Dentre as inúmeras inovações trazidas pela Lei 13.467/2017, encontra-se a inclusão, ao texto da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), do artigo 484-A[1], o qual prevê a possibilidade de extinção do contrato de trabalho por acordo entre empregado e empregador.
A despeito de não explicitar o procedimento pelo qual deva se dar o sugerido ajuste para a extinção contratual, o mencionado dispositivo prevê condições específicas para a apuração e pagamento das parcelas rescisórias, dispondo que serão devidos, pela metade, o aviso prévio e a indenização rescisória destinada ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), mantendo-se, na integralidade, as demais parcelas habitualmente devidas.
Trata-se de instituto jurídico inédito, porquanto não havia qualquer disposição semelhante no ordenamento jurídico anteriormente à reforma, já que as únicas formas de extinção do contrato de trabalho decorrentes da vontade se davam por iniciativa unilateral, seja por parte do empregado ou por parte do empregador.
Em sua clássica obra, Curso de Direito do Trabalho, Amauri Mascaro Nascimento já enumerava as formas de extinção da relação de emprego, apontando serem possíveis:
(i) extinção por iniciativa do empregado;
(ii) extinção por aposentadoria;
(iii) extinção por iniciativa do empregador;
(iv) extinção por iniciativa de ambos
(v) extinção decorrente de ato de terceiro ou fato.
Dentre todas essas possibilidades, as únicas amplamente observáveis na prática laboral, e que decorriam da necessária manifestação unilateral de vontade das partes, correspondiam à extinção por iniciativa do empregado e à extinção por iniciativa do empregador. Na primeira hipótese, o ilustre autor registra que a rescisão contratual poderia se dar pelo pedido de demissão ou pleito de rescisão indireta apresentada pelo empregado. Já na segunda, pondera que o empregador poderia optar pela dispensa do empregado, com ou sem justa causa, a depender das circunstâncias envolvidas.
Quanto à extinção por iniciativa de ambas as partes, a mesma obra menciona que esta poderia se dar por acordo entre empregador e empregado, ou, judicialmente, nas hipóteses em que se discute a culpa recíproca de ambas as partes no cometimento de faltas que venham a gerar a extinção contratual, ou seja, no descumprimento do contrato por ambos os contratantes, empregador e empregado.
Fato é que mesmo o eminente doutrinador não foi capaz de detalhar em sua obra quais seriam os procedimentos e eventuais efeitos decorrentes de um acordo entre empregador e empregado para efetivar a extinção contratual. E não poderia ser diferente, já que a legislação não previa tal modalidade, sendo certo que qualquer negociação extrajudicial neste sentido estaria sujeita a questionamentos do ponto de vista legal.
Com o implemento do já mencionado artigo 484-A à CLT, o ordenamento passa a permitir a extinção contratual por acordo entre as partes, deixando de exigir a existência ou não de causa prévia que imponha o término do contrato, privilegiando, assim, o interesse convergente entre empregador e empregado pela descontinuidade da relação empregatícia.
Assim, diferente das modalidades clássicas de rescisão da relação de emprego, onde a iniciativa de término decorre, na grande maioria dos casos, do interesse isolado de uma das partes, a nova norma aponta para a possibilidade de ajuste para encerramento.
A oportunidade de extinção contratual por comum acordo, além de prestigiar a livre estipulação entre as partes e o respeito ao interesse mútuo, previne, de certa forma, a formalização de rescisões contratuais simuladas.
Isto porque, a partir da criação do regime de fundo de garantia por tempo de serviço, instituído pela Lei 5.107/66, posteriormente revogada pelos diplomas legais sucessivos que vieram a se consolidar na Lei 8.036/90, tornou-se comum observar situações de verdadeira fraude decorrente de simulação na extinção contratual, operada sob a forma de dispensa sem justa causa do empregado.
Nessa manobra fraudulenta, também chamada popularmente de “acordo para dispensa”, o empregador, a pedido do próprio empregado, ajusta previamente que procederá com a dispensa sem justa causa deste, permitindo assim o recebimento integral das verbas trabalhistas previstas para esta modalidade rescisória e a consequente habilitação do trabalhador no Seguro Desemprego, mas sob condição de que ele devolva ao empregador a quantia correspondente à multa rescisória de 40% (quarenta por cento), prevista em lei.
Trata-se, pois, de dupla fraude que onera os cofres públicos, quais sejam:
(i) do próprio regime do FGTS, que se vê privado de contar com os recursos indevidamente levantados pelo trabalhador
(ii) do sistema de Seguro Desemprego, instituído pela Lei 7.998/90, haja vista que o trabalhador irá se habilitar para o recebimento das parcelas pagas pelo governo de forma indevida, tendo em vista ter sido sua a iniciativa para a rescisão contratual.
Para o trabalhador, a vantagem na adoção do procedimento fraudulento decorre do fato de poder se utilizar dos benefícios governamentais que não teria direito caso apresentasse pedido de demissão.
