Incidência Tributária sobre Criptomoedas

Em artigo anterior, já explicamos um pouco sobre o metaverso e a sua relação com o âmbito jurídico brasileiro. O presente artigo, por sua vez, pretende explicar um pouco sobre as criptomoedas – desenvolvidas a partir do meio digital e internet – e, ao final, indicar possíveis desafios relativos ao ordenamento jurídico, especialmente na esfera tributária.

O que são criptomoedas?

Uma criptomoeda é uma modalidade de dinheiro digital, sem que seja emitida por um país específico, como é o caso das moedas nacionais[1].

Por mais que pareçam ser voláteis e inseguras, as criptomoedas são, em regra, criadas em uma rede blockchain a partir de sistemas avançados de criptografia que protegem as transações, suas informações e os dados de quem transaciona[2], conforme definição abaixo[3]:

Criptomoeda, ou moeda criptografada, é um ativo digital denominado na própria unidade de conta que é emitido e transacionado de modo descentralizado, independente de registro ou validação por parte de intermediários centrais, com validade e integridade de dados assegurada por tecnologia criptográfica e de consenso em rede.

Para compreender como uma criptomoeda funciona, é imprescindível entender estes conceitos acima delineados, especialmente blockchain e criptografia, explicitados a seguir.

O que é Blockchain?

Blockchain é um sistema que permite o envio e o recebimento de alguns tipos de informação pela internet, como “pedaços de código” gerados online, que carregam informações conectadas, como blocos de dados que formam uma corrente. Por isso, o nome “corrente de blocos”. Veja, abaixo, o passo a passo de como funciona o blockchain:

a) Cada transação é registrada como um “bloco” de dados, após sua ocorrência;
b) Cada bloco está conectado aos anteriores e posteriores;
c) As transações são bloqueadas em conjunto em uma cadeia irreversível: a blockchain;
blockchain

Blockchain, portanto, é o sistema que fornece segurança para as transações realizadas em um registro público[4]. Esse sistema divide em blocos os registros das transações, de forma que cada bloco recebe uma “chave e assinatura digital”.

Cada bloco, por sua vez, é criptografado e incluídos em uma cadeia de blocos a cada transação, o que impede que um mesmo arquivo – no caso criptomoedas – seja enviado duas vezes de uma mesma conta, porque essas transações são confirmadas e verificadas[5].

Com efeito, é realizado um processo que registra e verifica os “hashs”: algoritmos utilizados pelo protocolo de algumas criptomoedas para transformar um grande número de informações em uma sequência numérica hexadecimal de tamanho fixo [6]. Esse processo que verifica os “hashs” em cada bloco, confirmando a veracidade e tornando legítimo a corrente de blocos, se chama “mineração” e os computadores que efetuam essa tarefa são denominados “mineradores“[7].

Na blockchain de Bitcoins, por exemplo, os mineradores recebem um valor em BTC por “hash” confirmado na cadeia e, por isso, aqueles que conseguem efetuar este trabalho acabam ganhando expressivos montantes, tendo em vista, especialmente, o valor da Bitcoin, que está acima de 200mil reais atualmente (valores de março/2022).

Assim sendo, cada bloco contém em seu cabeçalho o “hash” do cabeçalho do bloco anterior, de forma que para se alterar um bloco da cadeia é necessário alterar todos os blocos posteriores, o que exigiria uma capacidade de processamento absurda[8]. Por isso, a blockchain é um sistema confiável e, hoje em dia, não é só utilizada nas criptomoedas, mas também em comercialização de produtos digitais e até físicos.

De toda forma, destaca-se que, em que pese a criptografia e o resguardo do sigilo de informações sensíveis, tais blocos dessa cadeia de informações (blockchain) garantem publicidade suficiente para a verificação da idoneidade de todas as transações ocorridas a cerca de determinado objeto[9]. Ou seja, antes de adquirir um produto ou criptomoeda, é plenamente possível averiguar na blockchain sua legitimidade.

Assim sendo, para desvirtuar um único bloco da blockchain seria necessário que por volta de 51% de toda a rede de mineradores trabalhasse em consenso, o que torna quase impraticável um ataque em tal escala.

