A autofalência da sociedade empresária de responsabilidade limitada (“Ltda.” ou “S/A”): uma análise à luz da jurisprudência e da Lei de Falências (Lei nº. 11.101/2005)

Introdução:

A Lei nº 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, prevê a possibilidade da autofalência, ou seja, a própria empresa ou o chamado “sócio falido” pode requerer a decretação de sua falência. Este instituto, embora possa parecer contraditório à primeira vista, visa a garantir transparência e regularidade no processo de liquidação de determinada empresa, evitando manobras que possam prejudicar ainda mais os credores. No presente artigo, será abordada a autofalência da sociedade empresária de responsabilidade limitada (“ltda.” ou “S/A”), quer optante do lucro real ou lucro presumido, analisando seus requisitos, procedimentos e consequências jurídicas e de cunho prático.  

 

1. O pedido de autofalência:

O pedido de autofalência está previsto no inciso I do artigo 97 da Lei nº 11.101/2005, que dispõe:

Art. 97. Podem requerer a falência do devedor: I – o próprio devedor, na forma do disposto nos arts. 105 a 107 desta Lei;

Ainda, o artigo 105 da Lei reforça a possibilidade:

Art. 105. O devedor em crise econômico-financeira que julgue não atender aos requisitos para pleitear sua recuperação judicial deverá requerer ao juízo sua falência, expondo as razões da impossibilidade de prosseguimento da atividade empresarial, acompanhadas dos seguintes documentos: (…)

Ou seja, a Lei de Falência autoriza que a própria sociedade empresária reivindique o reconhecimento de seu estado falimentar.  

 

2. Procedimento:

O pedido de autofalência deve ser apresentado ao juízo competente, acompanhado dos documentos que exigidos por lei, principalmente:

  • Demonstrações contábeis;
  • Relação de credores;
  • Relação de bens e direitos que compõe o ativo;
  • Prova da condição de empresário (Contrato Social ou Estatuto Social);
  • Relação dos administradores dos últimos 5 anos.

Então, a própria sociedade empresária em situação de incapacidade financeira, por intermédio de um advogado contratado, poderá preparar a petição inicial (documento por escrito que narra os fatos, traz os fundamentos jurídicos que embasam a ação e os pedidos específicos que deverão ser observados pela Justiça) e promover a distribuição da ‘Ação de Falência’ perante o juízo competente.  

 

3. Consequências Jurídicas, Práticas e Legais:

A decretação da falência da sociedade empresária acarreta uma série de consequências, dentre as quais destacam-se:

  • Dissolução da sociedade: A falência implica na dissolução da sociedade empresária, com a consequente perda de sua personalidade jurídica.
  • Nomeação de administrador judicial: O juiz nomeará um administrador judicial para gerir os negócios da massa falida e realizar a arrecadação e liquidação dos bens e dívidas da empresa.
  • Suspensão das ações e execuções individuais: Com a decretação da falência, já no despacho inicial do juízo que receberá a ‘Ação de Falência’, todas as ações e execuções individuais contra o devedor são suspensas, e os credores passam a ter seus créditos habilitados no processo falimentar, seguindo as regras deste tipo de demanda, de acordo com todas as rotinas estabelecidas expressamente na Lei de Falências (Lei nº. 11.101/2005).
  • Ineficácia de atos praticados em fraude aos credores antes da decretação da falência: A lei considera ineficazes os atos praticados pelo devedor com a intenção de fraudar seus credores, como, por exemplo, o pagamento de dívidas vencidas e exigíveis realizado dentro do termo legal, por qualquer forma que não seja a prevista pelo contrato.
  • Responsabilidade dos sócios: Os sócios da sociedade empresária falida podem ser responsabilizados pessoalmente pelas dívidas da empresa, caso haja evidências de fraude ou desvio de recursos.

Vale lembrar que, segundo a regra geral, o sócio da sociedade empresária falida de responsabilidade limitada (“ltda ou “S/A’) não responde pessoalmente pelas dívidas da empresa, mesmo na hipótese de o endividamento desta ser substancialmente maior do que o valor dos bens e ativos a serem arrecadados e liquidados em favor dos credores. Exemplo: se a empresa falida mantiver dívidas superiores a R$ 20 milhões, enquanto seus ativos representam somente R$ 5 milhões, a diferença, de R$ 15 milhões, via de regra, não será exigível dos sócios (pessoas físicas).  

 

4. Jurisprudência:

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendimento sedimentado sobre a possibilidade do pedido de autofalência, aqui representado pelo seguinte ementário:

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. DECRETAÇÃO DE AUTOFALÊNCIA. DISSOLUÇÃO REGULAR DA EMPRESA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A Primeira Seção desta Corte Superior, no julgamento do REsp 1.101.728/SP, de relatoria do Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, publicado em 23.3.2009, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, firmou a compreensão no sentido de que o simples inadimplemento da obrigação tributária não caracteriza infração legal para fins de responsabilização do sócio-gerente, sendo necessária a comprovação da prática de excesso de poder ou de infração à lei, conforme dispõe o art. 135 do CTN. Entendimento ratificado pela Súmula 430/STJ, segundo a qual o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente. 2. Da mesma forma, a autofalência é faculdade estabelecida em lei em favor do comerciante impossibilitado de honrar seus compromissos, não se configurando hipótese de dissolução irregular (REsp. 644.093/RS, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJ 24.10.2005, p. 258). 3. No caso, trata-se de uma dissolução regular, a autofalência, o que não autoriza o redirecionamento da execução fiscal aos administradores. 4. Agravo Regimental do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL a que se nega provimento. (STJ – AgRg no AgRg no AREsp: 192771 RS 2012/0126842-7, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 23/06/2015, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/08/2015).

 

Conclusão:

A autofalência é um instituto importante previsto na Lei nº. 11.101/2005, que permite à sociedade empresária (ou o “sócio falido”) requerer a decretação de sua própria falência, desde que preenchidos os requisitos legais. A autofalência pode ser uma alternativa para evitar a continuidade da atividade empresarial em situação de severa dificuldade financeira e a extinção definitiva da empresa sem capacidade de recuperação. É fundamental que o empresário esteja ciente das consequências jurídicas e práticas da autofalência, siga as melhores práticas de administração, atuando de modo regular, e, quando inevitável a quebra da empresa, busque assessoria jurídica especializada para analisar a melhor estratégia para o seu caso.   Ficou com alguma dúvida? Consulte nossa equipe (clique em ‘fale conosco‘ ou converse conosco via WhatsApp).

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Autor

Antonio Macedo Neto (OAB/PR 55.082). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (2009). Pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC-PR (2011). Profissional atuante há mais de 15 anos, especialmente nas áreas de Direito Imobiliário e Societário.

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