Já para o empregador, o atrativo da fraude encontra-se na possibilidade de livrar-se de um empregado que não mais deseja ter sem seus quadros, dividindo com este os custos decorrentes de uma dispensa sem justa causa típica que viria a efetivar no futuro, já que receberá de volta a quantia que seria destinada a título de multa rescisória do FGTS.
Vale notar que, embora passível de punição, inclusive na esfera criminal, em função da prática de crime de estelionato – com pena aumentada por tratar-se de crime praticado em detrimento de entidade de direito público e de assistência social, conforme previsto pelo artigo 171, §3º, do Código Penal Brasileiro -, esta prática, não raras vezes, é constatada no ambiente laboral, principalmente de pequenas empresas, com sistema pouco desenvolvido de rotinas trabalhistas e de compliance laboral.[3]
Tomando tal premissa como base, verifica-se que o objetivo da inovação legislativa consistiu não apenas em trazer maior flexibilidade às partes contratantes no momento da extinção do contrato, mas, principalmente, em evitar a prática dos procedimentos fraudulentos narrados, os quais causam prejuízos imensuráveis à organização financeira estatal, não obstante representem riscos de punição severa a empregador e empregado.
Além disso, o que se percebe é uma maior pré-disposição do legislador em compreender a relação trabalhista como uma relação contratual típica, na qual as partes podem, de comum acordo, operar o distrato, ou seja, a resilição bilateral do contrato, assim entendida como aquela na qual há vontade de todos os contratantes em encerrar as obrigações pactuadas.
A propósito, fazendo-se um paralelo com a legislação material civil, verifica-se que as as hipóteses de extinção contratual volitiva na esfera trabalhista baseavam-se, essencialmente, nos institutos da resolução (inadimplemento das obrigações por parte de um dos contratantes) ou na resilição unilateral (extinção pela vontade de uma das partes). Não havia, portanto, previsão legal para a resilição bilateral, disposta no artigo 472, do Código Civil Brasileiro.
Amauri Mascaro Nascimento já assinalava que, ao Direito do Trabalho, dever-se-iam aplicar princípios do Direito Civil, exemplificando tal assertiva nos seguintes moldes:
“[…] É o caso do princípio da autonomia da vontade, uma vez que também nas relações de trabalho não é negado o poder dos indivíduos de suscitar, mediante declaração de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica, quer pela vontade unilateral, quer pelo concurso de vontades […]”
Assim, sob o ponto de vista de amparo legal, percebe-se que a inovação legislativa neste particular reproduz conceitos já existentes nas teorias do contrato, decorrentes da legislação civil, conferindo força e autonomia à vontade das partes.
Ocorre que, a importação de conceitos de ordem civil para a esfera trabalhista nem sempre encontra plena acolhida, especialmente em função dos princípios norteadores das relações laborais. Com efeito, é justamente a vontade das partes, o elemento essencial que visou prestigiar a inovação legislativa, que pode ser objeto de questionamento no âmbito trabalhista.
Isto porque, na ausência de detalhamento acerca dos procedimentos e protocolos a serem adotados para a efetivação da extinção por comum acordo, estima-se que o Poder Judiciário, encarregado por confirmar ou rechaçar a validade dos ajustes neste sentido, tenderá a se posicionar conforme os princípios trabalhistas, tão enraizados em nossa jurisprudência.
Uma das máximas que rege as relações trabalhistas consiste no princípio da irrenunciabilidade, o qual, segundo Américo Plá Rodriguez, consiste na “impossibilidade jurídica de privar-se voluntariamente de uma ou mais vantagens concedidas pelo direito trabalhista em benefício próprio”.
Como fundamento do referido princípio, encontra-se também o entendimento de que as manifestações de vontade emanadas do trabalhador devem ser interpretadas sob a presunção de vício de consentimento. A este respeito, Américo Plá Rodriguez, citando Juan Antonio Sagardoy Bengoechea, enumera o quanto segue:
“[…] Diz Sagardoy: O fundamento social do princípio da irrenunciabilidade é a proteção contra a desigualdade das partes; seu fundamento jurídico, a presunção de que obedece a um vício de origem (erro de entendimento ou falta de voluntariedade do ato de renúncia […]”
Desta feita, o maior desafio que se espera enfrentar no implemento da extinção contratual decorrente de acordo entre as partes consiste na demonstração da validade da manifestação de vontade do empregado, já que a inovação legislativa pecou por não trazer consigo os procedimentos que deverão ser adotados para que se obtenha segurança jurídica na adoção da medida.
Nas discussões que se seguiram após a edição da Lei 13.467/2017, alguns posicionamentos sobre o tema começaram a ganhar forma, valendo destacar a proposta de interpretação aprovada na 1ª Jornada sobre a Reforma Trabalhista, realizada no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 4 Região – Rio Grande do Sul, no seguinte sentido:
“Art. 484-A da CLT
É ônus processual do empregador trazer a documentação relativa ao distrato por mútuo consentimento previsto no art. 484-A da CLT. Alegado o vício de consentimento, incumbe à parte requerente comprová-lo. O cálculo da metade do aviso prévio deve considerar a proporcionalidade prevista na Lei nº 12.506/11”.
