Imunidade do ITBI na integralização de capital social: avanço decisivo para empresas com atividade imobiliária. Tema 1.348 do STF

1. Introdução

 

O Supremo Tribunal Federal retomou, recentemente, o debate sobre o alcance da imunidade tributária do ITBI — Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis — nas hipóteses em que imóveis são utilizados para integralizar o capital social de empresas.

A controvérsia, que há anos gera insegurança entre empresários e municípios, concentra-se na seguinte questão: as sociedades com atividade preponderantemente imobiliária também têm direito à imunidade prevista no art. 156, §2º, I, da Constituição Federal?

 Durante muito tempo, prevaleceu o entendimento de que tais empresas não poderiam usufruir da imunidade, sob o argumento de que o texto constitucional conteria uma exceção aplicável a todas as hipóteses de transferência de bens. Essa leitura, porém, tem sido progressivamente revista, culminando com o Recurso Extraordinário nº 1.495.108/SP (Tema 1.348 da Repercussão Geral), atualmente em julgamento pelo STF.

Nesse processo, discute-se se a imunidade — já reconhecida como válida até o limite do capital subscrito — deve ser considerada incondicionada, isto é, independente da natureza da atividade empresarial. O voto do Ministro Edson Fachin, relator do caso, aponta para uma interpretação ampla e coerente com a finalidade constitucional de incentivo à livre iniciativa e à capitalização das empresas, o que tende a representar um avanço relevante para o ambiente de negócios, especialmente no setor imobiliário.

O cerne da discussão está na interpretação do art. 156, §2º, inciso I, da Constituição Federal, dispositivo que delimita a competência tributária municipal sobre o ITBI e estabelece hipóteses de imunidade. O texto constitucional dispõe que o imposto não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda de imóveis, locação ou arrendamento mercantil.

A dúvida interpretativa surge justamente em torno da expressão “nesses casos”: ela se refere a todas as hipóteses de imunidade (inclusive a integralização de capital), ou apenas às operações societárias de reorganização (fusão, incorporação, cisão e extinção)?

Durante décadas, a leitura predominante — adotada por muitos municípios — foi a de que a ressalva alcançava ambas as situações, restringindo a imunidade às empresas cuja atividade não fosse imobiliária. Essa posição resultou na cobrança do ITBI mesmo quando o imóvel era integralizado ao capital social, sob o argumento de que empresas do setor imobiliário não fariam jus ao benefício.

No entanto, decisões mais recentes do STF vêm revisando essa compreensão, reconhecendo que a restrição não se aplica à hipótese de integralização de capital social, por força da interpretação sistemática e teleológica do texto constitucional. O Recurso Extraordinário nº 1.495.108/SP (Tema 1.348 da Repercussão Geral), relatado pelo Ministro Edson Fachin, busca pacificar definitivamente essa divergência, definindo se a imunidade tributária é incondicionada — ou seja, válida para todas as empresas, inclusive as de atividade imobiliária — até o limite do capital subscrito.

 

 

2. Do diálogo com o Tema 796

 

O atual julgamento (Tema 1.348) dialoga diretamente com o precedente formado pelo Tema 796 da Repercussão Geral (RE 796.376/SC), julgado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em agosto de 2020. Naquele caso, o STF definiu que a imunidade do ITBI alcança a transmissão de bens imóveis utilizados para integralizar o capital social, até o limite do valor subscrito. O excedente — isto é, a diferença entre o valor do imóvel transferido e o valor efetivamente destinado à integralização — pode ser tributado.

O ponto central do Tema 796 foi, portanto, a delimitação quantitativa da imunidade. Contudo, durante o julgamento, o Tribunal reconheceu expressamente o caráter incondicional dessa imunidade no que se refere à integralização do capital social. Em outras palavras, o benefício não depende da atividade econômica da sociedade.

