art. 1.775, § 2º, CC).
Se não houver nenhum familiar ou cônjuge, competirá ao juiz escolher o curador mais apropriado (art. 1.775, § 3º, CC), podendo também estabelecer curatela compartilhada a mais de uma pessoa quando se tratar de curatelado com deficiência (art. 1.775-A, CC).
Destaca-se que a interdição do pródigo só o privará de emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração (art. 1.782, CC).
Quais as consequências da decretação de interdição sobre alguém?
Se o juiz decretar a interdição da pessoa, ele nomeará um curador, que será responsável pela administração dos bens ou quaisquer que sejam os limites da curatela, segundo o estado e o desenvolvimento mental do interdito (art. 755, inc. I, CPC).
Na decisão, deverão ser consideradas as características pessoais do interdito, observando suas potencialidades, habilidades, vontades e preferências (art. 755, inc. II, CPC).
O curador, inclusive, poderá ser o próprio requerente da interdição ou a pessoa que melhor possa atender aos interesses do curatelado (art. 755, § 1º, CPC).
A sentença de interdição, ao final, deverá será inscrita no registro de pessoas naturais e imediatamente publicada no site do tribunal a que estiver vinculado o juízo e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), constando do edital os nomes do interdito e do curador, a causa da interdição, os limites da curatela e, não sendo total a interdição, os atos que o interdito poderá praticar autonomamente (art. 755, § 3º, CPC).
Quais as responsabilidade do(a) curador(a)?
Se o curador for o cônjuge o regime de bens do casamento for de comunhão universal, não será obrigado à prestação de contas, salvo determinação judicial (art. 1.763, CC).
Do contrário, deverá o curador, por exemplo, prestar contas em juízo, a fim de evitar a dilapidação de patrimônio do curatelado ou eventuais prejuízos que possam ocorrer. Todavia, os limites e especificações exatas das responsabilidades do curador serão definidas pelo juiz, a depender da análise do caso concreto e necessidades do curatelado.
O que acontece se o interditado tiver pessoa incapaz sob sua guarda e responsabilidade?
Se houver, no momento da interdição, pessoa incapaz (menor de 16 anos) sob a guarda e a responsabilidade do interdito, o juiz atribuirá a curatela a quem melhor puder atender aos interesses do interdito e do incapaz (art. 755, § 2º, CPC).
Ou seja, o juiz deverá levar em conta, também, as necessidades e interesses do incapaz (menor de 16 anos).
É possível alterar a interdição/curatela após a sentença?
Sim. Ocorrendo mudança fática do caso concreto, como, por exemplo, recuperação do estado de saúde do interditado, é possível requerer ao juízo a extinção da interdição (“levantamento da curatela”). Isso porque terá cessado, então, a causa que da interdição em si.
O que é a curatela?
A curatela é consequência do processo de interdição. Ou seja, a curatela é, em suma, a responsabilidade da pessoa que deverá zelar, guardar e proteger o patrimônio da pessoa interditada.
Ou seja, ocorre após a interdição.
E a tomada de decisão apoiada?
Embora não seja o foco do presente artigo, importante mencionar sobre a tomada de decisão apoiada, prevista no art. 1.783-A, do Código Civil.
Nesta modalidade, a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas ido?neas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informaço?es necessários para que possa exercer sua capacidade.
Quais os efeitos da insolvência civil?
Conforme mencionado em artigo anterior, o foco da Insolvência Civil são as pessoas físicas quando as dívidas superam a capacidade de pagamento (art. 748, CPC/73).
Quando há a declaração de insolvência pelo juiz, por meio da Ação de Insolvência, as dívidas do devedor terão os vencimentos antecipados, perdendo este, aliás, o direito de administrar e dispor de seus bens, sendo estes últimos arrecadados pelo Estado e, por fim, formalizando-os em uma execução universal (art. 751, CPC/73).
