EC 115: A Proteção de Dados Pessoais Como Direito Fundamental

DADOS

Na notícia comentada de hoje, a especialista em Direito Constitucional, Dra. Gisele Schereder, contextualizará a notícia de que o Congresso Nacional promulgou no último dia 10/02 a PEC 17/19 – Proposta de Emenda à Constituição – que deu origem à Emenda Constitucional nº. 115, para incluir no rol dos direitos fundamentais a proteção de dados pessoais, inclusive em meios digitais, além de fixar a competência da União para legislar sobre o tema, bem como para organizar e fiscalizar sua proteção e tratamento.

Afinal, o que são dados pessoais e qual o problema subjacente?

Os dados pessoais são informações que identificam ou possibilitam a identificação de um indivíduo, como nome, endereço, profissão, senhas, telefones, localização, hábitos, informações bancárias, dentre outros.

Esses dados, isolados ou cruzados, servem como ativos que oportunizam a localização de uma pessoa individualmente considerada.

A captação de dados é forte estratégica para que empresas segmentem as ações de uma pessoa a partir de sua identificação, agregando valor às atividades econômicas e servindo como fator de produção.

Contudo, seu acesso indiscriminado pode impactar a vida dos indivíduos quando utilizados para fins caliginosos.

Os dados pessoais englobam tanto o dado em sentido estrito como a informação obtida, na medida em que o desiderato principal da proteção é o direito fundamental ligado à personalidade, a intimidade e privacidade.

O Contexto

Vivemos na chamada “era da informação”, também conhecida como era digital ou era tecnológica. Esses termos são utilizados para designar um período marcado pela valorização da informação e da tecnologia em maior escala, advindo, especialmente, pela popularização da internet.

Nesse cenário, a produção e manipulação de dados pessoais, bem como os limites desse tratamento diante dos direitos da personalidade vem fomentando a adoção e aprovação de medidas que regulamentem o seu uso.

À vista disso, o fornecimento de dados, notadamente com veiculação on-line tem se tornado corriqueiro e muitas vezes o seu armazenamento não ocorre de forma segura, ou tem sua utilização de forma indevida.

Não por outro motivo, além do Marco Civil da Internet, a Lei 13.709/18, (Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD), em vigor desde setembro de 2020, surgiu como grande avanço no propósito de padronizar a coleta e tratamento de dados pessoais, aumentando a segurança jurídica dos usuários.

Impende relembrar que, em contexto mundial a necessidade da proteção de dados pessoais se deu com o vazamento de dados Facebook-Cambridge Analytica, o que afetou mais de 87 milhões de usuário, impactando grandes acontecimentos como as eleições presidenciais americanas de 2016 e a votação do Brexit[1].

No contexto brasileiro, serviu de fundamento para a criação e aprovação do diploma mais importante sobre o tema, a citada LGPD , que em linhas gerais dispõe que o armazenamento dos dados pessoais deve ser realizado com o máximo de sigilo, além da necessária autorização da coleta e posterior utilização, podendo o usuário revogar o acesso de seus dados a qualquer momento.

Aplicação da LGPD

A LGPD já vem sendo utilizada como fundamento em diversas ações judiciais, a exemplo, em recente decisão, o juízo da 7ª vara cível de Ribeirão Preto[2] determinou que uma empresa suspendesse o envio de mensagens publicitárias a um cliente, além de determinar a exclusão de seus dados pessoais armazenados, sob pena de incorrer em multa diária.

Isso porque o cliente alegou que a empresa capturou seus dados pessoais sem qualquer consentimento, enviando ao seu telefone pessoal mensagens de marketing.

De maneira prudente o referido juízo entendeu que restou configurada a violação a preceitos da LGPD, lançando mão da proteção legal para embasar sua motivação.

Mas se há lei que protege os dados pessoais quais as implicações práticas da proteção constitucional?

Embora o Supremo Tribunal Federal já tenha se manifestado no sentido de declarar a proteção de dados pessoais como direito fundamental implícito,[3] inserido no contexto da proteção à privacidade, a Emenda constitucional 115 acrescentou o inciso LXXIX ao artigo 5º da carta política que trata dos deveres e direitos individuais e coletivos, alçando a proteção de dados pessoais ao patamar de direito fundamental expresso.

A recente inclusão constitucional eleva tal proteção ao patamar de cláusula pétrea, ou seja, trata-se de direito que não pode ser abolido nem restringido[4].

Assim, a proteção de dados pessoais passa a ter autonomia própria para resguardar o seu núcleo essencial, abrindo mão da vasta hermenêutica que embasava sua importância tangenciando o direito à privacidade.

Ademais o Supremo Tribunal Federal passa a ter competência originária para apreciar quaisquer demandas relacionadas à violação direta desse direito, haja vista sua importância. Ainda para mais, dois outros dispositivos foram alterados na Constituição.

Sobrevieram mudanças no artigo 21 com a inclusão do inciso XXVI, consagrando como exclusiva a competência da União (competência administrativa) para organizar e fiscalizar a proteção e o tratamento de dados pessoais, nos termos da lei, e no artigo 22, com a incorporação do inciso XXX, que define a competência privativa da União para legislar sobre o tema, significa dizer que se Estados e Municípios legislarem estabelecendo, por exemplo, diretrizes sobre dados pessoais, tal diploma poderá ser objeto de controle de constitucionalidade, com a declaração de inconstitucionalidade da vindoura lei.

Marco histórico – Comentários

A nova garantia é marco histórico e implica diretamente na segurança jurídica quanto à aplicação da LGPD, trazendo maior solidez e seriedade ao tratamento de dados.

Elevar a sua proteção ao status de direito fundamental da azo ao abrigo inconteste de um direito que nasce à luz de importante evolução normativa decorrente da dignidade da pessoa humana e da defesa de direitos inerentes à personalidade do indivíduo.

A chancela constitucional sinaliza grande avanço na conjuntura mundial e sociocultural nacional em um momento de inconversível acesso ao mundo digital.

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AUTORA

Gisele Schereder. Advogada (OAB/PR nº. 100.186). Pós-graduada em Direito Constitucional pela AbdConst (Academia Brasileira de Direito Constitucional). Pós-graduada em Processo Civil pela ESA (Escola Superior da Advocacia – OAB Nacional).

REFERÊNCIAS

[1] Brexit é uma abreviação para “British Exit” (“saída britânica”, na tradução literal para o português). Esse é o termo mais comumente utilizado quando se fala sobre a decisão do Reino Unido de deixar a União Européia.

[2] Processo nº. 1007913-21.2021.8.26.0506

[3] Vide ADI’s 6387; 6388; 6389; 6390; 6393

[4] Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV – os direitos e garantias individuais.

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