O CDC e os Contratos de Empréstimo para Capital de Giro – Uma Abordagem das Recentes Decisões do Superior Tribunal de Justiça Sobre o Tema

empréstimo

 A relação jurídica estabelecida nos contratos de empréstimo para capital de giro, especialmente no contexto empresarial em que se trata do estímulo para a atividade empresarial, tem sido alvo de discussões acerca da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

 A interpretação sobre a inclusão ou não desses contratos sob a égide do CDC tem gerado debates no cenário jurídico brasileiro, culminando em uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no REsp 1.497.574[1], que delimita a não aplicação do CDC.

Neste contexto, a decisão do STJ tem implicações significativas para o ambiente empresarial, assim como para as instituições financeiras, cooperativas de crédito e Bancos Digitais, pois impacta diretamente na forma da concessão do crédito e nas operações bancárias deste setor.

O Ministro Raul Araújo, relator da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial, recentemente decidiu que aos contratos de empréstimos tomados por sociedade empresária para implementar ou incrementar suas atividades negociais, não se aplica o Código de Defesa do Consumidor.

 A Corte Superior entendeu que a empresa necessitaria comprovar a existência de uma vulnerabilidade específica que a colocasse em desvantagem ou desequilíbrio perante a contraparte, o que não foi evidenciado no caso em questão, visto que o empréstimo de capital de giro foi concedido com a finalidade de incrementar as atividades empresariais.

O Código de Defesa do Consumidor, ao consagrar a adoção da Teoria Finalista, define consumidor como “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” (art. 2º, caput e parágrafo único, do CDC). Assim, a Teoria Finalista estabelece que para ser considerado consumidor, não basta apenas adquirir um produto ou serviço, mas sim que este seja destinado ao uso pessoal ou familiar, ou ainda ao uso profissional, desde que não se configure como atividade empresarial.

Não obstante, mesmo o STJ pautado na aplicação da Teoria Finalista Mitigada ou Aprofundada, que se define como o reconhecimento de que há casos em que a pessoa física ou jurídica, mesmo não sendo a destinatária final do produto ou serviço, está em uma posição de vulnerabilidade ou fragilidade na relação de consumo, merecendo, portanto, a tutela protetiva do CDC, decidiu que naquele caso específico, não restou comprovada a ausência de vulnerabilidade da sociedade empresarial.

Dessa forma, a Teoria Finalista Mitigada amplia o escopo de proteção do CDC sob o viés empresarial da questão,  permitindo que certas situações que não se enquadram estritamente na definição tradicional de consumidor também sejam contempladas pelas disposições protetivas do código, desde que evidenciada a relação de vulnerabilidade ou desvantagem do sujeito na relação de consumo.

Os contratos de empréstimo para capital de giro são instrumentos financeiros fundamentais para o funcionamento e o crescimento das atividades empresariais. Esses contratos, geralmente firmados entre instituições financeiras e empresas, visam fornecer recursos financeiros para que as organizações possam manter suas operações, expandir suas atividades ou lidar com momentos de dificuldade financeira.

A importância desses contratos é evidente em diversos aspectos:

Liquidez e Fluxo de Caixa: O capital de giro representa a capacidade da empresa em cumprir suas obrigações financeiras de curto prazo. Os empréstimos para capital de giro proporcionam liquidez imediata, garantindo que a empresa tenha recursos disponíveis para pagar contas, salários e demais despesas operacionais, mesmo em períodos de baixa atividade econômica ou de sazonalidade;

Flexibilidade Financeira: Os contratos de empréstimo para capital de giro oferecem às empresas flexibilidade financeira para lidar com imprevistos, aproveitar oportunidades de mercado e adaptar-se a mudanças nas condições econômicas e comerciais.;

Investimento em Crescimento: O capital de giro também é essencial para financiar o crescimento e a expansão das atividades empresariais. Os empréstimos para capital de giro podem ser utilizados para financiar novos projetos, investir em pesquisa e desenvolvimento, expandir a capacidade produtiva, abrir novos mercados ou adquirir ativos estratégicos que impulsionam o crescimento da empresa;

