A Lei 8.009/90, art. 3º, inciso VII estabelece a exceção à previsão geral de impenhorabilidade do bem de família, qual seja: a obrigação (garantia/bem) decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
A fiança em contrato de locação é espécie de caução fidejussória, na qual o fiador garante pessoalmente o adimplemento contratual, trazendo segurança ao credor, na hipótese de inadimplemento por parte do locatário.
Não se impõe ao fiador que este dê seu imóvel em garantia ou que pessoalmente garanta a dívida, mas este o faz de forma livre e espontânea, assumindo que, no caso de inadimplemento, garante a quitação. Assim, não se faz pertinente a garantia se esta se afigura um instrumento obsoleto e, portanto, ilusório.
Desta forma, a fiança em contrato de locação de bem imóvel tem natureza de garantia, não se enquadrando nas regras gerais para execução de crédito, ou seja, a garantia dada de forma livre e consensual responde pelo inadimplemento, não cabendo discussão acerca da natureza do bem que consubstanciou a garantia dada.
Sobre o assunto, destaca-se o posicionamento do Ministro Gilmar Mendes no julgamento do Recurso Extraordinário que afirmou a constitucionalidade da penhora de bem de família de fiador em contrato de locação acerca da força do princípio da autonomia privada face à alegação de impenhorabilidade no momento da execução, veja-se: “E não podemos deixar de destacar e de ressaltar um princípio que, de tão elementar, nem aparece no texto constitucional: o princípio da autonomia privada, da autodeterminação das pessoas – é um princípio que integra a própria ideia ou direito de personalidade. (São Paulo, Supremo Tribunal Federal, RE 407688, Relator: Min. Cezar Peluso, 2006).”
Ademais, na relação contratual, o credor não deve ser visto somente como um titular de um direito de crédito, mas, também, como alguém com direito à tutela jurisdicional justa e efetiva.
Em verdade, o que ocorre é que o fiador renuncia à garantia da impenhorabilidade ao firmar contrato de fiança vinculado ao contrato de locação porquanto não cabe alegar desconhecimento da lei que não o beneficia com a impenhorabilidade do seu bem residencial, prevalecendo, neste ato, a autonomia da vontade.
Destaca-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal (STF), em controle difuso de constitucionalidade (Recurso Extraordinário nº 407.688-8/SP), declarou a constitucionalidade da exceção positivada no inciso VII do art. 3° da Lei n. 8009/90.
A assentada jurisprudência nacional afirma a constitucionalidade da norma constante no art.3°, VII da Lei 8.009/90, definindo a possibilidade de penhorar bem de família de fiador garantidor de contrato de locação.
Ademais, o STJ firmou entendimento por meio de RECURSO REPETITIVO, Tema 708, com o seguinte teor: é legítima a penhora de apontado bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, ante o que dispõe o art. 3º, inciso VII, da Lei n. 8.009/1990. Em consequência, editou a Súmula 549 (STJ. 2ª Seção. Aprovada em 14/10/2015, DJe 19/10/2015) que assim dispõe: SÚM. 549. É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação.
A legislação, como fruto de disputas políticas, é reflexo dos anseios sociais e das necessidades do Estado. A impenhorabilidade do bem de família, sendo regra geral porquanto garante direitos básicos de propriedade, comporta exceções justamente porque estas se fazem relevantes para o contexto sócio-político e econômico, consoante razões acima expostas.
Ao positivar como exceção à impenhorabilidade do bem de família o bem que garante obrigação decorrente de fiança, garantindo a manutenção da fiança como garantia válida às relações locatícias, o legislador fortaleceu o mercado de locações dando segurança às relações contratuais desse contexto econômico.