A tecnologia de blockchain, portanto, é sistema de banco de dados distribuídos, utilizada para registro, permitindo a transferência de valores e/ou informações, sem que seja necessário uma autoridade central de validação. Isso porque a validação é realizada de forma compartilhada, conforme acima exposto, por meio de uma rede peer-to-peer[10].

Dessa maneira, é como se os dados fossem gravados, tivessem sua origem confirmada em vários computadores em rede, de forma praticamente simultânea e que, uma vez ali introduzidos na cadeira, não pudessem ser mais alterados, estando seu conteúdo à disposição de todos os membros da rede.

O que é Criptografia?

A criptografia é utilizada em diversos sistemas como uma camada de segurança.

Nas criptomoedas, a criptografia é utilizada por meio de uma chave privada que gera o endereço público na blockchain. Isto é, as pessoas detentoas de Bitcoin ou outra Altcoin (criptomoeda), por exemplo, possuem uma chave privada de segurança que, ao vender para outra pessoa, fornecem essa chave para que o novo adquirente possua o endereço e propriedade da criptomoeda. Por isso é importante manter esta chave em segredo.

De forma bem simplificada, criptografia é um modo de embaralhar uma informação para que somente quem tem o código – também chamado de “chave” – consiga decifrá-la.

De todo modo, a criptografia, garantida pelo blockchain, é a tecnologia que possibilita a emissão e a transação de moedas virtuais de forma mais segura – quando feito de forma correta. É dessa tecnologia, inclusive, que vem o nome criptomoeda – moeda criptografada[11].

Por fim, cumpre salientar que tecnologia que envolve as criptomoedas capta os dados de segurança e criptografa os caracteres para protegê-los e, especificamente no caso das bitcoins, por exemplo, mantém as transações financeiras em sigilo. Por um lado, essa codificação tende a gerar segurança no uso dos dados; entretanto, pode inviabilizar o controle e a regulamentação sobre as transações.

Como funciona a mineração de criptomoedas?

A mineiração de criptomoedas envolve todos os conceitos supracitados, pois moedas digitais como a Bitcoin, por exemplo, representam um código complexo que não pode ser alterado.

As transações realizadas com as criptomoedas são protegidas por criptografia, conforme já exposto, sendo registradas e validadas uma a uma por um grupo de pessoas, que usam seus computadores para gravá-las no blockchain, que é como um banco de dados público onde consta o histórico de todas as operações realizadas com cada unidade de Bitcoin e outras moedas digitais (Altcoins) se baseiam nessa mesma tecnologia.

Cada nova transação – uma transferência entre duas pessoas, por exemplo – é verificada com o blockchain, para assegurar que os mesmos Bitcoins não tenham sido previamente usados por outra pessoa (gasto duplo). Essa verificação é feita pelos mineradores, que oferecem a capacidade de processamento dos seus computadores para realizar esses registros e conferir as operações feitas com as moedas – em troca disso, são remunerados com novas unidades delas.

Bitcoins são criadas conforme os milhares de computadores que formam essa rede conseguem resolver problemas matemáticos complexos que verificam a validade das transações incluídas no blockchain. No início da Bitcoin, haviam 21 milhões de moedas disponíveis. Todavia, até o momento, já foram mineiradas cerca de 18,89 milhões de bitcoins, de forma que o ativo encontra-se cada vez mais escasso.

Essa criação de novos blocos para registro na blockchain visa dar publicidade às transações e distinguí-las do gasto em duplicidade, método que não é fácil, bem como exige um uso intensivo de recursos[12]. De todo modo, este registro de transações, apesar de possuir aspectos em comum com o livro-razão, não pode ser equiparado ao livro contábil, uma vez que não registra as informações de uma companhia ou de um grupo econômico, mas, sim, da rede de computadores como um todo. O registro da transação (Proof of Stake – PoS) é chamado de forging, uma certificação de um pedaço de criptomoeda [13].

Em resumo, a mineração é a criação de novas unidades de alguns tipos de moedas digitais.

Quais os perigos das criptomoedas?

As criptomoedas, especialmente aquelas que possuem robustez no mercado, como a Bitcoin, estão inseridas em um sistema de blockchain que é praticamente impraticável alterar.

