A desapropriação é uma forma de intervenção do Estado na propriedade privada, autorizada pela Constituição Federal quando presente a necessidade pública, a utilidade pública ou o interesse social (art. 5º, XXIV). Embora legítima do ponto de vista jurídico, trata-se de um procedimento que, na prática, afeta diretamente o patrimônio e a segurança de famílias e empresas, exigindo atenção técnica quanto aos direitos do expropriado.
É comum que os proprietários recebam uma proposta de indenização que não reflete o valor real do bem, ou que sequer sejam consultados antes de serem surpreendidos com a imissão provisória do ente público na posse do imóvel. Nessas situações, é fundamental compreender que o proprietário tem direito de contestar o valor ofertado e de buscar, judicialmente, a complementação da indenização, com base em critérios objetivos de avaliação e nos princípios constitucionais da justa indenização e do devido processo legal.
Este artigo tem por objetivo esclarecer, de forma acessível, porém tecnicamente fundamentada, os principais aspectos da desapropriação de imóveis, apresentando alternativas jurídicas viáveis para a defesa do expropriado e a obtenção de uma reparação compatível com o seu prejuízo.
O que é a desapropriação e quando ela é cabível
A desapropriação é o procedimento por meio do qual o Poder Público, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, retira compulsoriamente a propriedade de um bem privado para atender a uma finalidade pública relevante. Trata-se de instituto de natureza híbrida — administrativa quanto à declaração expropriatória e jurisdicional quanto à fixação do valor indenizatório, quando não há acordo.
A base normativa está prevista:
- no 5º, XXIV, da Constituição Federal;
- na Lei Federal nº 4.132/62, para desapropriações por interesse social;
- e, sobretudo, no Decreto-Lei nº 3.365/41, que regula o rito geral da desapropriação por utilidade pública.
A desapropriação pode ser classificada como:
- Amigável, quando há concordância com a proposta indenizatória formulada pelo ente público;
- ou judicial, quando o proprietário discorda da oferta ou sequer é procurado, sendo demandado diretamente.
Ainda que a ação judicial esteja em curso, é comum que o ente expropriante requeira a imissão provisória na posse, com base no art. 15 do DL 3.365/41, desde que comprove o depósito judicial do valor ofertado. No entanto, esse valor é meramente estimativo e não vincula o juiz na definição do quantum indenizatório — que deverá observar parâmetros objetivos como o valor de mercado do bem, benfeitorias, lucros cessantes, eventual fundo de comércio, entre outros.
Por essa razão, a atuação jurídica técnica é essencial para resguardar o direito à indenização integral e para garantir que o expropriado não arque, sozinho, com os ônus do interesse público.
O desapropriado é obrigado a aceitar o valor proposto pelo Poder Público?
Não. O valor ofertado pelo ente expropriante não é vinculante e pode (e deve) ser contestado sempre que se mostrar inferior ao valor real de mercado ou deixar de considerar elementos relevantes para o cálculo da indenização.
Ao iniciar o procedimento desapropriatório, é comum que o Poder Público proponha uma quantia com base em avaliação unilateral, muitas vezes superficial ou desatualizada. Tal proposta serve apenas como parâmetro inicial para a imissão provisória na posse, mas não substitui o direito à indenização justa, plena e atualizada, conforme assegurado pela Constituição Federal.
Nos casos em que a desapropriação segue pela via judicial, o proprietário poderá apresentar contestação à ação desapropriatória, apontando as diferenças entre o valor ofertado e o efetivo valor do bem. Essa divergência será objeto de prova pericial técnica, realizada por perito nomeado pelo juízo, sendo facultada a apresentação de laudo assistencial pelo expropriado — algo altamente recomendável.
Além do valor de mercado do imóvel, o Judiciário pode reconhecer o direito a indenizações complementares, como:
- Benfeitorias úteis ou necessárias não consideradas na avaliação inicial;
- Prejuízos com desocupação e reinstalação (especialmente no caso de imóveis comerciais);
- Recompensação pela desvalorização do terreno (nas hipóteses em que o terreno for dividido em dois);
- Lucros cessantes, quando demonstrado que a desapropriação inviabilizou a atividade econômica;
- Juros compensatórios e atualizações monetárias.
