
Quais as causas de suspensão/abandono de obra?
As oscilações do mercado imobiliário, notadamente com a crise sanitária do Covid-19 e a consequente flutuação dos preços com inflação acima de patamares razoáveis, deram azo ao aumento exponencial dos distratos em contratos de compra e venda de imóveis na planta. Nesse sentido, tais ocorrências se deram por insolvência de algumas incorporadoras no meio da execução de uma determinada obra ou, mesmo sem a insolvência, por grande abalo em seu fluxo de caixa, diminuindo o ritmo da obra e desestabilizando o cronograma previsto. Outro fator que tem culminado no abandono de obra ou em sua excessiva postergação é a má gestão de algumas incorporadoras que, agindo de forma não planejada, assumem compromissos dos quais não conseguem cumprir, prejudicando os adquirentes das unidades imobiliárias de diversos empreendimentos em andamento, os quais ficam à deriva quanto ao recebimento das unidades. Quer sejam pelas razões acima descritas bem como por quaisquer motivos que venham a acarretar o abandono de uma obra ou o retardamento de sua execução, a inércia do incorporador em movimentar seu aparato técnico e financeiro para concluir um empreendimento faz nascer aos adquirentes das unidades comercializadas a possibilidade da tomada de algumas decisões.Resolução Contratual
O primeiro caminho e mais usual, ocorre de maneira individualizada por cada adquirente lesado. Nos moldes do parágrafo 1º do artigo 43-A da Lei de Incorporações[1] abre-se a possibilidade de o adquirente dar por extinta a relação com a incorporadora requerendo judicialmente a reparação civil quanto aos danos sofridos bem como o ressarcimento de todos os valores desembolsados a qualquer título. Tal hipótese depende, necessariamente, da ocorrência de atraso infundado na entrega do empreendimento para além do prazo de tolerância de 180 (cento e oitenta).Destituição da incorporadora e venda do imóvel
O segundo caminho e menos costumeiro que o primeiro é a destituição da incorporadora com a deliberação dos adquirentes para a venda do terreno e do conjunto de direitos e acessões contidos no patrimônio de afetação a fim de viabilizar a restituição dos valores injetados por cada um deles. Nesta possibilidade, conforme enuncia o inciso VII do artigo 43 da Lei de incorporações[2], se faz forçosa a aprovação com quórum específico de 2/3 dos adquirentes do empreendimento. Tem-se, nesse caso, além da destituição compulsória da incorporadora, a venda do terreno com todos os direitos e acessões integrantes do patrimônio de afetação que ocorrerá por procedimento de leilão ou outra forma previamente estabelecida. Essa possibilidade é deveras relevante quando não houver condições de os adquirentes desembolsarem recursos financeiros próprios para prosseguir com a construção. Assim, o comprador do empreendimento, que normalmente será uma outra incorporadora poderá assumir a obra no estado em que se encontra ou optar pela demolição daquilo que já foi concluído iniciando um empreendimento totalmente novo. Como se trata de alienação, os adquirentes originários deixam de ter quaisquer direitos ou obrigações sobre o terreno, vez que farão jus à proporção daquilo que tenham aportado em prol do empreendimento.Destituição da incorporadora e assunção da obra pelos adquirentes
O terceiro caminho, menos comum do que os dois anteriores, embora tenha sido largamente difundido pelo chamado ‘Caso Encol’[3] e o chamado ‘Caso Criciúma Construções’[4], permeia o campo da destituição do incorporador pelos adquirentes, assumindo estes a obra, para, com recursos próprios, concluí-la. Trata-se de hipótese de extinção anômala do contrato de incorporação. Diga-se que é meio menos usual pelo fato de que os adquirentes precisam contar com recursos próprios para dar o devido seguimento ao empreendimento. Nesse caso, conforme previsto no inciso VI do artigo 43[5] da lei supra, exaurido o prazo de 30 (trinta) dias de paralisação da obra ou do retardamento excessivo de sua evolução, os adquirentes, de forma conjunta, sem prejuízo de buscarem a devida reparação por perdas e danos por eles experimentados, terão o direito de intentar a assunção forçada do empreendimento, contratando terceiro que supra a morosidade da incorporadora original, destituindo-a de forma plena dos seus direitos e obrigações. Nesse tocante, a retomada da construção pelos próprios adquirentes se torna relevante pois, embora estes possam buscar a resolução contratual judicial com o desfazimento do contrato entabulado, retorno ao status quo ante e restituição de valores, o inadimplemento da incorporadora sinaliza possíveis problemas financeiros vivenciados por ela e, desse modo, mesmo havendo uma decisão judicial que condene a incorporadora a restituir valores aos adquirentes, muito provavelmente não seja essa uma solução eficiente, vez que é factível que a incorporadora não consiga arcar com as obrigações que se fizerem constantes em sentença condenatória.O que é necessário para assunção da obra pelos adquirentes?
