A Responsabilidade Civil e as Plataformas Digitais

Responsabilidade Civil e as Plataformas Digitais

As plataformas digitais são definidas como um sistema de comunicação que permite a conexão entre diversas pessoas e empresas, sejam elas os consumidores, produtores, fornecedores de bens ou prestadores de serviços.

Existem as plataformas de compras e serviços (ex. Amazon, Americanas, Uber), de conteúdo (ex. Youtube, Spotify) e as chamadas redes sociais (ex. Facebook, Instagram, Twitter, atual “X”), que se caracterizam por conectar pessoas com afinidades e interesses comuns.

Diante deste “mundo tecnológico” surgem questões que merecem o regramento jurídico e a legislação pertinente sobre a responsabilidade civil das plataformas digitais e dos terceiros que a utilizam.

A Lei n° 12 965, de 23 de abril 2014, chamada de o “Marco Civil da Internet”, trata da responsabilidade civil e em conjunto com os tribunais, vêm definindo limites e conceitos sobre o tema.

No presente artigo, apresenta-se um breve apanhado sobre a questão da responsabilidade civil e as plataformas digitais no direito brasileiro.

Os Desafios do Marco Civil da Internet – Lei nº12.965/2014

A Lei nº12.965/14, é comumente chamada de Marco Civil da Internet (MCI) e estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria.[1]

Definitivamente, a internet não é uma “terra sem lei” e as tecnologias digitais oferecem muitas oportunidades de ensino, comércio, praticidade e entretenimento, embora existam desafios para que seu uso seja seguro, responsável, crítico e saudável.

Por conta disso, a Lei Geral da Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), responsável por assegurar o tratamento de dados, vem na mesma linha que o marco civil da internet, ou seja, estabelecer regras sobre a coleta, armazenamento, tratamento e compartilhamento de dados pessoais.

Tem-se que para o segmento empresarial, a LGPD pode trazer uma série de benefícios de proteção e segurança. Para maiores informações sobre o tema, consulte este artigo.

Assim, um dos grandes desafios para o MCI[2] é alinhar o direito à liberdade de expressão e o direito à privacidade (na questão do uso de dados pessoais dos usuários), assim como, preservar a neutralidade da rede, sem prejuízo aos usuários.

Ao passo que regular a efetivação da liberdade de expressão, quando empresas que administram redes sociais excluem publicações sem nenhum conteúdo ilegal é um enorme desafio, na outra ponta, tem-se a política de uso de dados dos usuários e o direito à privacidade, dentro da legislação geral e do MCI, balizadores de um enfrentamento que envolve diretamente o judiciário[3].

Outro desafio do MCI é garantir a efetividade e equilíbrio das decisões judiciais, como por exemplo quando surge a necessidade de requisitar informações e dados trocados em aparelhos celulares nos aplicativos de mensagens.

Nestes casos a complexidade para buscar estes dados é alta e ao mesmo tempo, bloquear o uso do aplicativo para a coletividade, o que tem sido feito com fundamento no art. 12, inciso III da Lei nº12.965/14, não parece ser a medida processual mais adequada, visto que se trata de uma interferência direta na estrutura de rede, o que fere as disposições do marco civil.

Em síntese, a responsabilização das plataformas digitais/intermediários proporcionou segurança jurídica ao definir os papéis de cada agente que atua na Internet, com o fim de fortalecer o princípio da neutralidade de rede e preservar arquitetura aberta da Internet, mantendo-se o poder de escolha do usuário e o estímulo à inovação.

Da Responsabilidade por Danos Decorrentes de Conteúdo Gerado por Terceiros – Temas 533 e 987 no STF

Em linhas gerais, a responsabilidade civil trata-se do instituto que tem por finalidade buscar uma reparação dos danos causados por outrem.