A declaração de insolvência, portanto, gerará a arrecadação de todos os seus bens suscetíveis de penhora, quer os atuais, quer os adquiridos no curso do processo (art. 751, inc. II, CPC/73) e a execução por concurso universal dos seus credores (art. 751, inc. III, CPC/73).
É como se fosse uma “falência” de uma pessoa física, não empresária. Na insolvência civil, similarmente quando da falência em empresas, portanto, será estabelecida a ordem de prioridade de pagamento.
Por conseguinte, restando insolvente, o devedor perde o direito de administrar os seus bens e de dispor deles, até a liquidação total da massa.
Insolvência Civil ou Interdição/Curatela: Qual a Melhor Saída para Pródigos?
Conforme acima exposto, pródigo é aquele que dilapida seus bens de forma descontrolada. Pródigo é “a pessoa que gasta imoderadamente seu dinheiro e seus bens, comprometendo o seu patrimônio. Por esse motivo, os pródigos são considerados relativamente incapazes e, portanto, podem ser interditados judicialmente”[1].
Segundo a doutrina[2], pródigo é aquele que “dissipa, malbarata e desperdiça o que é seu”.
Assim sendo, verificando-se que um indivíduo enquadra-se na situação de pródigo, a melhor medida a ser tomada é, inicialmente a interdição, porque, se deferida, evitará que o interditando continue a dilapidar seu patrimônio.
Todavia, se já houve boa parte de comprometimento do patrimônio e há execuções em curso, o próprio devedor pródigo – eventualmente representado por seu curador – poderá requerer a declaração de insolvência (arts. 753, inciso II e 759, CPC/73). A insolvência civil também poderá ser requerida pelos credores (arts. 754 a 758, CPC/73) ou pelo espólio, em caso de falecimento do devedor (art. 759, CPC/73).
Na insolvência civil, a massa dos bens do devedor insolvente ficará sob a custódia e responsabilidade de um administrador, que exercerá as suas atribuições, sob a direção e superintendência do juiz (art. 763, CPC/73). Este administrador terá direito, inclusive, a uma remuneração, que o juiz arbitrará, atendendo à sua diligência, ao trabalho, à responsabilidade da função e à importância da massa (art. 767, CPC/73).
Portanto, a insolvência civil é uma opção segura quando se trata de uma grande monta de patrimônio e/ou dívidas, tendo em vista que o administrador deverá, de acordo com art. 766, CPC/73: a) arrecadar todos os bens do devedor, onde quer que estejam, requerendo para esse fim as medidas judiciais necessárias; b) representar a massa, ativa e passivamente, contratando advogado, cujos honorários serão previamente ajustados e submetidos à aprovação judicial; c) praticar todos os atos conservatórios de direitos e de ações, bem como promover a cobrança das dívidas ativas; e d) alienar em praça ou em leilão, com autorização judicial, os bens da massa.
Ou seja, há todo um procedimento previsto para administração de bens do insolvente, previstos no Código de Processo Civil de 1973, que foram mantidas pelo Novo CPC (art. 1.052, NCPC).
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AUTORES
Antonio Neiva de Macedo Neto. Advogado (OAB/PR sob nº. 55.082) e sócio do Barioni & Macedo Sociedade de Advogados. Pós-graduado em Direito Processual Civil Contemporâneo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).
Clarice de Camargo Ibañez. Advogada (OAB/PR sob o nº. 110.008). Mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Gisele Barioni de Macedo. Advogada (OAB/PR nº. 57.136) e sócia do Barioni & Macedo Sociedade de Advogados. Pós-graduada em Direito e Processo Tributário pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Pós-graduada em Direito Processual Civil Contemporâneo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).
REFERÊNCIAS
[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Sinopses Jurídicas – Direito Civil: Parte Geral. 10ª ed. v. I, São Paulo: Saraiva, 2003. Disponível em: <https://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/825/Prodigo#:~:text=%C3%89%20aquele%20que%20dilapida%20seus,portanto%2C%20podem%20ser%20interditados%20judicialmente.> Acesso em 06 set 2022.
[2] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 11ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2014. P. 2039.