A Falência e o Fresh Start

Decretar falência não é algo fácil para um(a) empreendedor(a), seja pela frustração de ter não atingido o sucesso, ou pela demora no processo de falência.

A lentidão no processo de retorno deste(a) empreendedor(a) ao mercado pode ser um pujente obstáculo, que prejudica, ao final, além da própria pessoa jurídica falida, também os credores desta.

Foi pensando na solução do problema acima elencado que surgiu o fresh start na Lei nº.  14.112/2020, legislação esta que alterou a Lei de Falências e que trouxe algumas facilidades para o falido reestabelecer-se no mercado, conforme demonstrado a seguir.

O QUE É FALÊNCIA

A falência ocorre quando uma empresa tem mais dívidas que patrimônio ou, tecnicamente, “a solução judicial da situação jurídica do devedor-comerciante que não paga no vencimento obrigação líquida”[1].
Para o Direito é quando ocorre um processo judicial que visa o pagamento de todos os credores.

OBJETIVOS DA FALÊNCIA

O artigo 75 da Lei n.º 11.101/2005 traz os objetivos da falência:

Art. 75. A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a:

I – preservar e a otimizar a utilização produtiva dos bens, dos ativos e dos recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa;

II – permitir a liquidação célere das empresas inviáveis, com vistas à realocação eficiente de recursos na economia; e

III – fomentar o empreendedorismo, inclusive por meio da viabilização do retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica.

§ 1º O processo de falência atenderá aos princípios da celeridade e da economia processual, sem prejuízo do contraditório, da ampla defesa e dos demais princípios previstos na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

§ 2º A falência é mecanismo de preservação de benefícios econômicos e sociais decorrentes da atividade empresarial, por meio da liquidação imediata do devedor e da rápida realocação útil de ativos na economia.

Observe-se que são finalidades que objetivam a segurança jurídica para aqueles que são credores, para o empresário falido e também para os novos empreendedores.

COMO FUNCIONA O PROCESSO DE FALÊNCIA

A falência pode ser requerida, conforme Lei n.º 11.101/2005, pelos seguintes sujeitos:

Art. 97. Podem requerer a falência do devedor:

I – o próprio devedor, na forma do disposto nos arts. 105 a 107 desta Lei;

II – o cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro do devedor ou o inventariante;

III – o cotista ou o acionista do devedor na forma da lei ou do ato constitutivo da sociedade;

IV – qualquer credor.

Concluído todo o processo de análise e de defesa, advém a sentença.

O juiz poderá declarar a falência do empresário ou não.

Caso seja declarada, todos os bens da empresa serão arrecadados e a dívida total será contabilizada.

Feito isso, é realizada a venda dos bens para prosseguir com o pagamento dos credores.

O responsável pela venda será o Administrador Judicial.

Suas funções estão exemplificadas no artigo 22 da Lei n.º 11.101/2005.

Os créditos, por sua vez, recebem uma classificação legal de “ordem de importância”.

Os primeiros a serem pagos são os créditos trabalhistas, como salário, posteriormente os créditos com garantias reais, onde os credores são os bancos, e por último, os créditos quirografários, que são os que não se encaixam nos grupos anteriores.

CONSEQUÊNCIAS DA FALÊNCIA

Quando o juiz declarar a falência, a pessoa jurídica não existirá mais. Ela será dissolvida e a atividade empresarial se encerrará com a decretação.

Ainda, os atos praticados no prazo de 90 dias antes da declaração de falência poderão ser anulados pelo juiz.

Isso ficará a critério dele, pois fará a análise detalhada do ato praticado. Para ficar mais claro a compreensão damos o exemplo do empresário que doa um terreno para um lar de idosos.

A administração do lar, por sua vez, realiza diversas construções e realiza atividades de recreação diária para os idosos. Veja-se, neste caso, o juiz não irá invalidar a doação, pois prejudicará a ação social praticada.

É importante ressaltar que o empresário está impedido de praticar qualquer atividade empresarial até a conclusão do processo, conforme disposição do artigo 102 e 103 da Lei n.º 11.101/2005.

QUAL O SIGNIFICADO DA EXPRESSÃO “FRESH START”?

A tradução simplificada da expressão é rápido recomeço.
Conforme exposto, o fresh start foi incluído com a alteração legislativa dada pela Lei n.º 14.112/2020.

A APLICAÇÃO DO “FRESH START” NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Anteriormente, para o empresário falido reingressar no mercado empresarial, ele deveria:

  1. realizar o pagamento integral dos credores, o que dificilmente acontecia, pois a empresa falida não possuía credito suficiente para quitar todos as dívidas;

  2. ou pagar 50% dos credores quirografários, que são o terceiro e último grupo;

  3. ou pelo esgotamento do prazo de 5 anos, desde que o empresário não tivesse sido condenado por nenhum crime falimentar;

  4. ou passados 10 anos, contados do encerramento da falência, se condenado por crime falimentar.

Com a alteração na Lei de Falências, todas as obrigações do empresário falido serão extintas a partir do prazo de 3 anos contados da decretação da falência. Ou seja, o prazo será contado a partir do momento em que o juiz julgar procedente o pedido de falência.

Os professores Daniel Carnio e Alexandre Nasser [2] enfatizam que o fresh start foi inspirado na legislação dos Estados Unidos da América e salientam que a falência pode acontecer com qualquer sujeito empreendedor:

Trata-se de inspiração no Banktuptcy Code dos Estados unidos da América, principalmente na figura do discharge, previsto no chapter 7, que regula a extinção das obrigações do falido para que possa, sem entraves, voltar a empreender. Essa exoneração das obrigações depende do preenchimento de alguns requisitos, que incluem os motivos da crise econômico-financeira que levou a empresa à falência, se o empreendedor agiu honestamente e de boa-fé, ou se houve gestão temerária de seu patrimônio, se houve intenção de prejudicar credores, ou de obter vantagens ilícitas e se o devedor colaborou com o juízo falimentar, entre outros aspectos.

A lei brasileira, por sua vez, vincula extinção das obrigações ao decurso de certo prazo de tempo – agora reduzido para 3 anos contados da data da decretação da falência.

Resta saber se, a reforma legislativa, terá início a uma mudança cultural, que deixe de associar o falido a uma imagem pejorativa, percebendo o insucesso como uma consequência normal da atividade econômica.

As novas mudanças trouxeram para o empresário o retorno ao mercado extremamente mais rápido.

Além disso, é dada uma nova oportunidade ao empreendedor, consolidando assim, um dos objetivos da Lei de Falências.

 

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AUTORA

Isabela Friesen Silva. Acadêmica de Direito na Unicuritiba.


REFERÊNCIAS

[1] REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. São Paulo: Editora Saraiva. 15ª Ed. 1º vol. 1993.

[2] CARNIO, Daniel; NASSER DE MELLO, Alexandre. Comentário à Lei de Recuperação Judicial e Falência. Curitiba: Juruá Editora. 2021.

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