provável cenário sobre as pensões por morte com a reforma da previdência

Em artigos e notícias que tratam da reforma da Previdência, tem-se abordado muito o direito mais óbvio, qual seja, o da aposentadoria, especialmente quanto às novas regras para adquirir o direito à aposentação, entre elas idade e tempo de contribuição. Com isso, importantes alterações relacionadas à pensão por morte dos servidores públicos correm à margem da discussão que domina a sociedade e os veículos de comunicação em geral.

Os servidores públicos federais, por exemplo, viram a Lei 8.112/1990 ser alterada pela MP 664/2014, convertida na Lei 13.135/2015, e, recentemente, pela MP 871/2019. As principais alterações perpetradas pelos mencionados normativos dizem respeito ao estabelecimento de prazos máximos de recebimento de pensão para cônjuges e companheiros, de acordo com suas idades.

Agora, na nova proposta de reforma apresentada, as principais alterações no tópico que trata do direito à pensão por morte dos servidores públicos dizem respeito aos valores recebidos pelos pensionistas, conforme vamos expor abaixo:

a) como regra geral, o valor da pensão por morte será equivalente a uma cota familiar de 50%, somada a cotas de 10% por dependente, até o limite de 100% (artigo 8º, parágrafo 1º, c/c artigo 12, parágrafo 9º);

b) as cotas de cada dependente não são reversíveis aos demais, ou seja, na perda da qualidade de pensionista de um dos beneficiários (morte, por exemplo), não há novo rateio a fim de preservar o pagamento de 100% do benefício aos demais, exceto no caso de remanescerem cinco ou mais beneficiários (artigo 8º, parágrafo 1º, inciso III, c/c artigo 12, parágrafo 9º, inciso III);

c) para os servidores que tenham ingressado antes do regime de previdência complementar e não tenham feito opção pela migração:

c.1) na hipótese de óbito do aposentado, as cotas serão calculadas sobre a totalidade dos proventos do servidor público falecido, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS, acrescida de 70% da parcela excedente a esse limite (artigo 8º, parágrafo 1º, inciso I);

c.2) na hipótese de óbito de servidor público em atividade, as cotas serão calculadas sobre o valor dos proventos a que esse teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito (60% da média aritmética dos salários de contribuição acrescidos de 2% para cada ano que exceder a 20 anos de contribuição), exceto na hipótese de o óbito ter sido decorrente de acidente do trabalho, doença profissional ou do trabalho, situação em que corresponderão à totalidade da remuneração do servidor público no cargo efetivo, observado, em qualquer hipótese, o limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS, acrescido de 70% da parcela excedente a esse limite (artigo 8º, parágrafo 1º, inciso II);

d) para os servidores que tenham ingressado depois do regime de previdência complementar:

d.1) na hipótese de óbito do aposentado, as cotas serão calculadas sobre a totalidade dos proventos do servidor público falecido, respeitado o limite máximo dos benefícios do RGPS (artigo 12, parágrafo 9º, inciso I);

d.2) na hipótese de óbito de servidor público em atividade, as cotas serão calculadas sobre o valor dos proventos aos quais esse teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito (60% da média aritmética dos salários de contribuição, acrescidos de 2% para cada ano que exceder a 20 anos de contribuição), exceto se o óbito tiver sido decorrente de acidente do trabalho, doença profissional ou do trabalho, situação em que corresponderão a 100% da média mencionada, respeitado o limite máximo dos benefícios do RGPS (artigo 12, parágrafo 9º, inciso II).

Conforme expusemos acima, podemos observar uma grande alteração quanto aos valores a serem pagos a título de pensão por morte aos dependentes dos servidores falecidos, mesmo no caso dos servidores que ingressaram antes da instituição do regime de previdência complementar e não optaram por migrar para o novo regime ou dos servidores que ingressaram ou venham a ingressar antes da promulgação da emenda constitucional.

A título de exemplo, segundo as regras atuais, um servidor que tenha ingressado no serviço público antes do regime de previdência complementar, com até 20 anos de contribuição, remuneração mensal de R$ 39 mil, média de salário de contribuição de R$ 27 mil, dois dependentes e falecido na atividade deixaria uma pensão de aproximadamente R$ 29 mil, a ser dividida pelos seus dependentes.

Segundo as novas regras, o mesmo servidor, no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), passaria a deixar uma pensão total de aproximadamente R$ 9 mil, valor que diminui quanto menor for a média do salário de contribuição e independe do valor da última remuneração do servidor falecido.

No caso do servidor que venha a ingressar depois do regime de previdência complementar, mantidas as demais condições, pelas novas regras o valor da pensão por morte a ser pago pelo RPPS seria de aproximadamente R$ 2,5 mil, acrescido, eventualmente, dos valores a serem recebidos do regime de previdência complementar.

Repetidas as condições do exemplo anterior (até 20 anos de contribuição, dois dependentes e falecimento na atividade), se considerarmos uma remuneração mensal de R$ 10 mil, com média de contribuição de R$ 7 mil, teríamos aproximadamente os seguintes valores de pensão por morte: (i) R$ 8,7 mil na regra atual; (ii) R$ 3 mil na nova regra, para os servidores que ingressarem antes do regime de previdência complementar; (iii) R$ 1,7 mil para os servidores que ingressarem depois do regime de previdência complementar, acrescidos, eventualmente, dos valores adicionais a serem recebidos desse regime no caso de contribuição.

Além da redução drástica dos valores a serem pagos a título de pensão por morte pelo Regime Próprio de Previdência Social, onerando severamente inclusive os atuais servidores e os que ingressarem no serviço público antes da promulgação da emenda constitucional ou mesmo da implementação do regime de previdência complementar em seu respectivo ente federativo, chama atenção e merece discussão a diferenciação feita para fim de pagamento do benefício em razão do número de dependentes.