Portanto, o expropriado não apenas pode como deve contestar o valor ofertado quando este não for compatível com a realidade do imóvel e os prejuízos efetivamente sofridos. Aceitar de forma irrefletida a proposta estatal pode resultar em perdas patrimoniais significativas e, em certos casos, irreparáveis.
O que fazer se o imóvel já foi ocupado da definição do valor justo?
É comum que o Poder Público, ao ajuizar a ação desapropriatória, requeira a imissão provisória na posse do imóvel, ou seja, o direito de ocupá-lo antes mesmo da sentença que fixará a indenização definitiva. Esse pedido é regulado pelo art. 15 do Decreto-Lei nº 3.365/41, e exige apenas o depósito judicial do valor ofertado na petição inicial, independentemente da concordância do proprietário.
Contudo, o ingresso do ente expropriante na posse não significa que a desapropriação se concluiu, nem que o valor depositado seja definitivo. Trata-se de uma medida liminar, que autoriza o uso imediato do bem para atender à finalidade pública declarada, mas não extingue o direito do proprietário de discutir judicialmente a justa indenização.
Nessas situações, é fundamental agir com rapidez e estratégia. O expropriado poderá:
- Apresentar contestação à ação desapropriatória, impugnando expressamente o valor ofertado;
- Produzir prova técnica pericial, com base em avaliação atualizada e condizente com o valor de mercado;
- Requerer indenizações complementares (lucros cessantes, benfeitorias, fundo de comércio, danos emergentes, entre outros);
- Solicitar o levantamento do depósito judicial sem renunciar ao direito de discutir o valor remanescente — o que exige cautela e assistência jurídica, para não configurar aceitação tácita da proposta estatal.
A imissão provisória na posse não retira do expropriado o direito de exigir a indenização integral. Assim, ainda que o imóvel já tenha sido ocupado, o processo está longe de terminado — e a atuação técnica nesse momento é determinante para que o valor final seja condizente com o verdadeiro prejuízo sofrido.
O que pode ser incluído na indenização além do valor do imóvel?
Ao contrário do que muitas pessoas imaginam, a indenização decorrente da desapropriação não se restringe ao valor do terreno ou da edificação. O ordenamento jurídico brasileiro adota o princípio da reparação integral, o que significa que o proprietário deve ser ressarcido por todos os prejuízos efetivamente sofridos em razão da perda do imóvel — e não apenas pelo bem em si.
O ponto de partida, naturalmente, é o valor de mercado do imóvel, que deve refletir seu real potencial econômico, e não se limitar a estimativas administrativas ou valores venais desatualizados. Esse valor deve considerar localização, metragem, padrão construtivo, destinação do imóvel e preços praticados na região, sempre com base em avaliação técnica adequada.
Além disso, a indenização pode (e deve) abranger eventuais benfeitorias realizadas pelo expropriado — como ampliações, instalações técnicas, reformas e outras melhorias incorporadas ao imóvel antes da imissão na posse. Em casos de imóveis utilizados para fins comerciais ou locatícios, é possível pleitear a compensação por lucros cessantes, quando comprovado que a desapropriação causou perda de receita ou inviabilizou a continuidade de uma atividade econômica.
Outro ponto frequentemente negligenciado é a indenização por fundo de comércio — cabível quando há forte vínculo entre o estabelecimento e o ponto comercial desapropriado, dificultando ou impedindo a manutenção da clientela em outro local. A jurisprudência reconhece essa possibilidade, desde que comprovados elementos como tempo de funcionamento, dependência da localização e impacto econômico direto.
Há ainda a possibilidade de reparação por danos emergentes, relacionados aos custos de desocupação, reinstalação, transferência de estrutura e até mesmo regularização de novo imóvel. E, não menos importante, o valor devido deve ser atualizado monetariamente e acrescido de juros compensatórios, incidentes sobre a diferença entre o valor ofertado e o montante final fixado judicialmente, a partir da imissão na posse.
