Novos Modelos Contratuais na Administração Imobiliária: Oportunidades e Desafios do Built-to-Rent e do Coliving no Brasil

A administração de bens imóveis, tradicionalmente voltada à gestão de locações residenciais e comerciais convencionais, tem enfrentado profundas transformações nos últimos anos. A ascensão de novos hábitos de consumo, o avanço da tecnologia e a crescente mobilidade urbana impulsionaram o surgimento de modelos inovadores de moradia, como o built-to-rent e o coliving, que vêm ganhando força especialmente em centros urbanos densos e com alto custo habitacional.

O modelo built-to-rent refere-se à construção de imóveis com a finalidade exclusiva de locação, geralmente administrados por empresas especializadas, com foco na padronização, escalabilidade e experiência do locatário. Já o coliving propõe um formato de moradia compartilhada, no qual unidades privadas convivem com áreas comuns amplamente utilizadas, promovendo um estilo de vida colaborativo, flexível e mais acessível economicamente.

Tais modelos representam não apenas uma nova lógica de ocupação do espaço urbano, mas também impõem desafios relevantes à gestão imobiliária e à conformidade contratual. Administradores de imóveis, incorporadoras e investidores devem atentar-se à estrutura jurídica adequada, à prevenção de litígios, à regulamentação urbanística e às peculiaridades operacionais que esses formatos exigem.

Neste artigo, analisam-se os principais aspectos conceituais, contratuais e práticos desses modelos, com o objetivo de contribuir para a compreensão crítica de seus impactos no mercado brasileiro e oferecer subsídios para uma atuação jurídica e administrativa mais segura e estratégica.

 

2.  Evolução dos Modelos

 

2.1. Built-to-Rente (BTR)

 

O termo built-to-rent (BTR) refere-se a empreendimentos imobiliários projetados desde a sua concepção com o objetivo exclusivo de locação, em oposição ao tradicional modelo de incorporação voltado à venda de unidades. Nesse formato, o empreendimento é mantido sob propriedade de um único investidor ou fundo, que assume a administração profissional das unidades, centralizando a gestão de contratos, manutenção e relacionamento com os locatários.

Originado no Reino Unido e amplamente difundido nos Estados Unidos, o modelo BTR tem como pilares a previsibilidade de receita, a padronização dos serviços prestados e a experiência do usuário. No Brasil, o conceito começa a ganhar espaço em mercados como São Paulo e Belo Horizonte, sobretudo entre investidores interessados em ativos de renda estável e diversificação patrimonial.

Sua estrutura contratual pode seguir o padrão da Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91), mas exige ajustes específicos, como cláusulas sobre manutenção preventiva, gestão de áreas comuns, prazos contratuais mais flexíveis e integração com plataformas tecnológicas para a administração da experiência do inquilino.

 

2.2. Coliving

O coliving é um modelo que propõe a moradia compartilhada em unidades com estrutura híbrida: dormitórios ou suítes individuais, combinados com áreas comuns amplas, como cozinhas, salas de estar, lavanderias e coworkings. Inspirado em ideais de economia compartilhada e comunidade, o coliving atrai especialmente jovens profissionais, estudantes e nômades digitais que valorizam flexibilidade contratual, custo reduzido e convivência social.

A origem do conceito remonta às comunidades alternativas da década de 1970, mas seu redesenho atual é urbano, profissionalizado e geralmente operado por empresas especializadas. No Brasil, colivings vêm sendo implantados em grandes capitais, inclusive com incentivo de startups e investidores que vislumbram uma forma de otimizar imóveis subutilizados e responder à crescente demanda por soluções habitacionais mais acessíveis.

A complexidade contratual do coliving é maior, dado que envolve aspectos híbridos entre locação tradicional, prestação de serviços e até hospedagem, exigindo cautela jurídica na qualificação do contrato e atenção aos limites da Lei do Inquilinato, do Código Civil e, em alguns casos, do Código de Defesa do Consumidor.

