A arrematação de imóveis por meio de leilão tornou-se uma alternativa relevante tanto para a recuperação de crédito quanto para aquisição de bens com valores abaixo do mercado. No entanto, a modalidade pela qual esse leilão ocorre – judicial ou extrajudicial – interfere diretamente no procedimento, nos riscos envolvidos e na segurança jurídica da operação.
A escolha entre o leilão judicial ou extrajudicial deve considerar uma série de fatores, desde a origem da dívida até os interesses específicos de credores, devedores e investidores. Assim, este artigo propõe-se a traçar um panorama claro, técnico e prático sobre as principais diferenças entre essas duas modalidades, abordando seus atores, etapas, mecanismos de impugnação, vantagens e desvantagens.
1. Modalidades e Natureza Jurídica do Leilão: Judicial x Extrajudicial
O leilão judicial decorre, como o próprio nome indica, de um processo judicial em curso, geralmente vinculado a uma ação de execução, falência, inventário, partilha ou cumprimento de sentença. O bem é penhorado e levado à hasta pública, sob supervisão do juízo competente. Seu procedimento segue as regras do Código de Processo Civil (arts. 879 a 903), sendo conduzido por leiloeiro público nomeado pelo juízo.
Já o leilão extrajudicial ocorre sem a intervenção direta do Poder Judiciário. É comum nos casos de execução de dívida com garantia fiduciária, regida pela Lei nº 9.514/97, que prevê a alienação extrajudicial do imóvel em caso de inadimplemento do devedor. A formalização se dá por meio do registro do contrato de alienação fiduciária, e o leilão é promovido por meio de edital publicado pelo credor fiduciário ou por entidade especializada.
A principal distinção, portanto, reside no fato de que o leilão judicial demanda uma atuação jurisdicional contínua, enquanto o extrajudicial segue um procedimento administrativo regulado em lei específica, sendo mais célere – porém nem sempre mais seguro.
2. Etapas e Envolvidos no Processo de Leilão
Leilão Judicial:
- Credor executante, que propõe a execução;
- Devedor executado, contra quem se promove a penhora;
- Juiz do processo, que determina a alienação judicial do bem;
- Leiloeiro judicial, nomeado pelo juízo;
- Interessados e arrematantes, que participam da hasta pública.
As etapas incluem a penhora, avaliação do bem, publicação do edital de leilão (com data, condições, valor mínimo, etc.), realização do leilão em 1ª e 2ª praças, homologação da arrematação e posterior expedição da carta de arrematação.
Leilão Extrajudicial:
- Credor fiduciário, geralmente uma instituição financeira;
- Devedor fiduciante, que deu o imóvel em garantia;
- Tabelião de registro de imóveis, responsável pela consolidação da propriedade em nome do credor;
- Leiloeiro particular, muitas vezes vinculado à instituição financeira;
- Arrematantes, interessados na aquisição do imóvel.
No extrajudicial, o credor notifica o devedor para purgar a mora no prazo legal. Após a consolidação da propriedade no nome do credor, realizam-se dois leilões: um primeiro para tentativa de venda pelo valor da dívida ou avaliação, e um segundo com possibilidade de lance mínimo menor. Caso a venda seja concretizada, transfere-se o imóvel ao arrematante via registro de imóvel.
3. Vantagens e Desvantagens de Cada Modalidade
Leilão Judicial:
Vantagens:
- Maior controle judicial e, por consequência, maior segurança jurídica ao arrematante;
- Arrematação constitui aquisição originária, o que extingue penhoras, ônus e gravames anteriores (salvo tributos e outras exceções legais);
- Possibilidade de pleitear imissão na posse por ordem judicial, com uso de força policial, se necessário.
Desvantagens:
- Processo mais lento, burocrático e sujeito a inúmeros incidentes processuais;
- Risco de impugnações posteriores, como embargos à arrematação ou ações anulatórias por parte do devedor ou terceiros;
- Custas processuais mais elevadas e necessidade de atuação contínua de advogado.
Leilão Extrajudicial:
Vantagens:
- Procedimento mais ágil e direto, permitindo a rápida recuperação do crédito;
- Menor custo operacional para o credor e arrematante;
- Não depende de decisão judicial para sua realização.