Um dos perigos, além de pessoas que caem em golpes de investimento, é o “furto” de carteiras digitais nas corretoras. Em 2019, por exemplo, uma das maiores corretoras de criptomoedas do mundo informou que hackers haviam roubado US$40,7 milhões em bitcoins usando técnicas como phishing e vírus.

Dessa forma, hackers, erros de servidor ou erro da assinatura virtual podem gerar perda das criptomoedas e de um alto valor financeiro.

Todavia, é importante ressaltar que para que haja falha na rede do sistema que emite as criptomoedas (blockchain), seria necessário que todos os computares da rede sofressem ataque ou fossem desligados simultaneamente, o que dificilmente aconteceria [14].

Ou seja, quando se tem notícia de furto efetuado de criptomoedas por parte de hackers, tal ilícito não ocorre na blockchain, mas sim no servidor do proprietário da criptomoeda, normalmente por ter deixado seus dados no servidor comum, com acesso de pessoas e dos citados profissionais que invadem os computadores para capturar ditas informações [15].

Há alguns receios e críticas quanto às criptomoedas, porque equiparadas a ativos financeiros, todavia com transações realizadas na blockchaim e guardadas pela criptografia, sendo, portanto, anônimas. Dessa forma, é praticamente impossível saber em que local ocorreu a operação, bem como seus reais titulares, pois no registro do Bitcoin na blockchain o proprietário pode usar pseudônimo.

Com efeito, toda a operação é registrada na blockchain, mas por não vincular ao titular, sua identificação dependerá de declaração do seu  proprietário, de forma que é praticamente impossível identificar o verdadeiro proprietário da Bitcoin. Daí porque surgiram diversas preocupações do Poder Público e da sociedade sobre este ambiente virtual regido pelo anonimato e falta de lastro que facilita a prática de crimes financeiros, como a evasão fiscal ou evasão de divisas, por exemplo.

Como funciona a valorização das criptomoedas?

Como qualquer outra moeda, a bitcoin e outras alcoins (criptomoedas diversas) sofrem variações diárias e seguem a lei da oferta e da demanda. Quanto mais pessoas compram e se interessam, mais caro fica. Todavia, diferentemente de outras moedas que variam em percentuais pequenos, as criptomoedas são muito mais voláteis e podem variar mais de 20% ao dia, por exemplo, a depender das notícias e especulação do mercado.

Isto é, assim como o mercado de ações, se os investidores assimilam que aquela criptomoeda não é segura (por meio de notícias recentes de criminalização ou roubo de criptomoedas, por exemplo), muitos vendem suas moedas ao mesmo tempo e o preço despenca. Se, por outro lado, o investimento parece atrativo com alguma notícia de aceite por um país, por exemplo, os investidores sentem confiança e compram mais, o que faz o preço aumentar.

Quantas criptomoedas existem?

Existem milhares de criptomoedas, mas muitas são fraudes ou spam. Estima-se que existam cerca de 8mil criptomoedas minimanente confiáveis, cujo valor de mercado ultrapassa 9 trilhões de reais, segundo CoinMarketCap.

Algumas principais e mais conhecidas criptomoedas, por sua vez, são: Bitcoin, Ethereum, Binance coin, Cardano, Tether, Solana, XRP, Polkadot, Dogecoin e USD Coin.

Como investir em criptomoedas?

Para comprar criptomoedas ou parcelas da moeda digital, é necessário abrir uma conta em uma corretora de moedas virtuais e negociar por lá.

Entretanto, antes de começar a aplicar valores, é essencial pesquisar sobre as empresas disponíveis no mercado (quais são confiáveis), conferir as avaliações dos clientes, entender as tarifas cobradas, bem como averiguar a confiabilidade das criptomoedas a serem adquiridas, posto que trata-se de um investimento de alto risco diante da grande volatilidade desses ativos.

Importante mencionar que, por as criptomoedas serem ativos recentes e com uma lógica bastante sofisticada de funcionamento, muitas pessoas acabam caindo em golpes por ainda não entenderem como funciona. Por isso, é tão importante esclarecimento quanto ao assunto.

Há regulamentação das criptomoedas no ordenamento jurídico brasileiro?