Gestão de Estoque e Ciclo Operacional: Os contratos de empréstimo para capital de giro ajudam as empresas a gerenciar seu ciclo operacional, incluindo a gestão de estoques, prazos de pagamento a fornecedores e prazos de recebimento de clientes. Um capital de giro adequado permite que a empresa mantenha níveis de estoque adequados, evitando tanto a escassez quanto o excesso de produtos, o que pode impactar negativamente a eficiência operacional e financeira;

Resiliência Financeira: Em momentos de instabilidade econômica, recessão ou crises financeiras, os empréstimos para capital de giro podem desempenhar um papel crucial na preservação da resiliência financeira das empresas. Esses recursos adicionais ajudam a empresa a manter suas operações em funcionamento, superar períodos de baixa demanda e enfrentar desafios financeiros temporários sem comprometer sua estabilidade financeira a longo prazo.

O entendimento consolidado pelo STJ, tanto no julgamento já mencionado no presente artigo, bem como no defendido pela Ministra Relatora Nancy Andrighi da 3ª Turma no REsp 2.001.086, reside no fato de que as empresas, ao contraírem empréstimos para capital de giro, não estão agindo como destinatárias finais de produtos ou serviços, mas sim como agentes econômicos em busca de recursos para viabilizar suas operações comerciais.[2]

Dessa forma, a relação estabelecida entre instituições financeiras e empresas é predominantemente de natureza empresarial/negocial, não se enquadrando nas disposições protetivas previstas pelo CDC.

É importante ressaltar que a exclusão da aplicação do CDC não significa ausência de regulamentação ou de proteção jurídica para as partes envolvidas nos contratos de empréstimo para capital de giro. Outras normas e legislações específicas regem essas transações, como o Código Civil e normativas do Banco Central do Brasil, que estabelecem parâmetros e diretrizes para a concessão e a operacionalização de empréstimos comerciais.

Além disso, é necessário destacar que a decisão do STJ não implica uma imunidade absoluta das instituições financeiras em relação às suas obrigações contratuais. Questões como cláusulas abusivas, falta de transparência nas condições contratuais e práticas comerciais desleais continuam sujeitas à análise e à intervenção do Poder Judiciário, visando assegurar a equidade e a justiça nas relações contratuais.

Em suma, a não aplicabilidade do CDC nos contratos de empréstimo para capital de giro, conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, representa um marco na interpretação das relações jurídicas entre instituições financeiras e empresas. Essa decisão ressalta a necessidade de uma abordagem diferenciada para as transações comerciais realizadas no contexto empresarial, reconhecendo a natureza específica das operações de crédito voltadas para o estímulo da atividade econômica.

Nos últimos anos, o mercado financeiro tem testemunhado uma transformação significativa com o advento dos bancos digitais. Essas instituições, alavancadas pela tecnologia, têm revolucionado a maneira como as pessoas e empresas lidam com suas finanças, incluindo a obtenção de empréstimos para capital de giro.

No Brasil, as fintechs estão regulamentadas desde abril de 2018 pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), por meio das Resoluções 4.656 e 4.657.[3]

Neste contexto, é essencial analisar como o Código de Defesa do Consumidor influencia e protege os consumidores em contratos de empréstimos, especialmente com o surgimento dos bancos digitais.

Os bancos digitais representam uma ruptura no modelo tradicional de serviços financeiros. Ao eliminar muitas das barreiras físicas e burocráticas, essas instituições oferecem conveniência, agilidade e acessibilidade aos serviços bancários. Uma das ofertas mais comuns desses bancos é o empréstimo para capital de giro, destinado a suprir as necessidades financeiras das empresas.

Com a oferta desses empréstimos por parte dos bancos digitais, o mercado tornou-se mais competitivo e diversificado, oferecendo opções além das tradicionais instituições financeiras.

