IPTU em Multipropriedade: Como Funciona?

Já tratamos em artigo anterior sobre a multipropriedade incluída pela Lei nº 13.777/2018 e instituto relativamente novo no ordenamento jurídico. No presente artigo, faremos algumas considerações sobre a incidência de IPTU em multipropriedade, conforme a seguir.

Multipropriedade

A multipropriedade ocorre quando indivíduos distintos compartilham a mesma propriedade de um bem imóvel, definindo o art. 1.358-C do Código Civil da seguinte maneira: “cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada”.

Muitas pessoas possuem imóveis de “férias” e acabam usufruindo pouco, gerando altos custos de manutenção, como taxas de condomínio, caseiro, consumo de água e luz, IPTU, entre outros, para pouco proveito. Dessa forma, a multipropriedade pode garantir uma redução de custos para aproveitar as férias e também serve para o investidor que decide diversificar a carteira, obtendo lucros com o negócio por meio da revenda da cota de propriedade em caso de valorização (crowdfunding imobiliário).

IPTU e Multipropriedade

O IPTU é o Imposto Predial e Territorial Urbano, devido anualmente pelo proprietário do imóvel. Mas o que ocorre quando existem multi-proprietários sobre um mesmo bem?

Como o IPTU incide sobre a propriedade, o contribuinte (proprietário) deve pagar a taxa de IPTU sobre todos os imóveis que possuir. Se a propriedade for apenas um terreno, deverá pagar o ITU (Imposto Territorial Urbano) e se for imóvel rural, deverá pagar o ITR (Imposto Territorial Rural), com base em cálculos e alíquotas diferentes do IPTU. O IPTU é calculado com base no valor venal do imóvel (preço estabelecido pelo Poder Público) e alíquota varia dependendo do município.

Na multipropriedade imobiliária, sobre um mesmo imóvel há diversos proprietários. Cada proprietário terá uma matrícula do imóvel relativa à fração de tempo a que tem direito, conforme previsto nos §§ 10º e 11º do art. 176 da Lei nº. 13.777/2018 (que alterou o art. 176 da Lei de Registros Públicos), in verbis:

§ 10. Quando o imóvel se destinar ao regime da multipropriedade, além da matrícula do imóvel, haverá uma matrícula para cada fração de tempo, na qual se registrarão e averbarão os atos referentes à respectiva fração de tempo, ressalvado o disposto no § 11 deste artigo.

§ 11. Na hipótese prevista no § 10 deste artigo, cada fração de tempo poderá, em função de legislação tributária municipal, ser objeto de inscrição imobiliária individualizada.

Ou seja, em que pese um mesmo imóvel ter diversos proprietários, cada proprietário obtém uma matrícula da parte a qual tem direito.

Solidariedade passiva entre multiproprietários?

Como cada multiproprietário possui uma fração de tempo para utilização do imóvel, devidamente registrado em matrícula, cada um é responsável pelo pagamento proporcional do IPTU, ou seja, pelo valor correspondente à sua fração.

A dúvida reside quanto aos riscos de inadimplência: se um dos multiproprietários deixa de pagar, os demais podem ser responsabilizados solidariamente?

Um dos argumentos utilizados para rechaçar a hipótese de responsabilidade solidária é que o tributo recai sobre o direito de propriedade da unidade periódica, de modo que os demais multiproprietários não podem ser responsabilizados pela dívida de IPTU da unidade.

Isso porque o fato gerador do IPTU seria o direito real de propriedade do imóvel periódico, com fulcro no art. 110, CTN e porque o ordenamento jurídico trata a unidade periódica como imóvel autônomo.

Em outras palavras, não é porque o comprador adquiriu sua fração de tempo sobre o imóvel, com inclusive matrícula individualizada, que deve ser responsabilizado por débitos decorrentes de outras unidades.

O art. 176, § 11º da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73), acima mencionado, confirma esta tese, pois cada multiproprietário, novamente, possui unidade periódica como imóvel autônomo.

Em caso de inadimplemento, como qualquer outro caso, pode ocorrer tentativas de penhoras, na ordem do art. 835, do Código de Processo Civil, sendo uma delas a penhora de imóvel, que pode recair justamente sobre o próprio bem (unidade autônoma), e não o imóvel em sua totalidade.

No entanto, vale destacar o que prediz o art. 146, inciso III, da Constituição Federal, que determina ser competência de Lei Complementar dispor sobre regras gerais em matéria tributária, assim como o art. 124, I, CF, podendo ser interpretados como controvérsia à não-solidariedade, dispositivos estes mencionados pela mensagem de veto

De todo modo, pela ausência da Lei Complementar regendo a situação em específico, vale a interpretação de que cada multiproprietário responde apenas por sua unidade periódica, especialmente por conta do art. 176, § 11º da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73), que prevê a matrícula individualizada para cada unidade periódica.

Conclusão

A multipropriedade está disciplinada como um direito real de habitação periódico. Com efeito, como toda e qualquer despesa relacionada ao imóvel, o IPTU da multipropriedade é rateado entre todos os proprietários de forma proporcional.

Em caso de inadimplemento, por ser um direito sobre coisa própria, pode ser arguida a inexistência do dever de um multiproprietário arcar com tributos propter rem dos demais, especialmente com fulcro no art. 176, § 11º da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73), que individualizou a unidade periódica.

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AUTORES

Antonio Neiva de Macedo Neto. Advogado (OAB/PR sob nº. 55.082) e sócio do Barioni & Macedo Sociedade de Advogados. Pós-graduado em Direito Processual Civil Contemporâneo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).

Clarice de Camargo Ibañez. Advogada (OAB/PR sob o nº. 110.008). Mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Gisele Barioni de Macedo. Advogada (OAB/PR nº. 57.136) e sócia do Barioni & Macedo Sociedade de Advogados. Pós-graduada em Direito e Processo Tributário pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Pós-graduada em Direito Processual Civil Contemporâneo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).

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