 

2.3. Da convergência entre os modelos

Embora distintos em sua natureza – um voltado à escala institucional (built-to-rent), outro à experiência comunitária (coliving) – ambos os modelos compartilham elementos como:

  • Valorização da experiência do usuário;
  • Administração centralizada e profissionalizada;
  • Flexibilização contratual;
  • Uso intensivo de tecnologia na gestão de unidades.

A convergência dessas práticas aponta para uma transformação mais ampla da lógica de moradia e da administração imobiliária, que tende a se afastar do modelo meramente patrimonialista para adotar uma abordagem mais dinâmica, relacional e orientada ao serviço.

 

3. Aspectos Jurídicos Relevantes

A adoção dos modelos built-to-rent e coliving exige não apenas inovação na gestão imobiliária, mas também sólida fundamentação jurídica, dada a necessidade de adequar esses formatos à legislação, que ainda se baseia em paradigmas contratuais tradicionais de locação.

 

3.1. Qualificação contratual: locação, hospedagem ou prestação de serviços?

Um dos principais desafios jurídicos está na correta qualificação dos contratos utilizados. Embora ambos os modelos tenham como base o uso temporário do imóvel por terceiros, a natureza do vínculo pode variar:

  • Built-to-rent costuma enquadrar-se como locação residencial típica (Lei nº 8.245/91), com contratos individualizados, prazos definidos e obrigações bilaterais claras.
  • Coliving, por sua vez, pode gerar dúvidas quanto à sua natureza jurídica. Em alguns casos, aproxima-se da locação por temporada; em outros, pode se assemelhar à hospedagem ou mesmo à prestação de serviços continuados, o que atrai a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

A jurisprudência brasileira ainda é escassa sobre o tema, mas a tendência é que a qualificação seja determinada pela realidade da prestação e não apenas pela nomenclatura contratual, o que impõe cautela na estruturação documental e na condução da atividade.

 

3.2. Cláusulas específicas recomendadas

Diante das particularidades do built-to-rent e do coliving, a elaboração contratual exige atenção redobrada. Não basta seguir os modelos tradicionais de locação — é necessário adaptar o conteúdo das cláusulas para refletir as dinâmicas próprias de cada formato, promovendo previsibilidade e segurança jurídica.

Algumas cláusulas tornam-se especialmente recomendadas:

    • Uso e conservação das áreas comuns: especialmente no coliving, é essencial estabelecer regras claras sobre o uso dos espaços compartilhados e as responsabilidades dos usuários quanto à manutenção e limpeza;
    • Normas de convivência: incluir disposições que regulem o silêncio, a rotatividade de ocupantes, visitas e sanções aplicáveis em caso de condutas inadequadas ajuda a prevenir conflitos entre os moradores;
    • Manutenção preventiva e corretiva: os contratos devem deixar expresso quem é o responsável por cada tipo de manutenção — o gestor, o proprietário ou o usuário —, evitando litígios futuros;
    • Rescisão antecipada: considerando a flexibilidade que esses modelos oferecem, é recomendável prever hipóteses de rescisão com multa proporcional ou aviso prévio reduzido;
    • Reajuste de valores: nos contratos de longa duração, sobretudo no built-to-rent, é importante definir o índice de reajuste e a periodicidade de forma objetiva e transparente;
    • Seguros obrigatórios e garantias: a depender da estrutura do empreendimento, pode-se exigir seguros específicos e garantias contratuais compatíveis com a operação.

 

3.3. Papel e responsabilidade do administrador

A figura do administrador imobiliário ganha ainda mais relevância nesses modelos. Não se trata apenas de intermediar contratos, mas de realizar a gestão integrada da experiência do usuário, da conservação dos imóveis e do cumprimento das obrigações legais.

Em colivings, essa responsabilidade pode incluir a gestão de conflitos interpessoais, cobrança de taxas vinculadas ao uso dos serviços e até a prestação de contas aos investidores. Já nos projetos BTR, o administrador assume frequentemente a interface entre o fundo proprietário e dezenas (ou centenas) de locatários, o que exige transparência, compliance e estrutura de governança.

