O presente artigo analisa a necessidade de modulação dos efeitos do Tema 1335 do STF, que trata da aplicação da taxa SELIC para pagamentos de precatórios pela Fazenda Pública. Argumenta-se que a ausência de modulação pode gerar insegurança jurídica e violar o princípio da coisa julgada, impactando negativamente os jurisdicionados que obtiveram o direito à incidência da SELIC em processos já transitados em julgado. Defende-se a importância da modulação para garantir a justiça, a equidade e a previsibilidade do sistema jurídico brasileiro.
Introdução
O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Tema 1335 de repercussão geral, definiu que a taxa SELIC incide durante o prazo de pagamento de precatórios previsto no art. 100, § 5º, da Constituição Federal. Essa decisão, embora aparentemente simples, gera impactos significativos nas relações entre o Estado e os cidadãos, especialmente aqueles que possuem precatórios a receber.
Ocorre que, antes da fixação do Tema 1335, diversos tribunais pátrios já haviam se manifestado sobre a incidência de juros moratórios nos precatórios, adotando entendimentos diversos, inclusive favoráveis à aplicação da SELIC. Diante disso, surge o questionamento: como garantir a segurança jurídica e a justiça para aqueles que, com base em decisões judiciais definitivas, já haviam assegurado o direito à incidência da SELIC?
É nesse contexto que a modulação dos efeitos da decisão do STF se mostra crucial. A modulação, instituto previsto no art. 27 da Lei nº 9.868/99, permite ao STF definir o momento a partir do qual a nova tese jurídica passará a produzir efeitos, resguardando situações consolidadas sob a égide do entendimento anterior.
Explanações sobre o tema
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, XXXVI, consagra o princípio da coisa julgada, garantindo que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Esse princípio assegura estabilidade às relações jurídicas, impedindo que decisões judiciais definitivas sejam desconstituídas por alterações legislativas ou jurisprudenciais posteriores.
No caso do Tema 1335, a ausência de modulação dos efeitos da decisão do STF pode gerar grave insegurança jurídica e violar o princípio da coisa julgada. Imagine a situação de um cidadão que, após anos de litígio, obteve o reconhecimento judicial do seu direito à incidência da SELIC sobre o valor do seu precatório. Se o STF não modular os efeitos da sua decisão, essa pessoa poderá ser prejudicada, tendo seu direito revisto e o valor do seu precatório reduzido.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou sobre a importância da modulação dos efeitos em casos semelhantes, homenageando os princípios da coisa julgada e da segurança julgada. No julgamento EDcl no AgInt no AgRg no AREsp: 2085 RJ 2011/0045718-3, o STJ reconheceu a necessidade de modular os efeitos de um Tema do STF que afastava o recebimento de certas verbas de servidores públicos, de modo que aqueles que já haviam obtido sentenças favoráveis, principalmente aquelas já transitadas em julgado, tivessem o pagamento mantido, mesmo que o direito tenha sido derrubado pela nova decisão (Tema 395, STF), preservando, assim, a segurança jurídica.
Ademais, a doutrina jurídica também tem se posicionado em favor da modulação dos efeitos das decisões do STF, especialmente em casos que envolvam alterações significativas na interpretação da lei. Renomados juristas administrativistas defendem que a modulação é essencial para evitar rupturas bruscas no ordenamento jurídico e garantir a previsibilidade das decisões judiciais.