Assim, demonstra-se relevante a eleição da via da destituição do incorporador com a assunção da obra pelos adquirentes. Nesse passo, elegido este caminho pelos adquirentes, importante levar em consideração três pontos cruciais:- Averiguar se o empreendimento possui uma comissão de representantes eleita é de suma importância, vez que caberá a referida comissão a convocação de assembleia geral dos adquirentes para deliberação sobre a assunção ou não da obra, sendo ela a responsável, também para a imissão na posse do empreendimento e gestão de documentos;
- Realizar uma análise criteriosa na matrícula do imóvel no qual foi registrada a incorporação para averiguar se há indícios de recair sobre o bem algum gravame que impossibilite a continuidade do empreendimento, observando se o patrimônio de afetação se encontra averbado, além de outras análises registrais atinentes à incorporação imobiliária.
- Assegurar o envio de notificação prévia à incorporadora[6] quanto à possibilidade de sua destituição, pois requisito necessário para que o procedimento de destituição seja viável.
Como funciona a assunção da obra pelos adquirentes?
A formalização mencionada dar-se-á por intermédio de assembleia e com o voto da maioria absoluta dos adquirentes, oportunidade em que a incorporadora deverá imitir os adquirentes, por meio de sua comissão, na posse do empreendimento, entregar todos os documentos correspondentes à incorporação e viabilizar a realização de auditoria descrita no artigo 31-C da Lei supra[8].Imissão na posse
Na hipótese de haver alguma negativa por parte da incorporadora para a imissão na posse (ato imprescindível, vez que impossível a assunção à distância), esta será suprida por medida judicial destinada para este fim.Contratação de terceiro para finalização do empreendimento
Concretizada a imissão na posse, os adquirentes passam a administrar o terreno com todas as suas acessões e poderão contratar terceiro para a finalização do empreendimento. Novamente, nesse passo é primordial uma boa análise de riscos a fim de diminuir a possibilidade de nova paralisação de obra, portanto, recomenda-se a contratação de corpo jurídico especializado para a realização de uma due diligence imobiliária[9].Adquirente inadimplente
Na conjectura de haver unidades alienadas em que o adquirente se encontra inadimplente, nos termos do artigo 63[10] da referida lei, poderá a comissão suscitar que o promitente comprador inadimplente quite o débito sob pena de a comissão estar autorizada a proceder com o leilão da respectiva unidade.E em caso de unidades financiadas?
Lado outro, na hipótese de as unidades se encontrarem financiadas, como praxe as instituições financeiras exigem que as incorporadoras contratem seguros para a aprovação do empreendimento, assim, basta que tais seguradoras sejam acionadas para que sejam tomadas as providências cabíveis à contratação de terceiros para finalização da obra.Hipoteca
Vale lembrar que, ainda que existam garantias tal qual a hipoteca, onerando o empreendimento, ela não prevalecerá sobre um contrato de compra e venda, ao simples rigor da súmula 308 do STJ[11], assim, mesmo existindo algum tipo de restrição no imóvel, os adquirentes podem retomar às obras, ficando estes sub-rogados em direitos e obrigações relativos à incorporação o imóvel.Fim do contrato de incorporação
É de se observar que a destituição a incorporadora põe fim ao contrato de incorporação, com isso o dia da destituição da incorporadora, com a consequente assunção da obra pelos adquirentes exsurge como o marco final das obrigações constituídas entre as partes, sendo até essa data apurados prejuízos que comporão o montante indenizatório devido.Conclusão
Conclui-se, em síntese, ser possível a assunção da obra pelos adquirentes, com a consequente destituição da incorporadora, o que se torna muito relevante em um cenário de abandono de obra ou paralisação, abrindo um leque maior de possibilidades aos adquirentes que não os limita ao requerimento de distrato e perdas e danos. A destituição de incorporadoras insolventes e falidas ou que abandonam suas obras por má gestão pode ser realizada por procedimento previsto em lei, demonstrando ser um importante remédio aos direitos dos adquirentes. Entretanto, repise-se que não se pode olvidar da importância de uma boa assessoria jurídica para que seja possível fazer uso da hipótese legal aqui tratada de modo a acautelar os adquirentes, trazendo segurança jurídica aos atos manejados. Ficou com alguma dúvida? Consulte um advogado (clique em ‘fale conosco‘ ou converse conosco via Whatsapp). Clique aqui e leia mais artigos escritos por nossa equipe.