Na lição dos professores Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Nery, considera-se responsabilidade civil a “consequência da imputação civil do dano à pessoa que lhe deu causa ou que responde pela indenização correspondente, nos termos da lei ou do contrato. A indenização devida pelo responsável pode ter natureza compensatória e/ou reparatória do dano causado”.[4]

O Marco Civil da Internet, definiu em seus artigos 18 e 19, sobre a responsabilidade dos provedores de internet, websites e gestores de redes sociais em relação ao conteúdo postado por terceiros, conforme segue:

Art. 18. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

O debate sobre a responsabilização civil dos provedores de internet gerou polêmica e as big techs, estão de olho nos julgamentos dos Recursos Extraordinários nºs 1037396 e 1057258, pendentes no STF e que geraram os respectivos temas de repercussão geral (Tema 987 e Tema 533).

O Tema 533, de relatoria do ministro Fux, irá debater sobre o dever da empresa hospedeira de sítio na internet em fiscalizar o conteúdo publicado e de retirá-lo do ar, sem intervenção judicial, quando for considerado ofensivo.

Já o Tema 987, relatado pelo ministro Dias Toffoli, discute a constitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet que exige ordem judicial prévia e específica de exclusão de conteúdo para a responsabilização civil de provedores, hospedeiros de websites e gestores de aplicativos de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros.

Ainda, na condição de amicus curiae, a FGV representando a Associação Brasileira de Centros de Inclusão Digital (ABCID), apresentou ao STF um interessante estudo sobre a responsabilização de plataformas digitais, segue a íntegra aqui.

A grande discussão em torno do art. 19 da Lei nº 12.965/14, se dá pela definição do legislador de que a última palavra sobre o que é lícito ou ilícito nas plataformas digitais sempre será do judiciário, em outros termos, não basta a reclamação extrajudicial do usuário que se sentir ofendido, os provedores só poderão ser responsabilizados nos casos em que existir ordem judicial específica e, diante disso, não promoverem a retirada do conteúdo inadequado.

É o modelo chamado de “judicial notice and takedown” em tradução literal: notificação judicial e posterior “derrubada”, melhor dizendo, todo o conteúdo danoso publicado pela plataforma somente irá gerar responsabilização civil, caso esta seja notificada judicialmente e não retirar o conteúdo ofensivo de circulação.[5]

Posto isso, caberá ao STF definir a constitucionalidade ou não do art. 19 e outros dispositivos do MCI, vez que o debate coloca em voga os temas da liberdade de expressão x regulação de conteúdo na internet x responsabilidade civil dos grandes provedores.

Conclusão

A busca pelo aprimoramento da legislação brasileira sobre a proteção de dados e a responsabilização civil dos atos praticados na internet é benéfica no sentido de trazer segurança jurídica e ordem aos ambientes virtuais.

Desde a promulgação do Marco Civil da Internet, houve muito debate sobre a regulação das plataformas digitais, demonstrando que é um imperativo dos novos tempos, construir como sociedade discussões sobre a melhor forma de lidar com a liberdade de expressão, proteção da privacidade e responsabilidade civil.

No que se refere à responsabilidade civil das plataformas digitais, tem-se que o ordenamento jurídico pátrio vem se reestruturando em alguns aspectos e busca se ajustar à realidade virtual, por mais complexa que seja.

A autorregulação pelas plataformas, também é necessária, mas, com a devida cautela para que não ocorra prejuízo ou ferimento à liberdade de expressão e por outro lado, não promova atrasos na inovação tecnológica, mesmo diante do ônus regulatório.

Portanto, em qualquer medida, sendo de um lado as big techs ou o usuário dos ambientes virtuais, sempre que surgir uma dúvida quanto os limites de uso das plataformas digitais em consonância com a legislação vigente, consulte um advogado especializado para entender o seu caso e lhe propor as melhores e mais seguras soluções jurídicas para este tema.

Ficou com alguma dúvida? Consulte nossa equipe (clique em ‘fale conosco‘ ou converse conosco via WhatsApp).

Clique aqui e leia mais artigos escritos por nossa equipe.

Autor

GEOVANNI OLIVEIRA DE SOUZA. Advogado (OAB/PR nº. 59.955). Pós-graduado em Direito Ambiental pela Universidade Federal do Paraná. Graduado em Direito pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil – UniBrasil.

Referências

[1] Lei nº12.965/14 – Art. 1º Esta Lei estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria.

[2] Abreviatura para Marco Civil da Internet.

[3] Disponível em: <https://portaldeperiodicos.unibrasil.com.br/index.php/anaisevinci/article/view/419> Acesso em: 05 ago. 2023.