Apesar das proteções oferecidas pelo CDC, ainda existem desafios no âmbito dos empréstimos para capital de giro, especialmente no contexto dos bancos digitais. A facilidade de acesso aos empréstimos pode levar alguns consumidores (pessoas físicas ou jurídicas) a assumirem dívidas além de sua capacidade de pagamento, resultando em inadimplência e problemas financeiros.

Por outro lado, os bancos digitais também representam uma oportunidade para democratizar o acesso ao crédito, especialmente para empreendedores e pequenos empresários que muitas vezes enfrentam dificuldades para obter empréstimos junto às instituições tradicionais.

A delimitação estabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça no tema sobre a não aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de empréstimo para capital de giro de empresas, ressalta a distinção entre as relações comerciais empresariais e as relações de consumo stricto sensu.

Ao reconhecer que os contratos de empréstimo para capital de giro estão fora do escopo de aplicação do CDC, o STJ reforça a importância de uma abordagem diferenciada para as transações comerciais realizadas no contexto empresarial.

Isso reflete a compreensão de que as empresas, ao contratarem empréstimos para capital de giro, agem como agentes econômicos buscando recursos para viabilizar suas operações e não como destinatários finais de produtos ou serviços.

Essa decisão também destaca a necessidade de uma gestão financeira eficiente e transparente por parte das empresas, bem como uma negociação cuidadosa e diligente na celebração de contratos de empréstimo para capital de giro que, necessariamente, deverá passar pelo crivo de uma consultoria jurídica especializada e aprofundada, a fim se obter todos os esclarecimentos e as características do que a  sociedade empresária necessita e seus objetivos.

Embora, em tese, o CDC não se aplique a esses contratos, as partes envolvidas devem observar as disposições do Código Civil e outras normativas específicas, garantindo o equilíbrio e a segurança jurídica nas relações contratuais.

É fundamental que os empresários estejam cientes das implicações dessa decisão e adotem práticas e estratégias que promovam uma gestão financeira sólida, transparente e sustentável em seus empreendimentos. Além disso, a exclusão da aplicabilidade do CDC não diminui a responsabilidade das instituições financeiras em relação ao cumprimento das obrigações contratuais e ao respeito aos princípios da boa-fé e da transparência nas relações comerciais.

Por outro lado, tem-se que os bancos digitais estão redefinindo o panorama financeiro, oferecendo serviços inovadores e acessíveis, incluindo os empréstimos para capital de giro. Nesse contexto, o CDC desempenha um papel crucial na proteção dos consumidores, garantindo que os contratos sejam justos, transparentes e equilibrados.

No entanto, é importante que as empresas societárias estejam cientes de seus direitos e responsabilidades ao contratar empréstimos, especialmente em um ambiente digital onde as transações podem ser realizadas rapidamente e com pouca burocracia. Com o devido conhecimento e conscientização, os empréstimos para capital de giro podem ser uma ferramenta poderosa para impulsionar o crescimento e a inovação das empresas, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social do país.

Para as instituições financeiras, especialmente, os Bancos Digitais, o cumprimento das normas e regulamentações do CDC não apenas protege os consumidores, mas também fortalece a confiança e a reputação da marca, contribuindo para o sucesso a longo prazo no mercado financeiro digital.

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GEOVANNI OLIVEIRA DE SOUZA. Advogado (OAB/PR nº. 59.955). Pós-graduando em Direito Empresarial pelo Centro Universitário UniFaveni; Pós-graduado em Direito Ambiental pela Universidade Federal do Paraná e Graduado em Direito pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil – UniBrasil.

[1] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-jan-09/cdc-nao-se-aplica-a-contratos-de-emprestimo-para-capital-de-giro-diz-stj/

[2] Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/16022023-CDC-nao-se-aplica-a-contratos-de-emprestimo-para-capital-de-giro.aspx

[3] Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/fintechs

 

 

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