Muitas vezes, os processos administrativos, por meio de oposições ou recursos apresentados pelos contribuintes, permanecem sem andamento útil à espera de julgamento por muito tempo, em muitos casos, por anos sem qualquer andamento. Casos de “processos sem qualquer movimentação” às vezes por mais de uma década, vêm gerando insegurança jurídica para o contribuinte, que fica sem expectativa de ter uma solução em prazo razoável para sua irresignação.
Contudo, não há previsão normativa específica para a prescrição intercorrente nos processos administrativos fiscais: ela existe apenas na Lei de Execuções Fiscais, Lei nº 6.830/1980, que disciplina os procedimentos judiciais. Esse vazio normativo deu origem ao debate sobre a aplicabilidade ou não da necessidade de também regulamentar o tema no âmbito administrativo.
1. Distinção entre Prescrição Ordinária e Prescrição Intercorrente
A prescrição ordinária representa a perda do direito de cobrança exercido pelo Fisco de forma passiva, ou seja, pela falta de ingresso da ação executiva dentro do prazo de cinco anos após a constituição do crédito, conforme previsto no art. 174 do Código Tributário Nacional (CTN). Esse período de cinco anos começa a contar a partir do momento em que o crédito está definitivamente constituído.
Por outro lado, a prescrição intercorrente ocorre no curso de processos, sejam eles judiciais ou administrativos, quando o credor, pela sua inércia, deixa de realizar atos necessários para dar seguimento à sua execução, como localizar o devedor ou realizar a penhora de seus bens.
2. Alegações do Fisco sobre o Prazo Prescricional no Âmbito Administrativo
A maioria dos fiscos alega que a prescrição intercorrente não é aplicável aos processos administrativos fiscais porque, ao resolver recursos e defesas, a exigibilidade do crédito tributário está suspensa. Essa alegação deriva do entendimento consolidado no artigo 151, inciso III, do CTN, onde se determina que, no caso do crédito tributário discutido, sua exigibilidade fica suspensa enquanto durar o julgamento dos recursos e defesas administrativas.
Por outro lado, parte da doutrina discorda dessa interpretação. Alguns doutrinadores entendem que a omissão processual por parte do Fisco, ao não julgar as defesas e os recursos dos contribuintes, acarreta a fluência do prazo prescricional durante o trâmite dos processos, independentemente da suspensão do direito de cobrança.
3. Súmula 11 do CARF e Precedentes sobre a Prescrição Intercorrente
Apesar dos debates sobre a questão, a Súmula 11 do CARF estabelece que não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal. Assim, segundo o posicionamento do CARF, a paralisação dos processos fiscais não resulta automaticamente na perda do direito de cobrar o crédito.
Visando contornar essa situação e trazer maiores seguranças ao setor produtivo da economia, há estados como o de Minas Gerais que estão passado a regulamentar o tema. No território mineiro, através da Lei 24.755 do governados Romeu Zema, reconhece a prescrição intercorrente de processo administrativo paralisado por mais de cinco anos seguidos.
No mesmo sentido, parte da jurisprudência entende que a prescrição intercorrente pode ser aplicada nos processos administrativos. Isso porque, mesmo sem regulamentação expressa, a fluência do prazo prescricional pode ser inferida a partir de normas gerais de direito tributário e processual. Um exemplo dessa aplicação é o art. 108 do CTN, que admite a interpretação supletiva das normas fiscais quando não há regulamentação específica.
Dessa há decisões favoráveis ao contribuinte no seguinte sentido:
E M E N T A PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. ART. 24 DA LEI 11.457/2007. IMPUGNAÇÃO ADMINISTRATIVA E RECURSO VOLUNTÁRIO. DEMORA INJUSTIFICADA NO JULGAMENTO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. APELAÇÃO PROVIDA. – A Constituição Federal de 1988 garante a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º, inciso LXXVIII) – A conclusão de processo administrativo em prazo razoável é corolário do princípio da eficiência, da moralidade e da razoabilidade da Administração Pública – A Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007, que criou a Receita Federal do Brasil, estipulou, no seu art. 24, o prazo de 360 (trezentos e sessenta) dias, contados do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte para que a decisão administrativa seja proferida – Assim, a razoável duração do processo deve ser observada no processo administrativo fiscal consoante reiterada jurisprudência do E. STJ. Precedente – Verificada a demora injustificada na tramitação do processo administrativo fiscal, correta a estipulação de prazo para que a administração conclua o procedimento, não se podendo permitir que a Administração postergue, indefinidamente, tal diligência – Excepcionalmente, admite-se a aplicação da prescrição intercorrente a partir da interpretação analógica do art. 1o, § 1o da Lei 9.873/99, quando a inexistência de norma jurídica válida fixando prazo razoável para a conclusão do processo administrativo fiscal impede a concretização do princípio da eficiência administrativa, com reflexos inarredáveis na livre disponibilidade do patrimônio. Precedentes STJ – No caso em tela, decorreu muito mais de três anos entre a apresentação de impugnação administrativa e o seu julgamento, bem como entre a interposição do recurso voluntário e o seu julgamento, restando configurada demora injustificada na tramitação do processo administrativo. Assim, na espécie, é o caso de reconhecer a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal – Apelação provida.