[4] JUNIOR, Nelson Nery.; NERY, Rosa Maria de Andrade. Manual de direito civil: introdução e parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 158.

[5] Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=93c442d40a4e0b6f> O MARCO CIVIL DA INTERNET COMO NOVO PARADIGMA PARA A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROVEDORES DE SERVIÇOS DA REDE: O JUDICIAL NOTICE AND TAKEDOWN. Acesso em: 06 agos. 2023.

Compartilhar

Outras postagens

embargos de declaração

Embargos de declaração e sua amplitude do efeito interruptivo para pagamento espontâneo ou impugnação

O recurso de  embargos de declaração é uma ferramenta essencial no processo civil brasileiro, destinada a esclarecer pontos omissos, contraditórios ou obscuros de uma decisão judicial.

No entanto, a extensão dos efeitos desse recurso, especialmente quanto ao seu efeito interruptivo, é um tema que suscita debates entre os operadores do direito.

Este artigo explora o papel dos embargos de declaração, com ênfase na sua capacidade de interromper prazos processuais exclusivamente para a interposição de recursos, sem se estender a outros meios de defesa, como a impugnação ao cumprimento de sentença, ou ao cumprimento espontâneo da obrigação de pagamento.

tokenização

Tokenização e o Mercado Imobiliário

Tokenização, uma prática inovadora e em ascensão no campo tecnológico, tem sido cada vez mais reconhecida por suas promessas de revolucionar diversos setores, com destaque especial para o mercado imobiliário. Nesse cenário, o presente artigo se propõe a aprofundar e elucidar os diversos aspectos que envolvem a tokenização. Além de definir e contextualizar o conceito em questão, serão destacadas suas aplicações práticas e os impactos que vem gerando no mercado imobiliário. Ao mesmo tempo, serão minuciosamente examinadas as vantagens e desafios inerentes a essa inovação disruptiva.
Os debates no Brasil tomam destaque a partir de provimento publicado pela corregedoria do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) sobre o registro de tokens representativos de propriedade imobiliária nos cartórios de registro de imóveis daquela região. A controvérsia, abordada no provimento do Tribunal, surgiu quando diversos cartórios no Rio Grande do Sul receberam solicitações para lavrar e registrar (…)

valuation

Liquidação de Quotas Sociais de Sociedades Empresárias: Critérios para a Adequada e Justa Valoração da Empresa (“valuation”).

Este artigo abordará os aspectos jurídicos, práticos e de “valuation” para a liquidação de quotas sociais em sociedades empresárias no Brasil, com base, principalmente, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e nos critérios práticos recomendados para a valoração das empresas.

A liquidação de quotas sociais em sociedades empresárias é um processo complexo que envolve aspectos jurídicos, contábeis, financeiros, operacionais, entre outros critérios técnicos para o devido “valuation”.
Este artigo buscará aprofundar o entendimento sobre o tema, considerando, sobretudo, os parâmetros básicos a partir da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e os métodos específicos de levantamento do valor real de mercado das empresas.

reequilíbrio contratual

Contratos de Apoio à Produção da Caixa Econômica Federal e o Direito ao Reequilíbrio

A legislação, como se percebe, oferece algumas saídas em caso de eventos imprevisíveis que afetem as condições contratuais. Por um lado, é possível a resolução do contrato por onerosidade excessiva, mas se pode pleitear a modificação equitativa das cláusulas contratuais. O mercado imobiliário, após dois anos de severas dificuldades, dá sinais de que pode retomar seu crescimento. Por outro lado, a insegurança jurídica decorrente de situações que se alastram desde a pandemia é um repelente de potenciais clientes e investidores. A legislação brasileira oferece mecanismos suficientes para rever contratos firmados anteriormente e que tenham sido afetados pela alta dos insumos da construção civil. Por isso, a elaboração de uma estratégia jurídica sólida é fundamental para a manutenção dos investimentos e continuidade de empreendimentos.

Enviar mensagem
Precisa de ajuda?
Barioni e Macedo Advogados
Seja bem-vindo(a)!
Como podemos auxiliá-lo(a)?