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RE 638.115/CE. TEMA 395 DO STF. SERVIDORES PÚBLICOS. INCORPORAÇÃO DE QUINTOS E DÉCIMOS NO PERÍODO ENTRE A EDIÇÃO DA LEI 9.624/98 E A MP 2.225-45/2001. IMPOSSIBILIDADE. MODULAÇÃO DE EFEITOS. DESNECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DE VALORES PERCEBIDOS DE BOA-FÉ. INDEVIDA A CESSAÇÃO IMEDIATA DO PAGAMENTO, FUNDADO EM DECISÕES ADMINISTRATIVAS OU JUDICIAIS SEM TRÂNSITO EM JULGADO. MANUTENÇÃO DOS PAGAMENTOS ATÉ A ABSORÇÃO INTEGRAL POR REAJUSTES FUTUROS. SERVIDOR QUE RECEBEU ADMINISTRATIVAMENTE PARTE DOS VALORES, MAS PRETENDEU, NA VIA JUDICIAL O RECEBIMENTO DA PARTE DOS ATRASADOS. IMPOSSIBILIDADE DE PERCEPÇÃO DE ATRASADOS. DECLARATÓRIOS PARCIALMENTE ACOLHIDOS, SEM, ENTRETANTO, ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES. I. Embargos de Declaração opostos a acórdão prolatado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negara provimento ao Agravo interno do servidor, interposto contra decisão que, em juízo de retratação, dera provimento ao Recurso Especial da União, para, aplicar o tema 395 do STF, no sentido de afastar a incorporação de quintos/décimos, em razão do exercício de funções gratificadas, no período compreendido entre a edição da Lei 9.624/98 e a Medida Provisória 2.225-45/2001. II. Verificada omissão no acórdão, quanto à percepção das parcelas atrasadas de quintos, merece ela ser suprida, porém, sem efeitos infringentes. III. O Supremo Tribunal Federal, por maioria, em sede de repercussão geral reconhecida no RE 638.115/CE (Rel. Ministro GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, DJe de 03/08/2015 – Tema 395), consolidou a orientação de não ser devida a incorporação de quintos e décimos por servidores pelo exercício de funções gratificadas, no período compreendido entre a edição da Lei 9.624/98 e a Medida Provisória 2.225-45/2001, ante à ausência de norma expressa autorizadora. IV. Todavia, em 18/12/2019, com o julgamento de aclaratórios opostos, foram modulados os efeitos do referido julgado, restando decidido que: “I) Quintos recebidos em razão de decisão judicial transitada em julgado: Acolho parcialmente os embargos de declaração, com efeitos infringentes, para reconhecer indevida a cessação imediata do pagamento dos quintos quando fundado em decisão judicial transitada em julgado. II) Quintos recebidos em virtude de decisões administrativas: Rejeito os embargos quanto a este ponto, e, apesar de reconhecer-se a inconstitucionalidade do pagamento, modulo os efeitos da decisão, de modo que aqueles que continuam recebendo até a presente data em razão de decisão administrativa, tenham o pagamento mantido até sua absorção integral por quaisquer reajustes futuros concedidos aos servidores. III) Quintos recebidos por decisão judicial ainda não transitada em julgado: Por fim, também modulo os efeitos da decisão de mérito do presente recurso, de modo a garantir que aqueles que continuam recebendo até a presente data por força de decisão judicial sem trânsito em julgado, tenham o pagamento mantido até sua absorção integral por quaisquer reajustes futuros concedidos aos servidores”(STF, ED no ED no RE 638.115/CE, Rel. Ministro GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, DJe de 08/05/2020). Ao que se tem, portanto, deve se reconhecer a ilegalidade da incorporação de quintos por servidores pelo exercício de funções gratificadas no período compreendido entre a edição da Lei 9.624/98 e a Medida Provisória 2.225-45/2001, respeitadas as modulações dos efeitos da decisão, para desobrigar a devolução de valores percebidos de boa-fé e considerar indevida a cessação imediata do pagamento dos “quintos”, quando fundado em decisão judicial transitada em julgado; e, quando apoiado em decisão judicial sem trânsito em julgado ou para aqueles servidores que recebem os quintos em virtude de decisões administrativas, determinar a manutenção dos pagamentos, até a sua absorção integral, por quaisquer reajustes futuros. V. Em relação aos atrasados, ao referido julgado do STF que modulou os efeitos da repercussão geral – EDcl no EDcl no RE 638.115/CE, Rel. Ministro GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, DJe de 08/05/2020 -, foram opostos novos aclaratórios, que restaram rejeitados, na sessão de 29/06/2020, tendo sido ressaltado, pelo relator, que: “‘É inconstitucional a incorporação de quintos decorrente do exercício de funções comissionadas no período compreendido entre a edição da Lei 9.624/1998 e a MP 2.225-48/2001’. No entanto, apesar da inconstitucionalidade do pagamento, foi medida de rigor a modulação de efeitos da decisão, de modo que aqueles que continuavam recebendo a verba até a data do julgamento dos últimos embargos de declaração (18.12.2019) – em razão de decisão administrativa ou de decisão judicial ainda não transitada em julgado – tivessem o pagamento mantido até sua absorção integral por quaisquer reajustes futuros concedidos aos servidores. Resta claro, portanto, que a modulação não restabeleceu a incorporação da parcela ilegítima ou determinou que a Administração pagasse parcelas retroativas, mas apenas resguardou a situação dos servidores que, na citada data, ainda continuavam a receber a vantagem, em proteção ao princípio da segurança jurídica” (STF, EDcl no EDcl no EDcl no RE 638.115/CE, Rel. Ministro GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, DJe de 19/08/2020 – transitado em julgado em 17/09/2020). VI. No caso, ainda que possa ser mantida a percepção de parcela de “quintos” – reconhecida e paga administrativamente -, até futuro reajuste que a absorva, o embargante não faz jus a qualquer nova incorporação, além da parcela que já havia sido concedida administrativamente, nem aos atrasados daí decorrentes. VII. Embargos Declaratórios acolhidos, para prestar tais esclarecimentos, sem, contudo, atribuição de efeitos infringentes, ao acórdão embargado. Precedentes do STJ. (STJ – EDcl no AgInt no AgRg no AREsp: 2085 RJ 2011/0045718-3, Data de Julgamento: 13/02/2023, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/02/2023).
Conclusão
Diante do exposto, conclui-se que a modulação dos efeitos do Tema 1335 do STF far-se-á essencial para garantir justiça e segurança jurídica. Ao modular os efeitos da sua decisão, o STF evitará prejuízos aos jurisdicionados que, com base em decisões judiciais definitivas, já haviam assegurado o direito à incidência da SELIC sobre o valor dos seus precatórios (durante o “período de graça”), mesmo porque entendimento contrário a este poderá redundar na inundação de novas ações judiciais (Ações Rescisórias) e em centenas de milhares de recursos perante os Tribunais (estaduais e Cortes Superiores) com o propósito da Fazenda Pública de rediscutir a não incidência da Taxa SELIC para a atualização de precatórios mesmo em processos judiciais já consumados e com sentenças estabilizadas no sentido de garantir tal critério de atualização dos valores ao jurisdicionado (credor do precatório).
A modulação neste caso se faz indispensável, pois, além de preservar a coisa julgada, contribuirá para a estabilidade das relações jurídicas e para a previsibilidade do sistema jurídico brasileiro, valores fundamentais para o Estado Democrático de Direito.
É esperado que o STF, sensível à importância da modulação dos efeitos do seu julgado e aos seus reflexos práticos na vida dos cidadãos, adote rapidamente as medidas necessárias para garantir a justiça e a segurança jurídica no caso em tela e evite com que a repercussão geral atribuída à tese (Tema 1335) não culmine naquilo que justamente deveria impedir: mais e mais processos judiciais inundando os Tribunais pátrios a fim de discutir a mesma questão ou os detalhes derivados da mesma.
Ficou com alguma dúvida? Consulte nossa equipe (clique em ‘fale conosco‘ ou converse conosco via WhatsApp).
Clique aqui e leia mais artigos escritos por nossa equipe.
Autor
Antonio Macedo Neto (OAB/PR 55.082). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (2009). Pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC-PR (2011). Profissional atuante há mais de 15 anos, especialmente nas áreas de Direito Imobiliário e Societário.