Os contratos, analisados sob uma perspectiva econômica, são uma forma de centralizar as informações e reduzir os custos de transação. Desse modo, desempenham um papel fundamental à medida que constituem a base das relações afetivas, associativas e econômicas.
Em linhas gerais, podem ser descritos como acordos de vontades entre duas ou mais partes, estabelecendo direitos e deveres, e regidos por normas que visam garantir a segurança jurídica e a justiça nas relações entre os contratantes.
Os arranjos contratuais, com efeito, estão presentes nos mais diversos ramos comerciais. Para fins desse artigo, chama-se atenção de uma modalidade: o Apoio à Produção oferecido pela Caixa Econômica Federal, bem como os efeitos da Covid-19 sobre a construção civil e impactos no equilíbrio contratual.
Caixa Econômica Federal e Apoio à Produção
Recentemente, foi divulgado que a Caixa Econômica Federal temeria não ter recursos suficientes para atender à crescente demanda do mercado imobiliário no próximo ano, o que teria gerado cobranças direcionadas ao governo federal. Nesse sentido, é fundamental compreender as modalidades de financiamento oferecidas pela instituição.
O Apoio à Produção da Caixa Econômica Federal é uma modalidade de financiamento, exclusiva da empresa, disponível para todos os ramos da construção civil. Pode ocorrer: sem financiamento à pessoa jurídica, no qual um grupo de clientes pessoas físicas financiam a aquisição de imóveis na planta e esse valor é usado para custear a obra; ou com financiamento, com a possibilidade de repasses oriundos da própria CEF durante a execução do empreendimento.
Podendo ser contratado a qualquer momento da obra, a instituição financeira, após a aprovação de projeto de empreendimento imobiliário na agência, durante a execução da obra, fica responsável pela guarda e gestão dos recursos oriundos de pessoas físicas. Os repasses ocorreram conforme cronograma de execução dos trabalhos.
Reequilíbrio contratual
No que se refere à contratos de financiamento de empreendimento imobiliários (como o Apoio à Produção da Caixa Econômica Federal), não se pode menosprezar o contexto econômico atual. O mundo, há pouco mais de dois anos, saía de uma pandemia sem precedentes na história da civilização e que repercutiu seriamente não só na saúde, mas na economia doméstica e internacional.
Segundo números do Instituto Brasileiro de Economia – Ibre/FGV, o setor da construção civil foi o mais afetado pela pandemia em seu início. No primeiro semestre de 2020, de acordo com o Pnad, o setor perdeu cerca de 440 mil postos de trabalho a mais em relação ao mesmo período do ano anterior.
Na parte de insumos, os efeitos da catástrofe sanitária são ainda mais sensíveis. Números do ano passado apontam para um aumento de até o dobro do patamar pré-Covid. Essa drástica alteração fática, obviamente, tem repercussões jurídicas merecedoras de atenção.
Ora, os contratos, como destacamos no início deste artigo, são acordos entre partes a fim de reduzir custos de transação. Ocorre que, quando são aperfeiçoados, refletem a realidade da situação àquele momento. Em outras palavras, quando há alteração significativa das condições por eventos alheios, o contrato deve ser revisto.
A teoria da imprevisão, também conhecida como teoria da onerosidade excessiva, é um princípio que busca equilibrar os contratos em situações excepcionais e imprevisíveis que geram um desequilíbrio significativo entre as partes. Ela está prevista nos arts. 478 a 480 do Código Civil e é especialmente relevante para o caso em comento:
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
A teoria da imprevisão também encontra respaldo em outros princípios esparsos do Direito brasileiro, como a função social do contrato e a vedação ao enriquecimento ilícito.
A legislação, como se percebe, oferece algumas saídas em caso de eventos imprevisíveis que afetem as condições contratuais. Por um lado, é possível a resolução do contrato por onerosidade excessiva, mas se pode pleitear a modificação equitativa das cláusulas contratuais.
A Covid-19, nos termos do art. 393 do Código Civil, tem sido reconhecida pela jurisprudência brasileira como um caso fortuito, eis que impossível de ter sido previsto pelas partes e que afetou sobremaneira as relações econômicas como um todo. Embora seja comum a CEF incluir uma cláusula que em tese obste qualquer reajuste nos repasses, é possível repeli-la judicialmente.
Conclusão
O mercado imobiliário, após dois anos de severas dificuldades, dá sinais de que pode retomar seu crescimento. Por outro lado, a insegurança jurídica decorrente de situações que se alastram desde a pandemia é um repelente de potenciais clientes e investidores.
A legislação brasileira oferece mecanismos suficientes para rever contratos firmados anteriormente e que tenham sido afetados pela alta dos insumos da construção civil. Por isso, a elaboração de uma estratégia jurídica sólida é fundamental para a manutenção dos investimentos e continuidade de empreendimentos.
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Autor
LUCCA WESTFAHL DE SIQUEIRA. Advogado (OAB/PR nº. 114.292). Pós-graduando em Direito e Economia dos Sistemas Agroindustriais pelo Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Referências
BRASIL Código Civil de 2022. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 02 de maio de 2024.
https://korner.com.br/o-impacto-da-pandemia-na-construcao-civil/