Novos Mercados: STJ começa a julgar se banco pode encerrar conta de corretora de moedas digitais

O Superior Tribunal de Justiça começou na terça-feira (7/8) a analisar se o banco Itaú abusou de seus direitos quando fechou a conta da empresa Mercado Bitcoin em 2014. O caso é o primeiro que chega ao tribunal sobre criptomoedas. Apenas o relator, no entanto, o ministro Marco Aurélio Bellizze, votou. A ministra Nancy Andrighi pediu vista.

A Mercado Bitcoin é uma empresa de exchange, como são chamadas as corretoras de moedas virtuais. Grosso modo, elas compram e vendem as chamadas criptomoedas, em troca de uma porcentagem dos rendimentos. O recurso chegou ao STJ por iniciativa dela, alegando ser consumidora em sua relação com o Itaú e pedindo a aplicação das sanções previstas no Código de Defesa do Consumidor.

Bellizze entendeu que não houve abuso. Segundo ele, a jurisprudência do STJ é de que o CDC não se aplica a relações empresariais. Além disso, o ministro considerou razoável a justificativa do Itaú de ter fechado a conta por ver indícios de lavagem de dinheiro por meio dela.

Nancy tem até 60 dias para apresentar o voto-vista. Além dela, compõem o colegiado que vai julgar o pedido os ministros Paulo Dias de Moura Ribeiro, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva.

A 3ª Turma da corte analisa se o Itaú pode fechar a conta corrente de uma corretora de moedas virtuais. Bellizze votou pela manutenção das decisões das instâncias inferiores, ou seja, contra a empresa de Mercado Bitcoins. O Tribunal de Justiça de São Paulo havia se manifestado dessa forma. A 37ª Câmara de Direito Privado entendeu que não houve conduta irregular por parte do Itaú, tendo sido válido o encerramento da conta.

A Mercado Bitcoin recorreu por entender que a prática foi abusiva e que feriu dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, “frente à potência do banco Itaú” e “diante de sua inequívoca vulnerabilidade”. A corretora se preocupa em perder clientes, já que a conta já é conhecida por eles e o Itaú tem agências espalhadas por todo o território nacional.

O mercado de criptomoedas ainda é recente, mas já faz bastante barulho. O presidente do Banco Central, Ila Goldfajn, já disse que elas têm “característica típica de bolha e pirâmide”. O governo chinês, por entender que o estouro da bolha financeira pudesse causar prejuízos irrecuperáveis a sua economia, baniu as criptomoedas do país.

Durante a sustentação oral no STJ, o advogado da exchange questionou o motivo para o fechamento da conta. A partir daí, a defesa da instituição bancária respondeu que há regras segundo as quais os bancos são obrigados a prevenir lavagem de dinheiro. No caso de uma corretora de criptomoedas, o banco não consegue saber o destinatário final das transações, que movimentam quantias consideráveis.

Além das corretoras de bitcoins, bancos trabalham com contas de outras corretoras, como as de câmbio, regulamentadas pelo Banco Central, ou as de ações, regulamentadas pela CDN. Ao contrário dessas, no entanto, a das moedas digitais não está sujeita a regulamentação e obrigações legais de prevenção a lavagem de dinheiro. 

Estes argumentos somente foram apresentados nas sustentações orais dos advogados na sessão do STJ, não constando das defesas anteriores ou das decisões das outras instâncias.

Desinteresse comercial
Em junho de 2016, a corretora recebeu uma notificação por meio da qual foi avisada de que a conta que mantinha no banco seria fechada por “desinteresse comercial em sua manutenção” em 30 dias. Os bancos Santander e Banco do Brasil também encerraram as contas da corretora. Já o Bradesco sequer abriu uma conta.

Para o desembargador João Pazine Neto, que relatou o caso no TJ-SP, entende que a evocação do CDC faz sentido na medida em que ele é usado para que o Judiciário intervenha em negócios privados “para eliminar práticas ou cláusulas abusivas, ilegalidades, que comprometeriam o equilíbrio contratual”. Mas os casos devem ser analisados individualmente e neste especificamente não se percebe ato ilícito.

Em março de 2016, o juiz Marcos Duque Gadelho Júnior, da 23ª Vara Cível de São Paulo, ressaltou, também, que a situação não se caracteriza como uma relação de consumo. “Convém assentar de saída que, para caracterizar-se como consumidor, a parte deve se subsumir ao conceito normativo de destinatário final do bem ou serviço adquirido (critério finalista), ou incorrer nas outras hipóteses previstas no Código de Defesa do Consumidor”, disse o magistrado.

No caso dos autos, a Mercado Bitcoin, como uma sociedade empresária limitada, usa a conta corrente para o exercício das atividades fins da empresa, não sendo destinatário final dos serviços prestados pelo banco. “Não se verifica, outrossim, situação de vulnerabilidade do autor a ensejar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, vez que trata-se de uma empresa pioneira em seu ramo de atividade”, enfatizou o juiz.

A defesa da instituição bancária alega que o contrato de abertura de uma conta faculta às partes o encerramento da mesma desde que com aviso prévio, independentemente de motivação.

“Em observância ao princípio da autonomia da vontade, previsto no artigo 421 do Código Civil, não há lei que obrigue o Réu a celebrar e manter contrato de qualquer natureza. Inclusive existem normas regulamentadas pelo Conselho Monetário Nacional, por intermédio do Banco Central do Brasil, autorizando o cancelamento de conta-corrente mediante comunicação prévia ao correntista e concessão de prazo para concretização do distrato (Resolução CMN 2025, artigo 12, I)”, argumenta o Itaú.

Por meio de nota, a Mercado Bitcoin informou que “está tomando todas as providências legais possíveis”, uma vez que, segundo a empresa, “não foi constatada qualquer conduta irregular que justificasse o encerramento da conta da companhia”. A corretora demonstra ainda preocupação em relação ao peso que a disputa judicial possa ter sobre os investidores.

“Vale destacar que cumprimos todas as normas relacionadas às nossas atividades e buscamos seguir as melhores práticas em nossas operações e governança corporativa. No mais, informamos que mantemos parcerias com outras instituições financeiras para garantir que as transferências bancárias para compra de criptoativos ocorram normalmente, sem afetar nossos clientes.”

Clique aqui para ler o acórdão do TJ-SP.
Clique aqui para ler a sentença da 1ª instância.

REsp 1.696.214

Disponível em: conjur.com

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