Essa afirmação, embora secundária naquele contexto, firmou uma ratio decidendi – ou seja, “razão ou justificativa da decisão” – relevante, posteriormente reforçada pelo Ministro Edson Fachin no voto proferido no RE 1.495.108/SP. O relator ressaltou que, segundo a lógica dos precedentes, essa incondicionalidade não pode ser tratada como um mero obiter dictum — ou seja, como um comentário lateral —, mas sim como elemento essencial do entendimento consolidado pela Corte no Tema 796.

Ao adotar essa linha interpretativa, o STF passou a tratar a imunidade do ITBI na integralização de capital como uma regra autônoma e desvinculada da exceção aplicável às operações de reorganização societária (fusão, incorporação, cisão e extinção). Assim, o Tribunal sinalizou que a atividade preponderantemente imobiliária da empresa não é motivo legítimo para restringir a imunidade, desde que a transmissão ocorra em pagamento de capital subscrito.

Esse precedente consolidou a base jurídica que agora serve de alicerce para o Tema 1.348, cujo objetivo é apenas confirmar e expandir o alcance prático do entendimento anteriormente firmado, garantindo uniformidade interpretativa e segurança jurídica aos contribuintes.

 

 

3. O voto do Relator, Ministro Edson Fachin

 

No Recurso Extraordinário nº 1.495.108/SP, o Ministro Edson Fachin apresentou voto minucioso em favor do contribuinte, propondo a ampliação da imunidade tributária do ITBI também para empresas cuja atividade preponderante seja imobiliária. Seu entendimento baseia-se em três eixos fundamentais: (i) a força vinculante do precedente do Tema 796, (ii) a interpretação histórico-gramatical do texto constitucional e (iii) a finalidade econômica e constitucional da regra de imunidade.

Fachin ressaltou que o Supremo, ao julgar o Tema 796, reconheceu que a imunidade do ITBI na integralização de capital é incondicionada, sendo irrelevante a natureza da atividade empresarial. Assim, a restrição à imunidade — prevista na parte final do art. 156, §2º, I, da Constituição — aplica-se apenas às operações de reorganização societária (fusão, incorporação, cisão ou extinção), e não às hipóteses de integralização de capital social.

O Ministro enfatizou que essa interpretação não constitui um obiter dictum, mas sim a ratio decidendi do precedente, vinculando o próprio Tribunal a preservar a coerência e integridade de sua jurisprudência, conforme o dever previsto no art. 926 do CPC.

Com base na evolução histórica da norma desde a Emenda Constitucional nº 18/1965, Fachin demonstrou que apenas a Constituição de 1988 introduziu a expressão “salvo se, nesses casos”, delimitando de forma inequívoca o alcance da exceção.

Segundo o relator, o advérbio “nesses” restringe a ressalva exclusivamente à segunda parte do dispositivo constitucional, que trata das operações de fusão, incorporação, cisão ou extinção. Assim, a integralização de bens imóveis ao capital social goza de imunidade plena, independentemente da atividade preponderante da sociedade.

Essa leitura, sustentada por rigor gramatical e coerência sistemática, afasta a interpretação ampla tradicionalmente aplicada pelos fiscos municipais.

O voto também valorizou o aspecto teleológico da norma: a imunidade do ITBI visa incentivar o empreendedorismo e a capitalização das empresas, promovendo a circulação produtiva de bens imóveis e o fortalecimento da atividade econômica.

Tributar a integralização de capital — especialmente em sociedades imobiliárias — equivaleria a contrariar o propósito do constituinte, que buscou facilitar a formação de empresas e estimular o desenvolvimento econômico nacional.

Fachin citou ainda que o Código Tributário Nacional (arts. 36 e 37), ao condicionar a imunidade à ausência de atividade imobiliária, não foi integralmente recepcionado pela Constituição de 1988, pois impôs restrições incompatíveis com a nova redação constitucional.

Com base nesses fundamentos, o Ministro Fachin concluiu que a imunidade do ITBI na integralização de capital é incondicionada, alcançando todas as pessoas jurídicas, inclusive aquelas cuja atividade seja a compra, venda ou locação de imóveis.