Como se vê, a tendência jurisprudencial será a de estabelecer regra mista de distribuição do ônus da prova, imputando ao empregador o dever de apresentar os documentos relativos ao distrato, pelo princípio da aptidão para a prova. Por outro lado, uma vez arguido vício de consentimento por parte do empregado, caberá a este comprovar que foi vítima de erro, dolo ou coação.
Entretanto, este não é o único ponto de discussão sobre a extinção consensual do contrato de trabalho, embora seja o mais premente. Muito se discute também sobre as lacunas deixadas pelo dispositivo e sobre as próprias definições dele constantes.
Um dos pontos de omissão da lei consiste na exigência de observância ou não do aviso prévio proporcional, previsto pela Lei 12.506/2011, a qual garante ao trabalhador o cômputo de 3 (três) dias adicionais por ano de serviço completo prestado ao empregador, estendendo, assim, a possibilidade de aviso prévio dos habituais 30 (trinta) dias para até 90 (noventa) dias, sendo este o limite fixado pela referida lei.
Como se vê, o artigo 484-A, da CLT, não dispõe se a indenização correspondente à metade do aviso prévio deverá considerar a extensão proporcional do instituto, conforme determinado em lei. Também não há previsão se, no caso de extinção consensual, poderá ser exigido pelo empregador o trabalho durante o aviso prévio e, em caso positivo, se este trabalho também se limitará à metade do período que poderia exigir legalmente.
A proposta aprovada pelo TRT da 4ª Região, descrita alhures, interpreta que a indenização do aviso prévio deve considerar o período proporcional da Lei 12.506/2011, mas o tema deve suscitar posicionamentos distintos no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho.
Outra discussão diz respeito à fixação de pagamento de aviso prévio e multa rescisória do FGTS, devidos ao empregado, pela metade, já que, até então, apenas havia previsão legal neste sentido para a rescisão do contrato por culpa recíproca, descrita pelo artigo 484, da CLT. Ou seja, seria correto fixar o pagamento das indenizações pela metade, mesmo não tendo havido culpa concorrente do empregado para a extinção contratual?
Aqui, parece ter agido acertadamente o legislador, já que não se fala em análise de culpa para a extinção consensual do contrato de trabalho, mas, sim, em livre manifestação da vontade das partes contratantes. Neste sentido, entendemos que apenas pecou o legislador em posicionar o novo dispositivo legal geograficamente na sequência do artigo 484, da CLT, que trata justamente da rescisão por culpa recíproca. Seria melhor tê-lo incluído após os artigos 477 e 478, que tratam sobre a rescisão dos contratos por prazo indeterminado, na medida em que o novo instituto se aplica justamente à rescisão consensual dessa modalidade de contrato.
Outro ponto de crítica consiste na imposição legal de limite para a movimentação do saldo da conta de FGTS (até oitenta por cento dos valores depositados pelo empregador) e proibição de habilitação do trabalhador no programa de Seguro Desemprego. Argumenta-se que referidas limitações implicam prejuízos ao trabalhador, porquanto estará fadado a receber, em verdade, 80% sobre 20% da multa rescisória, o que representaria, ao final, apenas 40% da quantia que originalmente teria direito, caso tivesse sido dispensado sem justa causa, além de não poder sacar a totalidade do saldo dos depósitos fundiários, que ficará bloqueado na conta vinculada, até que se possa movimentá-la, nos moldes da lei 8.036/90.
Todavia, quanto a este ponto, também entendemos ser acertada a previsão legal, na medida em que o legislador se utilizou de medida no intuito de evitar o emprego fraudulento do recurso da extinção por comum acordo, como narrado anteriormente, de modo que, as limitações impostas desestimulam esse tipo de prática.
Por fim, há também crítica do empresariado, que questiona a ausência de autorização para aplicação da indenização, pela metade, também sobre a contribuição social rescisória patronal, de 10% (dez por cento) sobre o valor do saldo dos depósitos, prevista pela Lei Complementar 110/2001.
Neste tópico, é importante ressaltar que, por mais razoável que se apresente a crítica, a alteração legislativa perpetrada pela Lei Ordinária 13.467/2017 não teria o condão de alterar as disposições da Lei Complementar 110/2001, dado o princípio da hierarquia das leis vigente em nosso ordenamento jurídico.
Diante de todo o cenário de inovações e críticas, o que se recomenda é a utilização consciente da recente previsão legal. Com efeito, o emprego do permissivo para a extinção consensual do contrato de trabalho deve ser avaliado no contexto dos riscos envolvidos, sendo recomendáveis aos empregadores, em quaisquer hipóteses, munirem-se de elementos que possam servir de prova ou formação da convicção sobre a validade da manifestação de vontade do empregado.
Embora a norma não aponte procedimento específico regulando o formato em que o término do contrato de trabalho por mútuo acordo deva ocorrer, é recomendável que o ajuste seja firmado por escrito e na presença de duas testemunhas, capazes de confirmar, se assim questionadas, sobre a ausência de erro, dolo ou coação, bem como de simulação ou falta de conhecimento de quaisquer das partes acerca do ato e de seus efeitos práticos.
Disponível em: emporiododireito