Eventuais falhas de gestão podem gerar responsabilidade civil, tanto por vícios de prestação quanto por omissão na mediação de situações que comprometam a moradia digna ou a segurança do imóvel.

 

4. Oportunidades Para o Mercado Imobiliário Brasileiro

A incorporação dos modelos built-to-rent e coliving no cenário nacional representa mais do que uma simples inovação nos formatos de moradia: trata-se de uma resposta direta a transformações sociais, econômicas e culturais que desafiam os paradigmas tradicionais do setor imobiliário.

A nova geração de inquilinos — composta por jovens profissionais, estudantes, solteiros, casais sem filhos e nômades digitais — valoriza mobilidade, praticidade e acesso a serviços integrados, em detrimento da propriedade permanente. Para esse público, contratos flexíveis, moradias com espaços compartilhados e gestão profissionalizada não são diferenciais: são requisitos mínimos.

Esse comportamento favorece modelos como o coliving, que entrega praticidade e senso de comunidade, e o built-to-rent, que oferece estabilidade com padrão de qualidade em escala, com atendimento profissional e soluções tecnológicas acopladas à experiência do morador.

Cidades com alta densidade populacional e escassez de terrenos bem localizados — como São Paulo, Curitiba e Belo Horizonte — reúnem condições ideais para o crescimento do built-to-rent, dada a demanda consistente por locação e o interesse de investidores em ativos de renda constante.

Já o coliving tem se mostrado uma excelente alternativa para requalificar imóveis subutilizados em regiões centrais, sendo frequentemente aplicado em retrofit de prédios antigos, com retorno rápido e ocupação ágil, especialmente próximo a polos universitários e centros de serviços.

Os ativos do tipo BTR, por sua previsibilidade de receita e gestão centralizada, têm atraído fundos imobiliários e investidores. Trata-se de um produto que alia rentabilidade e eficiência operacional, com risco mitigado quando comparado a empreendimentos voltados à venda individualizada. Há, inclusive, expectativa de que a regulamentação do setor avance, consolidando diretrizes específicas que incentivem esse tipo de investimento no Brasil.

 

Conclusão

 

A ascensão dos modelos built-to-rent e coliving marca uma inflexão relevante no modo como se concebe, administra e contrata a moradia nas grandes cidades brasileiras. Esses formatos não apenas refletem mudanças nos hábitos de consumo e estilo de vida, mas também exigem um redesenho da atuação jurídica e administrativa no setor imobiliário.

A despeito da ausência de regulamentação específica, é plenamente possível adaptar tais modelos às normas brasileiras vigentes — desde que com cautela contratual, leitura crítica da legislação vigente e atenção à função social do imóvel locado. A qualificação jurídica precisa, a previsão de cláusulas específicas e o uso de instrumentos que promovam segurança, flexibilidade e transparência são essenciais para garantir a viabilidade desses empreendimentos no longo prazo.

Ao mesmo tempo, abre-se um vasto campo de oportunidades para investidores, incorporadores, administradores e profissionais do direito que estejam dispostos a compreender a lógica desses novos formatos e a contribuir para sua consolidação no país. Nesse sentido, a atuação do advogado como agente estruturador — e não apenas contencioso — ganha protagonismo, oferecendo suporte técnico à inovação e à expansão sustentável do mercado.

Em um contexto urbano marcado por escassez de espaço, novas demandas sociais e busca por eficiência, built-to-rent e coliving não são apenas tendências: são respostas estratégicas a um novo tempo no direito e na gestão imobiliária.

 

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Autor: Dr. Carlos Eduardo Melo Bonilha. Advogado (OAB/PR nº. 115.107). Bacharel em direito pela Universidade Federal do Paraná. Pós-graduando em Direito e Processual Civil Contemporâneo (ESA/OAB SP). Pós-graduando em Gestão e Business Law (Fundação Getúlio Vargas).  Membro da Comissão de Direito Processual Civil da Ordem dos Advogados do Brasil subseção Paraná.

 

 

 

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