Haverá quem diga que tal distinção respeita o princípio da isonomia material, sob a concepção de Aristóteles, que trata igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Entretanto, sob o ponto de vista da relação contribuinte-sistema previdenciário, tal afirmação não é verdadeira, uma vez que trata de forma desigual, e até mesmo desproporcional, servidores que se encontram em idêntica situação.

Isso porque, apesar de o benefício passar a ser pago em percentual que varia de acordo com o número de dependentes, a contribuição do servidor ao longo de sua vida funcional não acompanhará tal escalonamento. Dessa forma, servidores que contribuam igualmente, ou seja, que ingressem juntos no serviço público, venham a pagar os mesmos valores de contribuição previdenciária, pelo mesmo período e faleçam na mesma data, terão contrapartidas distintas do regime previdenciário no momento de sua morte.

Estabelece o parágrafo 5º do artigo 195 da CF/88 que nenhum benefício da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio. Entende-se que tal regra também pode ser lida no sentido de não ser possível fazer diferenciação quanto ao valor do benefício havendo idêntica fonte de custeio, sob pena de aniquilação da ideia de contributividade do sistema em detrimento de uma noção agigantada de sua natureza solidária.

Pune-se, dessa maneira, o núcleo familiar do servidor por uma condição pessoal relacionada intimamente com o direito fundamental ao livre planejamento familiar, fundado no princípio da dignidade da pessoa humana.

Importante frisar, ainda, a segurança jurídica e a proteção à confiança daqueles que ingressaram no serviço público há algum tempo e estabeleceram suas vidas de acordo com as “regras do jogo” até então vigentes. Para isso, será minimamente necessário o estabelecimento de regras de transição que permitam a adaptação dos destinatários das novas regras sem o sacrifício de direitos fundamentais e de princípios constitucionais que regem o Estado de Direito.

Muito menos se pode utilizar a natureza solidária do regime de previdência como verdadeira “carta coringa” por meio da qual se argumenta a favor de todo tipo de retirada ou redução drástica de direitos, da impossibilidade prática de seu exercício ou mesmo da necessidade de contribuição sem a devida contraprestação esperada do regime, de vinculação obrigatória.

Discutamos com atenção os reflexos do atual texto enviado ao Congresso pelo Executivo Federal. O direito à pensão por morte, direito em regra esquecido nas discussões sobre a reforma da Previdência, possui imensa relevância tanto para os servidores públicos quanto para seus dependentes. É preciso esmiuçar os pontos dessa nova reforma, para que nenhum cidadão, seja servidor público ou não, tenha os “olhos embaçados” pela falta de compreensão da supressão de vários direitos já adquiridos e consolidados.

Disponível em: conjur

Compartilhar

Outras postagens

A Necessidade de Modulação dos Efeitos do Tema 1335 do STF (repercussão geral) relativo à Aplicação da taxa SELIC para Pagamentos de Precatórios pela Fazenda Pública

A modulação dos efeitos do Tema 1335 do STF far-se-á essencial para garantir justiça e segurança jurídica. Ao modular os efeitos da sua decisão, o STF evitará prejuízos aos jurisdicionados que, com base em decisões judiciais definitivas, já haviam assegurado o direito à incidência da SELIC sobre o valor dos seus precatórios (durante o “período de graça”), mesmo porque entendimento contrário a este poderá redundar na inundação de novas ações judiciais (Ações Rescisórias) e em centenas de milhares de (…)

inteligência artificial

O Impacto do Uso Consciente da Inteligência Artificial nas Empresas

A inteligência artificial (IA) tem se tornado uma força transformadora no mundo empresarial, revolucionando a maneira como as empresas operam, tomam decisões e interagem com seus clientes.
Neste artigo vamos destacar as vantagens, desafios e práticas recomendadas com o uso de IA, para garantir que os benefícios sejam plenamente realizados sem comprometer aspectos éticos, sociais e econômicos nas empresas.
O uso consciente da inteligência artificial tem o potencial de transformar profundamente as empresas, proporcionando benefícios significativos (…)

taxa legal

A Lei 14.905/2024 e os Novos Critérios de Atualização Monetária e Juros de Mora

A Lei nº 14.905, sancionada em 28 de junho de 2024 e vigente desde 1º de setembro, trouxe mudanças profundas e amplamente discutidas no regime de correção monetária e na aplicação da taxa de juros no direito brasileiro. Com impacto direto sobre obrigações civis, tanto contratuais quanto extracontratuais, essa lei visa uniformizar as regras para corrigir o valor de dívidas e calcular os juros de mora, especialmente quando as partes envolvidas não estipulam previamente tais condições.
Um dos principais avanços introduzidos pela nova legislação é a utilização do IPCA/IBGE para correção monetária e da Taxa Selic, deduzida do IPCA, como taxa legal de juros.

contingenciamento jurídico

Contingenciamento Jurídico e seu Impacto nas Atividades Empresariais

O contingenciamento jurídico envolve a projeção e o cálculo das despesas advindas de processos judiciais, que constitui como elemento fundamental no planejamento financeiro anual de qualquer empresa.
É possível notar que o contingenciamento e a provisão consistem em mapeamento das principais decisões adotadas ao longo dos passivos que a parte possui.
Neste ponto, é fundamental destacar que, além das determinações judiciais, também são levadas em conta as várias decisões estratégicas feitas pelas partes envolvidas, as quais têm o potencial de impactar de maneira significativa os resultados financeiros.
Dessa forma, é essencial que uma empresa desenvolva um (…)

Enviar mensagem
Precisa de ajuda?
Barioni e Macedo Advogados
Seja bem-vindo(a)!
Como podemos auxiliá-lo(a)?