Em resumo, a justa indenização engloba não apenas o imóvel em si, mas todo o conjunto de efeitos econômicos que recaem sobre o expropriado — o que exige atuação jurídica atenta, fundamentada e estratégica, desde os primeiros atos do processo até a fixação do valor definitivo.
Como garantir uma indenização justa?
Garantir uma indenização justa em um processo de desapropriação não é uma consequência automática da Constituição ou da lei — é resultado de uma atuação técnica bem orientada, iniciada ainda nos primeiros movimentos do procedimento expropriatório. Isso porque o valor oferecido pelo ente público, embora deva ser depositado previamente para permitir a imissão na posse, raramente corresponde ao valor real do imóvel ou aos prejuízos efetivos sofridos pelo proprietário.
A principal ferramenta para a defesa do expropriado é a contestação à ação desapropriatória, que deve ser apresentada no prazo legal após a citação. Nesse momento, é fundamental impugnar expressamente o valor ofertado e requerer a produção de prova pericial, a ser realizada por perito nomeado pelo juízo. Paralelamente, recomenda-se a contratação de perito assistente técnico, com experiência em avaliações imobiliárias, que possa apresentar laudo detalhado e acompanhar tecnicamente o processo.
A documentação também exerce papel relevante. Contratos de compra e venda, registros imobiliários, recibos de aluguel, declarações de imposto de renda, plantas do imóvel, fotografias e até avaliações particulares anteriores à desapropriação podem contribuir para demonstrar o real valor do bem e a extensão dos prejuízos sofridos. Em casos de imóveis comerciais, é essencial comprovar a movimentação da empresa e o vínculo entre a clientela e o ponto físico, especialmente se houver interesse em pleitear indenização por fundo de comércio ou lucros cessantes.
Outro ponto que exige atenção é o levantamento do valor inicialmente depositado pelo ente público. Embora esse levantamento seja um direito do expropriado, ele deve ser feito com cautela, e, preferencialmente, com a devida reserva do direito de discutir o valor remanescente — evitando qualquer interpretação de que houve concordância tácita com a proposta estatal.
Por fim, é importante destacar que, mesmo após a posse ter sido transferida ao Poder Público, o processo não está encerrado. A definição da indenização definitiva depende da instrução probatória, da análise técnica do juízo e da correta formulação dos pedidos.
Conclusão
A desapropriação é um instituto legítimo do ponto de vista jurídico, mas que, na prática, impõe ao cidadão impactos diretos sobre o seu patrimônio, sua estabilidade e, muitas vezes, seu próprio projeto de vida. Diante disso, o direito à indenização justa — garantido constitucionalmente — não deve ser compreendido como mera formalidade, mas como um verdadeiro imperativo de justiça material.
Receber uma proposta de indenização abaixo do valor de mercado, ser surpreendido pela imissão do Poder Público na posse do imóvel ou não compreender integralmente os elementos que compõem a reparação devida são situações recorrentes, mas que podem ser enfrentadas com estratégia e respaldo técnico.
Se você foi desapropriado, recebeu uma notificação ou está diante de uma proposta indenizatória que lhe parece injusta, não hesite em buscar orientação. A análise jurídica adequada pode representar a diferença entre um prejuízo irreparável e o reconhecimento integral daquilo que é seu por direito.
Ficou com alguma dúvida? Consulte nossa equipe (clique em ‘fale conosco‘ ou converse conosco via WhatsApp).
Clique aqui e leia mais artigos escritos por nossa equipe.
Carlos Eduardo Melo Bonilha. Advogado (OAB/PR nº. 115.107). Bacharel em direito pela Universidade Federal do Paraná. Pós-graduando em Direito e Processual Civil Contemporâneo (ESA/OAB SP). Pós-graduando em Gestão e Business Law (Fundação Getúlio Vargas). Membro da Comissão de Direito Processual Civil da Ordem dos Advogados do Brasil subseção Paraná.
Referências:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 5º, incisos XXII, XXIV e §6º.
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941. Dispõe sobre as desapropriações por utilidade pública.