Credor Fiduciário Não É Parte Obrigatória No Polo Passivo De Ação Para Rescindir Compra De Imóvel

Na notícia comentada abaixo, o juiz entendeu que a empresa não concorreu para os danos causados à vítima, uma vez que o golpe fora praticado por terceiro.

O QUE OCORREU NO CASO EM ANÁLISE

No julgamento do REsp 1.992.178, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o credor fiduciário não precisa, necessariamente, figurar como parte na ação que busca a rescisão do contrato de compra e venda de imóvel adquirido mediante alienação fiduciária.

Segundo entendimento da decisão, se o direito de propriedade do credor fiduciário não é atingido e desde que ele não seja prejudicado em nenhuma hipótese, não há razão que fundamente a formação de litisconsórcio necessário.

No caso concreto, um apartamento em construção foi adquirido por meio de alienação fiduciária.  Todavia, vários vícios e problemas estruturais foram constatados, sendo cassado inclusive o ‘habite-se’ por conta dos vícios construtivos. Ao final, a incorporadora foi condenada a devolver as parcelas já pagas pela compradora do apartamento e a pagar o restante diretamente ao credor fiduciário (instituição financeira), além de arcar com indenização por danos morais.

O Recurso Especial julgado foi manejado por tal incorporadora, inconformada com a condenação, requerendo fosse a credora fiduciária (instituição financeira que concedeu o financiamento da compra do imóvel) incluída no polo passivo.

Entretanto, a Ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, explicou que a sentença não teria efeitos para eventual litisconsórcio passivo, sendo desnecessária a inclusão da credora fiduciária no polo passivo do processo.

COMENTÁRIO DA ESPECIALISTA

A decisão elencada entendeu que não haveria motivo para que o credor fiduciário constasse no polo passivo da lide.

Polo passivo é o ‘réu’ ou ‘requerido’, aquele contra o qual se abre um processo.

No caso supracitado, só foi incluída no polo passivo (ou como ré), a incorporadora que vendeu o apartamento. Por se tratar de questão que não envolvia diretamente o financiamento em si, o entendimento foi de que a credora fiduciária (instituição financeira que concedeu o financiamento), não precisaria também constar como Ré. Isso porque a incorporadora foi responsabilizada na ação e condenada a arcar com os custos inclusive perante a credora fiduciária.

Ou seja, não sendo culpa ou responsabilidade da credora fiduciária os problemas existentes no imóvel, que foram a causa da rescisão contratual, não haveria porque incluí-la.

Esse entendimento é acertado porque quando se trata de alienação fiduciária, a instituição financeira pode se manifestar nos autos a fim de prestar informações como valor da dívida, por exemplo, mas não há como responsabilizá-la (incluí-la no polo passivo como Ré) por questões totalmente fora de seu alcance como credora fiduciária, como a cassação do ‘habite-se’, como foi o caso.

Por fim, importante destacar que o Poder Judiciário em regra analisa o caso concreto, de forma que se houve a consolidação da propriedade estabelecida no art. 26 , caput, da Lei nº. 9.514 /97 em caso de execução fiscal[1] ou quando a instituição financeira não foi apenas mero agente operador do financiamento, mas executor de políticas habitacionais para a promoção de moradia[2], a mesma poderá ser responsabilizada. A avaliação de incluir a credora fiduciária no polo passivo ou não demanda da análise técnica de advogado, especialista no ramo do Direito Imobiliário.

Ficou com alguma dúvida ou precisa de um advogado especialista em Direito Imobiliário? Consulte nossa equipe (clique em ‘fale conosco‘ ou converse conosco via Whatsapp).

Clique aqui e leia mais artigos escritos por nossa equipe.

AUTORA

Clarice de Camargo Ibañez. Advogada (OAB/PR sob o nº. 110.008). Mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

REFERÊNCIAS

Credor fiduciário não é parte obrigatória no polo passivo de ação para rescindir compra de imóvel. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2022/24112022-Credor-fiduciario-nao-e-parte-obrigatoria-no-polo-passivo-de-acao-para-rescindir-compra-de-imovel.aspx> Acesso em 24 nov 2022.

[1] TRIBUTÁRIO. IPTU E TAXA. EXECUÇÃO FISCAL EMBARGADA. IMÓVEL OBJETO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. INADIMPLEMENTO PELO DEVEDOR FIDUCIANTE. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM MÃOS DO CREDOR FIDUCIÁRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. APELO DESTA IMPROVIDO. Ocorrendo a consolidação da propriedade estabelecida no art. 26, caput, da Lei Federal n. 9.514/97, há legitimidade passiva do credor fiduciário para responder por débitos de IPTU e taxas relacionadas ao bem de raiz.