Sua proposta de tese de repercussão geral foi clara:

“A imunidade tributária do ITBI, prevista no art. 156, §2º, I, da Constituição Federal, na realização do capital social mediante integralização de bens e valores, é incondicionada, portanto, indiferente à atividade preponderantemente imobiliária.”

 

 

4. Os impactos práticos caso a decisão seja confirmada

 

A consolidação do entendimento proposto pelo Ministro Fachin no Tema 1.348 representa um marco para o ambiente de negócios, especialmente nos setores imobiliário, patrimonial e de construção civil, onde a integralização de bens imóveis é prática recorrente.

O reconhecimento de que a imunidade do ITBI é incondicionada — inclusive para empresas cuja atividade principal envolva compra, venda ou locação de imóveis — traz repercussões diretas e imediatas para a gestão societária e tributária.

Empresas poderão integralizar imóveis ao capital social sem a incidência do ITBI, desde que o valor do bem não ultrapasse o montante do capital subscrito.

Na prática, isso reduz o custo de capitalização e reorganização patrimonial, favorecendo: (i) Holdings familiares e patrimoniais, que poderão transferir imóveis de pessoas físicas para a pessoa jurídica sem carga tributária municipal; (ii) Incorporadoras e construtoras, que frequentemente formam sociedades de propósito específico (SPEs) com bens imóveis; e (iii) Empresas em processo de expansão, que utilizam imóveis como aporte de capital.

O novo entendimento estimula a reorganização formal e transparente de estruturas empresariais, antes desincentivadas pela carga tributária. Operações de centralização patrimonial, segmentação de ativos e planejamento sucessório empresarial passam a ser menos onerosas e mais seguras juridicamente, permitindo que empreendimentos sejam estruturados de forma mais racional e profissional.

A aplicação uniforme da tese tende a reduzir litígios entre contribuintes e municípios, uma vez que o STF fixará interpretação definitiva da norma constitucional.

Atualmente, há grande divergência entre as legislações e práticas fiscais municipais: enquanto alguns reconhecem a imunidade na integralização de capital, outros a negam quando a empresa exerce atividade imobiliária.

Com a repercussão geral, essas controvérsias locais serão superadas, ampliando a previsibilidade jurídica para o setor privado.

Ao eliminar entraves tributários desproporcionais, o novo entendimento estimula a formalização empresarial, o reinvestimento de ativos imóveis no setor produtivo e o aumento da eficiência econômica. Em vez de punir empresas que utilizam imóveis como instrumentos de capitalização — prática legítima e estratégica —, o sistema passa a valorizar a função social e econômica da empresa, em sintonia com os princípios constitucionais da livre iniciativa e do desenvolvimento nacional.

 

 

Conclusão

 

O julgamento do Tema 1.348 da Repercussão Geral representa um divisor de águas para o planejamento societário e tributário de empresas que lidam com ativos imobiliários.

A posição firmada pelo Ministro Edson Fachin, ao reconhecer que a imunidade do ITBI na integralização de capital é incondicionada, devolve coerência ao sistema constitucional e reforça o papel do Direito Tributário como instrumento de incentivo à livre iniciativa e ao desenvolvimento econômico.

Mais do que uma mudança técnica, essa decisão transforma a forma como o mercado pode planejar o uso de bens imóveis — seja para criar novas empresas, expandir operações, estruturar sociedades de propósito específico (SPEs) ou organizar a sucessão patrimonial de forma eficiente.

 

 

 

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Carlos Eduardo Melo Bonilha. Advogado (OAB/PR nº. 115.107). Bacharel em direito pela Universidade Federal do Paraná. Pós-graduando em Direito e Processual Civil Contemporâneo (ESA/OAB SP). Pós-graduando em Gestão e Business Law (Fundação Getúlio Vargas).  Membro da Comissão de Direito Processual Civil da Ordem dos Advogados do Brasil subseção Paraná.

 

 

Referências

  • BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 1.495.108/SP. Relator: Ministro Edson Fachin. Brasília, DF. Disponível em: https://digital.stf.jus.br/decisoes-monocraticas/api/public/votos/365793/conteudo.pdf

 

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