A Constituição da República estabelece no artigo 21, inciso VII, que é competência da União emitir moedas:

Art. 21. Compete à União: (…)

VII – emitir moeda;

No mesmo sentido o artigo 48, inciso XIV da Carta Magna, prevê que é atribuição do Congresso Nacional, com veto do Presidente da República, dispor sobre moeda e seus limites de emissão:

Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: (…)

XIV – moeda, seus limites de emissão, e montante da dívida mobiliária federal.

Por fim, o artigo 164 da Constituição Federal dispõe que a competência da União para emitir moedas será exercida exclusivamente pelo Banco Central:

Art. 164. A competência da União para emitir moeda será exercida exclusivamente pelo banco central.

Atualmente, no entanto, não existe uma lei apropriada no Brasil com relação as moedas virtuais (criptomoedas).

O que se encontra de fato são orientações dos órgãos governamentais como por exemplo o comunicado de nº 25.306 de fevereiro de 2014 do BACEN[16]:

O Banco Central do Brasil esclarece, inicialmente, que as chamadas moedas virtuais não se confundem com a “moeda eletrônica” de que tratam a Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013, e sua regulamentação infralegal. Moedas eletrônicas, conforme disciplinadas por esses atos normativos, são recursos armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento denominada em moeda nacional. Por sua  vez,  as  chamadas  moedas  virtuais  possuem  forma  própria  de denominação, ou seja, são denominadas em unidade de conta distinta das moedas emitidas por governos soberanos, e não se caracterizam dispositivo ou sistema eletrônico para armazenamento em reais.

Na instrução normativa de nº. 1888 de 3 de maio de 2019, parcialmente alterada pela instrução normativa de nº. 1899 de 11 de julho de 2019, por sua vez, a Receita Federal declarou que tais ativos financeiros deveriam ser declarados para fins de cobrança do Imposto de Renda[17]:

Art. 5º Para fins do disposto nesta Instrução Normativa, considera-se:

I – criptoativo: a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal; e

II – exchange de criptoativo: a pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos.

Parágrafo único. Incluem-se no conceito de intermediação de operações realizadas com criptoativos, a disponibilização de ambientes para a realização das operações de compra e venda de criptoativo realizadas entre os próprios usuários de seus serviços.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) [18], por sua vez, emitiu esclarecimento no sentido de que “tais ativos virtuais, a depender do contexto econômico de sua emissão e dos direitos conferidos aos investidores, podem representar valores mobiliários, nos termos do art. 2º da Lei 6.385/1976”. Todavia, também vetou sua aquisição pelos fundos de investimento, sob a justificativa de preservar os investidores neste mercado [19].

No Congresso Nacional, ainda tramitam os Projetos de Lei: PL 2303/15, PL 3825/2019 e PL 3949/2019 sobre o tema. Então, não. Ainda não há regulamentação (lei) sobre o tema no Brasil até o momento.

Utilização de Criptomoedas no Ordenamento Jurídico: Integralização Societária por meio de Criptomoedas

A utilização das criptomoedas vem sido ampliada no ordenamento jurídico brasileiro.

Em 2020, por exemplo, o Ministério da Economia, por meio do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração, em resposta à consulta formulada pela Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp), posicionou-se de forma favorável à possibilidade de utilização de criptoativos — ou criptomoedas, como popularmente conhecidas — para a integralização de capital em sociedades empresárias ou como meio de pagamento em operações societárias em geral [20].

Isso quer dizer que foi permitido que os sócios contribuíssem para com o capital social da empresa por meio de criptomoedas, tendo em vista, especialmente, os artigos 997, inciso III, do Código Civil e 7º, da Lei 6.404/1976 (Lei das S.A.) que preveem a integralização do capital social por meio “suscetível à avaliação pecuniária” e que “sejam compatíveis com a atividade a ser empreendida pela sociedade”. Por isso, o Ministério da Economia se manifestou no sentido de ser possível a utilização das criptomoedas para integralização do capital social e/ou pagamento de operações societárias em geral.

