Cláusulas Resolutivas: As Consequências de sua Aplicação às Permutas Sem Torna

cláusula resolutiva em permuta sem torna

A troca pode ser registrada como a primeira forma de pagamento da civilização. Tem-se notícia de que as civilizações primordiais, a exemplo dos gregos e fenícios, realizavam a troca direta de mercadorias entre si – surgindo somente depois a figura de um “intermediário” que costumamos chamar de moeda.

Essa prática, todavia, resistiu ao tempo. Seja em economias fragilizadas, para fins tributários ou viabilizar empreendimentos, fato é que ainda se costuma operar troca direta de mercadorias nas relações econômicas. Nesse sentido, dá-se aqui destaque ao contrato de permuta sem torna (isto é, sem complemento pecuniário), comumente utilizado no ramo imobiliário, e a aplicação das cláusulas resolutivas a esse modelo.

Por meio dos contratos de permuta, as partes se obrigam de maneira recíproca a transferir um bem, podendo ou não haver complementação em dinheiro, que seria a torna. propriedade de seu imóvel uma das partes confere a propriedade de seu imóvel a outra, que em contrapartida dará a sua. Nas palavras de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA:

“Tendo em vista os seus elementos, pode definir-se a troca, também chamada permuta, escambo ou barganha, o contrato mediante o qual uma das partes se obriga a transferir à outra uma coisa, recebendo em contraprestação coisa diversa, diferente de dinheiro. Seus caracteres jurídicos são os mesmos da compra e venda (v. nº 217, supra). Dispensamo-nos de sua análise minudente, contentando-nos com a sua menção: 1 – bilateral; 2 – oneroso; 3 – comutativo; 4 – translatício do domínio, no sentido de ato causal da transferência da propriedade, embora não a opere diretamente; 5 – consensual via de regra,”[1]

O legislador não se preocupou em fazer uma definição minuciosa deste modelo contratual, optando por remissão à compra e venda, guardadas algumas especificidades do art. 533 do Código Civil:

Art. 533. Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as seguintes modificações:

I – salvo disposição em contrário, cada um dos contratantes pagará por metade as despesas com o instrumento da troca;

II – é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante.

A Instrução Normativa SRF n.º 107/1988 define a permuta como “toda e qualquer operação que tenha por objeto a troca de uma ou mais unidades imobiliárias por outra ou outras unidades, ainda que ocorra, por parte de um dos contratantes o pagamento de parcela complementar em dinheiro aqui denominada torna”.

É comum a utilização deste tipo de negócio jurídico para a realização de incorporações imobiliárias, sobretudo na modalidade de entrega futura, em que o proprietário de um imóvel transfere a propriedade de seu terreno ao incorporador, que assume o risco do empreendimento e se compromete a entregar uma ou mais unidades autônomas em contrapartida.

O art. 474 do Código Civil dispõe:

Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.

As cláusulas resolutivas expressas são dispositivos que preveem a resolução do contrato sem necessidade de intervenção judicial, caso ocorra determinada hipótese previamente estabelecida pelas partes. Geralmente, essas estão relacionadas ao descumprimento de obrigações contratuais, como o não cumprimento de prazos ou outras violações contratuais relevantes.

Também é possível a resolução dos contratos por descumprimento de cláusulas ditas “tácitas”, que decorrem não de uma disposição de vontades das partes, e sim do descumprimento de algum dever legal. O art. 475 do Código Civil, por exemplo, traz um caso a dizer que “a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”.

A esse respeito, GUSTAVO TEPEDINO:

O direito à resolução por inadimplemento, nos termos do art. 475 do Código Civil, portanto, não depende de previsão em cláusula tacitamente extraída do contrato, podendo ser exercido sempre que configurado descumprimento contratual culposo, associado à impossibilidade da prestação ou à perda do interesse útil do credor. A chamada cláusula resolutiva tácita deve ser lida sob perspectiva funcional, compreendendo o descumprimento de todos aqueles deveres que vierem a prejudicar a produção dos efeitos essenciais que o contrato visava a produzir. Assim, também o descumprimento de deveres laterais, decorrentes da incidência do princípio da boa-fé, pode ensejar a resolução, se for capaz de comprometer o interesse do credor na utilidade da prestação.[2]

As partes, além das disposições do próprio instrumento, devem guardar alguns deveres previstos na legislação e até mesmo na própria Constituição, como a boa-fé e a função social do contrato, por exemplo. Desse modo, a existência das cláusulas resolutivas tácitas permite ao julgador fazer uma análise mais abrangente dos contratos.

Por não haver nenhuma prestação pecuniária, as cláusulas resolutivas ganham um contorno específico. Para os fins desse artigo, propõe-se algumas reflexões.

Conforme dito anteriormente, a disciplina da permuta é regulamentada pelo Título VI, Capítulo I, do Código Civil (“Da Compra e Venda”). Nos termos do art. 483, a compra e venda cujo objeto é uma coisa futura ficará sem efeito caso esta não venha a existir. Em caso de permutas imobiliárias para fins de incorporação, a não-entrega da unidade autônoma prometida acarreta na resolução do contrato.

Igualmente, sabe-se que a transferência de imóveis se aperfeiçoa por meio do registro translativo no registro de imóveis competentes (art. 1.245). É possível se pensar na resolução do contrato pela ausência da averbação – ou até mesmo uma adjudicação compulsória.

Pela crescente dinâmica do mercado imobiliário, cada vez mais se tem optado pela permuta imobiliária. Uma vez que a disciplina legal acerca do tema não é específica, a aplicação de cláusulas contratuais traz desafios concretos a serem enfrentados pelo judiciário brasileiro.

Uma assessoria jurídica especializada auxiliará na escolha da melhor estratégia a ser adotada e cada caso concreto, bem como para a elaboração de uma tese sólida, visando segurança jurídica e  lucratividade para o negócio.

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LUCCA WESTFAHL DE SIQUEIRA. Advogado (OAB/PR nº. 114.292). Pós-graduando em Direito e Economia dos Sistemas Agroindustriais pelo Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio/Faculdade CNA. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direitos reais, 27. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2019, ePub.

TEPEDINO, Gustavo; KONDER, Carlos Nelson; BANDEIRA, Paula Greco. Fundamentos de direito civil: volume 3 (Contratos), 1. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2020, ePub.

BRASIL Código Civil de 2022. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 02 de maio de 2024.

RECEITA FEDERAL DO BRASIL, Instrução Normativa SRF n.º 107/1988. Disponível em: < http://normas.receita.fazenda.gov.br//sijut2consulta/link.action?visao=original&idAto=14681>. Acesso em: 02 de maio de 2024.

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