(TRF-3 – ApCiv: 50056580920214036128 SP, Relator: MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, Data de Julgamento: 21/08/2023, 4ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 25/08/2023)
4. Entendimento firmado pelo STF e o Tema 390
Um ponto relevante foi a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 390, que tratou da prescrição intercorrente no âmbito das execuções fiscais. O STF julgou constitucional o art. 40 da Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/1980), determinando que, após um ano de suspensão do processo de execução fiscal, o prazo prescricional de cinco anos começa a correr automaticamente.
O relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, destacou que a imprescritibilidade das relações jurídicas não poderia ser uma regra compatível com os princípios da segurança jurídica e do devido processo legal. As demandas, mesmo as de natureza fiscal, devem ser resolvidas em um tempo razoável.
Embora o julgamento tenha ocorrido no âmbito dos processos de execução fiscal, todos os princípios enunciados pelo STF são plenamente aplicáveis aos processos administrativos fiscais, nos quais a duração excessivamente longa da paralisação afeta tanto a produção de provas quanto a probabilidade de o Fisco recuperar o crédito tributário.
5. Impactos da Morosidade dos Processos Administrativos
A lentidão nos processos administrativos fiscais é prejudicial tanto aos contribuintes quanto à Administração Pública. Para o contribuinte, a indefinição quanto à cobrança de um crédito tributário, que pode repercutir diretamente em sua saúde financeira, causa angústia e compromete o planejamento empresarial.
A demora no julgamento das defesas e dos recursos impede, ainda, a produção de provas, que podem já não existir quando o crédito finalmente for constituído. Por parte do Fisco, a paralisação dos processos reduz as chances de recuperação do crédito, sobretudo quando as empresas acionadas podem falir, encerrar suas atividades ou ver seus bens se dissiparem ao longo dos anos.
6. Necessidade de Regulamentação e Propostas Legislativas
Atualmente, não há uma regra que assegure a prescrição intercorrente nos processos administrativos fiscais. No entanto, se essa previsão fosse incluída em um projeto legislativo específico, traria mais transparência e segurança jurídica, além de conduzir mais facilmente a decisão proferida pelo julgador.
7.Conclusão: Celeridade e Segurança Jurídica
A celeridade processual favorece a todos. Para os contribuintes, garante a duração razoável do processo; para a Fazenda Pública, assegura uma rápida recuperação do crédito tributário; e para a sociedade, promove a eficiência tributária e fortalece a segurança jurídica. Portanto, a regulamentação da prescrição intercorrente é urgente e essencial para a modernização dos processos administrativos fiscais no Brasil, garantindo que eles não se arrastem indefinidamente e que as relações entre Fisco e contribuinte sejam mais equilibradas e justas.
Ficou com alguma dúvida? Consulte nossa equipe (clique em ‘fale conosco‘ ou converse conosco via WhatsApp).
Clique aqui e leia mais artigos escritos por nossa equipe.
Autor
CARLOS EDUARDO MELO BONILHA. Advogado (OAB/PR nº. 115.107). Pós-graduando em Direito Processual Civil pela ESA/OAB-SP. Pós-graduando em Direito e Business Law pela Fundação Getúlio Vargas. Membro da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/PR. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná.
Referências
Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 906/907
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe, “in” DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (Coord). Tratado de Direito Administrativo. Volume V Ato Administrativo e Procedimento Administrativo. 2ª edição. São Paulo: RT, 2019, p. 567-568.
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva “in” DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (Coord.). Tratado de Direito Administrativo. Volume I Teoria Geral e Princípios do Direito Administrativo. 2ª edição. São Paulo: RT, 2019.
Tags: Prescrição Intercorrente, Processo Administrativo Fiscal, Segurança Jurídica, Direito Tributário, Eficiência Tributária.