Já em relação às sociedade anônimas, o art. 7º da Lei 6.404/1976 indica que o capital social poderá ser formado em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro, devendo ser realizada avaliação dos bens por peritos ou empresa especializada [21]. Nesse caso, a volatilidade de preços das criptomoedas podem dificultar a mensuração, considerando-se, ainda, que é necessária certa expertise sobre o tema para realizar a referida precificação. Além disso, importante destacar que deve haver ponderações sobre a consistência econômica do capital social constituído por criptomoedas frente a terceiros e seus stakeholders.

As criptomoedas podem ser tributadas?

Há controvérsia sobre o tema, pois como ainda não são devidamente regulamentadas por lei, há quem diga que a tributação de criptomoedas é inconstitucional. Todavia, por se tratar de ativo financeiro, atualmente as criptomoedas devem ser declaradas no Imposto de Renda, segundo a Receita Federal, bem como deve ser pago tributo de transmissão de bens (ITCMD) em caso de herança.

Alegação de inconstitucionalidade

A discussão da (in)constitucionalidade da tributação das criptomoedas é cogitada pela escassez de leis que as regulamentem.

Isso porque o princípio da legalidade tributária é elemento primordial para argumentar a respeito da (in)constitucionalidade de sua tributação no Direito Tributário.

Alguns países divergem sobre as tributações. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Receita Federal (IRS – Internal Renevue Service) defende a premissa de que as tributações das criptomoedas devem ser tratadas como propriedade. Todavia, no Brasil as criptomoedas são consideradas como um ativo financeiro [22].

Neste prisma, tendo em vista que a Constituição Federal prevê no art. 150, inciso I, que “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”, discute-se a limitação do poder de tributar as criptomoedas para que não haja a inconstitucionalidade[23].

Possível Incidência de Tributos sobre Criptomoedas no Brasil

Tendo em vista que as criptomoedas não são produzidas em país algum, inviável a cobrança de tributos como o Imposto sobre Importação de Produtos Estrangeiros (II) ou Imposto sobre Exportação, para o Exterior, de Produtos Nacionais ou Nacionalizados (IE), posto que quando é realizada uma transação de criptomoedas, não se tem a informação de terem sido minerados no Brasil, fora do país ou em alguns países simultaneamente.

De outro lado, o Imposto sobre a Renda e Proveitos de Qualquer Natureza (IR), previsto no artigo 153, inciso III, da Constituição Federal (CRFB/88), bem como no artigo 43, § 1º, do Código Tributário Nacional (CTN)[24], pode ser cobrado, tendo em vista que este dispositivo legal indica que a “incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção”.

O mesmo ocorre com o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), porque a criptomoeda é reconhecidamente um bem, o que incorpora ao patrimônio do indivíduo e, portanto, deveria ser tributada.

Por fim, o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza não Cobertos pelo ICMS e Definidos em Lei Complementar também poderia incidir sobre criptomoedas, tendo em vista que os serviços que incidem o ISS são aqueles elencados na Lista anexa a LC 116/03. Nessa toada, as empresas que fazem o câmbio entre as criptomoedas e moeda fiduciária (itens 10.01 e 15.13 da Lista – agenciamento, corretagem ou intermediação de títulos em geral, valores mobiliários; e operações de câmbio em geral), bem como os mineradores que fazem o processamento dos dados (item 1.03 da Lista) deveriam pagar o ISS, de acordo com a legislação supracitada.

Conclusão

Diante do exposto, conclui-se que as criptomoedas ainda devem ser devidamente regulamentadas pela legislação brasileira, tendo em vista, especialmente, que há Projeto de Lei em trâmite sobre o assunto (PL 2303/15).

Dessa forma, a tributação destes ativos, atualmente, por carecer de norma legislativa, pode ser cobrada pelas instituições brasileiras (Receita Federal, vide ref. 22), mas também há como alegar inconstitucionalidade desta cobrança, com fulcro no art. 150, inciso I da Constituição Federal, alegações estas que dependerão de análise do Judiciário de acordo com o caso concreto.

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AUTORES

Antonio Neiva de Macedo Neto. Advogado (OAB/PR sob nº. 55.082) e sócio do Barioni & Macedo Sociedade de Advogados. Pós-graduado em Direito Processual Civil Contemporâneo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).

