Na notícia comentada de hoje, a Dra. Clarice de Camargo Ibañez contextualizará o fato de que a 3ª Turma do STJ, por maioria de votos, negou o pedido de reconhecimento de pacto verbal no qual um doador de cotas empresariais teria estabelecido, como condição resolutiva, que as cotas lhe fossem devolvidas caso o beneficiário (seu filho) viesse a se casar.
RESUMO DO CASO
Um sócio da empresa doou suas cotas sociais ao seu filho. Todavia, após tal doação, formalizou contrato verbal de que, caso este se casasse, teria de devolver as cotas sociais doadas.
Ocorre que, segundo o relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, tal previsão resolutiva deveria constar em um só instrumento, qual seja, no de doação das cotas sociais.
Isso porque, se o “doador tinha o objetivo de reaver, depois da doação, a sua posição societária, ele deveria ter manifestado a sua intenção no mesmo contrato”.
Por fim, foi salientado no julgado que no documento que formalizou a doação, havia cláusula expressa de “irrevogável quitação”, não lhe sendo, portanto, de direito recobrar sua posição societária.
COMENTÁRIO DA ESPECIALISTA
Diante do exposto, cumpre destacar, inicialmente, que a interpretação da doação, insculpida no art. 114 do Código Civil, deve ser restritiva. Ou seja, o Judiciário não poderá dar a esses atos negociais interpretação ampliativa, devendo limitar-se, tão somente, aos limites traçados na doação[1].
Não bastasse, a alteração de contrato social por meio de doação não é prática costumeira, tendo em vista que a legislação prevê a formalização da doação por meio de escritura pública ou instrumento particular para tal finalidade específica. Mais incomum ainda seria a doação de cotas sociais e, após, a adição verbal de cláusula resolutiva.
Com efeito, resta evidenciada a existência de reserva mental por parte do doador, posto que no caso concreto testemunhas puderam comprovar que o filho donatário sabia da verdadeira intenção do pai. Por conseguinte, pode-se concluir pelo indício de negócio simulado, previsto no art. 167, § 1º, inciso II do Código Civil, posto que os demais sócios da empresa não tiveram conhecimento de tal reserva mental, in verbis:
Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
§ 1 o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: (…)
II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
Nada obstante, imperioso ressaltar que a modificação do contrato social, por sua vez, depende da deliberação dos sócios, consoante art. 1.071, inciso V, do Código Civil, por votos correspondentes a, no mínimo, 3/4 do capital social, conforme disposto no art. 1.076, inciso I, do referido códex[2].
Dessa forma, não é possível afirmar que o sócio doador teria obtido a concordância dos demais sócios quanto à alteração e a cláusula verbal resolutiva, realizada de forma unilateral e reservada, aceita somente pelo filho beneficiário; de modo que a referida cláusula resolutiva não pode produzir efeitos na esfera jurídica, a fim de proteger os demais sócios que não teriam tomado conhecimento do referido acordo.
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Clarice de Camargo Ibañez. Advogada (OAB/PR nº. 110.008). Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).REFERÊNCIAS
[1] FIGUEIREDO, Fabio Vieira. Vetores de interpretação do negócio jurídico. Jusbrasil. 2014. Disponível em: <https://fabiovieirafigueiredo.jusbrasil.com.br/artigos/112204723/vetores-de-interpretacao-do-negocio-juridico>. Acesso em 12 abril 2022.[2] KOSENHOSKI, Marcelo. Quóruns convencionais de deliberação nas sociedades limitadas. Migalhas. 2022. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/359310/quoruns-convencionais-de-deliberacao-nas-sociedades-limitadas>. Acesso em 12 abril 2022.