(TJ-SP – AC: 10000703820188260529 SP 1000070-38.2018.8.26.0529, Relator: BOTTO MUSCARI, Data de Julgamento: 02/08/2021, 18ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 02/08/2021)

[2] AÇÃO INDENIZATÓRIA. VÍCIO CONSTRUTIVO. IMÓVEL ERIGIDO PELO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. LEGITIMIDADE AD CAUSAM DO BANCO DO BRASIL, ENQUANTO REPRESENTANTE DO FUNDO DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL NO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DO IMÓVEL E EXECUTOR DA POLÍTICA HABITACIONAL DO FAR. Caso em que a instituição financeira atuou para além de mero agente operador do financiamento, mas como executor de políticas habitacionais para a promoção de moradia, assumindo a posição de representante do vendedor/credor fiduciário, Fundo de Arrendamento Residencial – FAR, e responsabilidades concernentes à solidez do imóvel e sua conservação, enquanto objeto de garantia fiduciária. II. Uma vez que, no caso concreto, o Banco do Brasil atuou duplamente, não só como credor fiduciante do apartamento, mas, principalmente, como credor hipotecário do empreendimento, e que este foi financiado com recursos do programa federal Minha Casa, Minha Vida, deve ser reconhecida, sua legitimidade para figurar no polo passivo da lide que visa à reparação pelos danos materiais e à compensação por danos imateriais, decorrentes da continuidade da cobrança dos juros de obra, em que pese a interrupção da construção – Apelação Cível, Nº 70080811094, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dilso Domingos Pereira, Julgado em: 29-05-2019. Instituição financeira legítima a ocupar o polo passivo. Sentença que vai desconstituída ao efeito de prosseguimento da instrução processual na origem. DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. UNÂNIME.

(TJ-RS – AC: 50056142920208210004 RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Data de Julgamento: 26/10/2021, Décima Câmara Cível, Data de Publicação: 29/10/2021)

Compartilhar

Outras postagens

A Auditoria Legal como Ferramenta de Gestão Jurídica Empresarial: Conceito, Aplicações e Relevância

O ambiente empresarial contemporâneo está cada vez mais sujeito a complexas exigências legais e regulatórias. Nesse contexto, a auditoria legal, ou legal due diligence, apresenta-se como instrumento essencial à gestão jurídica, permitindo a identificação de riscos, a verificação da regularidade documental e a antecipação de passivos que possam comprometer a segurança e a continuidade das atividades empresariais.

Este artigo tem por objetivo apresentar o conceito de auditoria legal, suas principais aplicações práticas e os benefícios decorrentes de sua implementação, sobretudo em empresas de pequeno e médio porte, que muitas vezes não priorizam tal medida preventiva.

Reforma Tributária no Brasil: Sua Empresa está Preparada?

A reforma tributária no Brasil é um tema que gera muita discussão e preocupação entre as empresas. De acordo com uma pesquisa recente da Thomson Reuters (2023), mais da metade dos profissionais entrevistados classificaram suas organizações como estando no estágio inicial de adaptação à reforma, e 90% dos entrevistados esperam um impacto médio a muito alto em suas atividades devido às novas mudanças.

Due Diligence em Startups: Quais Cuidados um Investidor Deve Ter Antes do Aporte

No cenário dinâmico das startups, em que a inovação muitas vezes se sobrepõe à estrutura formal, o processo de due diligence (ou diligência prévia) é uma etapa fundamental para reduzir riscos e embasar decisões de investimento. Ao contrário das empresas tradicionais, que costumam ter histórico consolidado, as startups apresentam uma combinação de grande potencial com elevado grau de incerteza. Por isso, é necessário que os investidores realizem uma análise mais cuidadosa e personalizada, capaz de revelar não apenas oportunidades, mas também eventuais fragilidades do negócio.

Assessoria Jurídica para Imobiliárias: Estruturação Contratual, Documental e Acompanhamento de Contencioso

A assessoria jurídica é um componente fundamental para o sucesso de qualquer empresa, especialmente no setor imobiliário. As imobiliárias enfrentam desafios jurídicos complexos e variados, desde a estruturação contratual e documental até o acompanhamento de contenciosos. Neste artigo, vamos explorar a importância da assessoria jurídica para imobiliárias e como ela pode ajudar a proteger os interesses das empresas do setor.

Enviar mensagem
Precisa de ajuda?
Barioni e Macedo Advogados
Seja bem-vindo(a)!
Como podemos auxiliá-lo(a)?