Clarice de Camargo Ibañez. Advogada (OAB/PR sob o nº. 110.008). Mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Gisele Barioni de Macedo. Advogada (OAB/PR nº. 57.136) e sócia do Barioni & Macedo Sociedade de Advogados. Pós-graduada em Direito e Processo Tributário pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Pós-graduada em Direito Processual Civil Contemporâneo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).

REFERÊNCIAS

[1] Criptomoedas: Um guia para dar os primeiros passos com as moedas digitais. Infomoney. Disponível em: <https://www.infomoney.com.br/guias/criptomoedas/> Acesso em 22 mar 2022.

[2] LEITE, Vitor. O que é criptomoeda? Entenda de uma vez. 2020. Nubank. Disponível em: <https://blog.nubank.com.br/o-que-e-criptomoeda/>. Acesso em 22 mar 2022.

[3] STELLA, Julio Cesar. Moedas Virtuais no Brasil: como enquadrar as criptomoedas. Revista da Procuradoria – Geral do Banco Central. V. 11. Nº 2. Dez. 2017. Disponível em: <https://revistapgbc.bcb.gov.br/index.php/revista/issue/view/26/A9%20V.11%20 – %20N.2>. Acesso em 22 mar 2022.

[4] BOFF, Salete Oro. FERREIRA, Natasha Alves. Análise dos benefícios sociais da Bitcoin como moeda. Anuario Mexicano de Derecho Internacional. México. V.16. 2016, P. 499 – 523. 2016. Disponível em: <https://reader.elsevier.com/reader/sd/pii/S1870465417300156?token=67A68AAB1F48DF3E0F62E46 D2F26C3388F678E98414C4C1D01A499AF98672EACCD3D7AE05044685B188478279775C64D>. Acesso em 21 mar 2022. P. 505.

[5] SANT’ANA, V., & CASSI, G. (2021). CRIPTOMOEDAS E SUA REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA. Revista De Direito Da FAE3(1), 317 – 358. Recuperado de https://revistadedireito.fae.edu/direito/article/view/62

[6] No caso da criptomoeda, cada hash é criado com o auxílio de um algoritmo duplo-SHA-256, que cria um número randômico de 512 bits (ou 64 bytes). FOXBIT. Saiba o que é a função Hash na mineração de Bitcoins e Altcoins. Cointimes. Foxbit. Disponível em: <https://cointimes.com.br/o-que-e-a-funcao-hash-na-mineracao-de-bitcoins/>. Acesso em 22 mar 2020.

[7] Os mineradores podem ser considerados uma combinação de contadores com garimpeiros, sendo responsáveis por dois trabalhos essenciais. Primeiro, eles são responsáveis por verificar e validar as transações realizadas com os bitcoins, conforme mencionado acima. Existem milhares de mineradores independentes, com seus computadores potentes, que trabalham constantemente, confirmando as transações realizadas na rede. Quando alguém envia bitcoins para outra pessoa, são os mineradores que,validam como contadores, a transação através de cálculos matemáticos e a registram no “livro contábil” referido acima, isto é, na Blockchain. Como recompensa por esse trabalho, os mineradores recebem taxas de transação pelas operações que eles confirmarame ainda podem ser contemplados com novos bitcoins. In: TELLES, C. M. S. Sistema Bitcoin, Lavagem de Dinheiro e Regulação.2018. Dissertação Mestrado (Direito da Regulação) -Escola de Direito do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 2018. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/27350/DISSERTACAO-FINAL-13fev19-Christiana%20M%20S%20Telles.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 31 de março de 2020, p. 28.

[8] PIRES, Timóteo Pimenta. Estudo Da Tecnologia Blockchain E Suas Aplicações Para Provimento De Transparência Em Transações Eletrônicas. Publicação PPGENE.TDXXA/2016, Departamento de Engenharia Elétrica, Universidade de Brasília, Brasília, DF. 2016, p. 27.

[9] BIANCOLINI, Adriano. Crise Institucional, Compliance e Blockchain:uma visão conciliatória para o que está por vir. Migalhas. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/267628/crise-institucional-compliance-e-blockchain-uma-visao-conciliatoria-para-o-que-esta-por-vir>. Acesso em 22 mar 2022.