Desvantagens:
- Pode gerar insegurança jurídica, especialmente se houver vícios formais na notificação do devedor ou irregularidades no edital;
- A ocupação do imóvel pelo antigo devedor pode demandar ação judicial específica (ação de imissão na posse ou reintegração);
- Discussões sobre nulidade do procedimento extrajudicial são comuns, especialmente quando não são respeitados os requisitos da Lei 9.514/97.
4. Formas de Impugnação e Riscos Associados
No leilão judicial, as impugnações mais comuns ocorrem por meio de:
- Embargos à execução (arts. 914 a 920 do CPC);
- Embargos à arrematação (art. 903, §1º, CPC);
- Ações autônomas, como anulação de arrematação por vício de consentimento, fraude à execução ou simulação.
Apesar de haver maior segurança, ainda há riscos como:
- O devedor alegar nulidade na citação ou na penhora;
- Existência de usufruto ou cláusulas restritivas não percebidas no edital;
- Inexistência de desocupação imediata, mesmo após a carta de arrematação.
No leilão extrajudicial, o devedor pode buscar o Judiciário para:
- Anular o leilão por ausência ou irregularidade na notificação de purga da mora;
- Alegar abuso de direito ou cobrança indevida da dívida;
- Discutir cláusulas contratuais leoninas ou renegociações frustradas.
O arrematante, por sua vez, corre o risco de:
- Ter sua aquisição judicialmente questionada;
- Enfrentar morosidade para a posse do bem, caso precise ingressar com ação judicial para desocupação;
- Descobrir débitos de IPTU ou condomínio que, embora não necessariamente impeçam a aquisição, podem gerar ônus econômico imprevisto.
5. Segurança Jurídica e Cuidados Prévios à Arrematação
A segurança jurídica na arrematação depende da análise minuciosa do edital, da matrícula do imóvel e do histórico processual (no caso de leilões judiciais). Tanto advogados quanto arrematantes devem atentar para:
- Verificar se há ônus reais (como hipoteca) ou gravames;
- Conferir a regularidade do edital, publicação, prazos e valor mínimo;
- Avaliar se o imóvel está ocupado e por quem (locatário, antigo proprietário, terceiro);
- Observar se o devedor foi regularmente notificado (principalmente no extrajudicial);
- Checar se há ações em trâmite que possam comprometer a arrematação.
Outro ponto crucial é a contratação de advogado especializado, que poderá fazer a due diligence completa do imóvel antes da arrematação. Isso reduz riscos de nulidade futura e facilita eventuais medidas judiciais necessárias após a aquisição, como o pedido de imissão na posse.
Conclusão
A escolha entre leilão judicial e extrajudicial de imóveis envolve muito mais do que uma análise de prazos ou valores. Cada modalidade carrega implicações jurídicas, processuais e práticas que podem impactar diretamente a efetividade da recuperação de crédito ou a segurança do investimento.
Enquanto o leilão judicial oferece maior segurança formal, em virtude da atuação do Poder Judiciário, seu trâmite pode ser moroso e suscetível a contestações processuais. Já o leilão extrajudicial, embora mais ágil, exige do arrematante e do credor uma atenção redobrada quanto à regularidade do procedimento, sob pena de futura nulidade.
O conhecimento técnico sobre as duas modalidades, somado a uma análise estratégica das circunstâncias concretas do caso e assessoria jurídica especializada é o que assegura o sucesso da arrematação e a proteção dos interesses tanto do credor quanto do arrematante.
Se você está diante da oportunidade — ou da necessidade — de participar de um leilão de imóvel, seja como credor, devedor ou potencial arrematante, é fundamental contar com a orientação de uma assessoria jurídica especializada na área. A atuação técnica e preventiva pode ser determinante para garantir a segurança jurídica do procedimento, minimizar riscos e proteger seus interesses patrimoniais.
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Autora: GIOVANA RIBEIRO. Advogada (OAB/PR nº. 115.485). Pós-graduada em Processo Civil pelo Centro Universitário Internacional – UNINTER; Bacharel em Direito pela UNIOPET – Centro Universitário Opet.
- Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002)
- Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015)
- Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997 – Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências.
- Lei nº 14.711, de 30 de outubro de 2023 – dispõe sobre o aprimoramento das regras relativas ao tratamento do crédito e das garantias e às medidas extrajudiciais para recuperação de crédito.
- https://www.conjur.com.br/2024-mar-03/juiza-anula-leilao-extrajudicial-de-imovel-por-intimacao-irregular-de-devedor/