[10] P2P ou Peer to peer (Do inglês Peer to Peer que significa par-a-par ou ponto a ponto). NAKAMOTO, S. Bitcoin: Um Sistema de Transação de Dinheiro Ponto-a-Ponto. Tradução de Rhlinden. Disponível em: <https://bitcoin.org/files/bitcoin-paper/bitcoin_pt.pdf>. Acesso em 22 mar 2022.

[11] ANDRADE, Mariana Dionísio de. Tratamento jurídico das criptomoedas: a dinâmica dos bitcoins e o crime de lavagem de dinheiro. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 7, n. 3, p. 45-59, dez. 2017. Disponível in: <https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/RBPP/issue/view/238/showToc>. Acesso em 23 mar 2022.

[12] HOUBEN, Robby; e SNYERS, Alexander. Cryptocurrencies and blockchain. Legal context and implications for financial crime, money laundering and tax evasion. European Union, Jun. 2018, p. 1-103, p. 21. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/supporting-analyses>. Acesso em: 20 mar. 2020

[13] ZILVETI, Fernando Aurelio; NOCETTI, Daniel Azevedo. Criptomoedas e o sistema tributário do século XXI. 2020. Revista de Direito Tributário Atual. Disponível em: <https://ibdt.org.br/RDTA/criptomoedas-e-o-sistema-tributario-do-seculo-xxi/#>. Acesso em 22 mar 2022.

[14] BERNARDES, Flávio Couto; SILVA, Suélen Marine. Criptomoedas e o Planejamento Tributário. 2020. Revista de Direito Tributário e Financeiro. V. 6. N. 1. P. 23-43.

[15] SILVA, Felipe Rangel; TEIXEIRA, Rodrigo Valente Giublin. Bitcoin e a (im)possibilidade de sua proibição: uma violação à soberania do Estado? Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 7, n. 3, p. 106-120, dez. 2017. Disponível em: <https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/RBPP/issue/view/238/showToc>. Acesso em 22 mar 2022.

[16] BANCO CENTRAL DO BRASIL.   Comunicado nº 25306, de 19/02/2014. Riscos decorrentes da aquisição das chamadas “moedas virtuais” ou moedas criptografadas” e da realização de transações com elas. Disponível em: <https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=265825>. Acesso em 22 mar 2022.

[17] RFB -Receita Federal do Brasil. Instrução Normativa Secretaria da Receita Federal nº1888 de 3 de maio de 2019. Institui e disciplina a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB). Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 3 de maio de 2019. Disponível em: <http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=100592>. Acesso em 22 mar 2022.

[18] Relatório Semestral – Supervisão Baseada em Risco. Julho-dezembro/2017. Disponível em: <https://bit.ly/2HsurxQ>. Acesso em 23 mar 2022.

[19] “Assim e baseado em dita indefinição, a interpretação desta área técnica é a de que as criptomoedas não podem ser qualificadas como ativos financeiros, para os efeitos do disposto no artigo 2º, V, da Instrução CVM nº 555/14, e por essa razão, sua aquisição direta pelos fundos de investimento ali regulados não é permitida”.

[20] ASSIS, João Pedro Ribeiro; PEIXOTO, Tâmara Oliveira. As criptomoedas na integralização de capital em sociedades empresárias. 2021. Conjur. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-jan-09/opiniao-criptomoedas-capital-sociedades-empresarias>. Acesso em 22 mar 2022.

[21] MATTOS, Suzana Martins Sandoval de; ROCABADO, Natalí. Direito de Empresa e Criptomoedas. Migalhas. 2021. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/345265/direito-de-empresa-e-criptomoedas> Acesso em 22 mar 2022.

[22] BRASIL. Noticias da receita federal: Operações com criptoativos deverão ser informadas à Receita Federal. Disponível em: <https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2019/05/operacoes-com-criptoativos-deverao-ser-informadas-a-receita-federal>. Acesso em 21 mar 2022.

[23] BRUGNARA, Everson Soto Silva; PAULA, Maxwell Iure Lima de. Criptomoedas e seu Lastro Jurídico no Direito Tributário. Conteúdo Jurídico. 2021. Disponível em: <https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/57072/criptomoedas-e-seu-lastro-jurdico-no-direito-tributrio> Acesso em 22 mar 2022.

[24] Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: (…)

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

§ 1º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.

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